Depois de há cerca de uma semana Elon Musk ter anunciado a compra de 9,2% das ações do Twitter, ser convidado para o conselho de https://shifter.pt/wp-content/uploads/2023/04/333930326_6734667403227056_1447582654111296349_n-1.jpgistração da empresa e rejeitar esse convite, esta semana foi a vez de declarar a sua intenção de se tornar dono da rede social. Se a proposta gerou uma onda de reações altamente polarizadas – como sempre que se trata de Musk –, teve um mérito inegável ao alargar a discussão sobre o papel das redes sociais e a sua propriedade, e mostrar o quanto este debate carece de novas ideias.
Nos últimos anos, as crises de moderação das principais redes sociais têm gerado um amplo debate sobre quem deve deter estes serviços – que, à falta de alternativa, se tornaram em autênticos espaços públicos digitais – e em que condições. Da suspensão de Trump do Twitter (ou mesmo de André Ventura, no caso português) às diversas crises geradas por desinformação por todo o globo, passando pelas tentativas de criar dinâmicas de auto-controlo, como o famoso Oversight Board do Facebook; são vários os sinais de que há muito por fazer, mas raramente o debate atinge uma dimensão crítica. Talvez pela falta de personagens entusiasmantes capazes de atrair a atenção e gerar emoções fortes – aspecto em que Elon Musk é praticamente incomparável a qualquer outro.
Se o termo “capitalismo de vigilância”, cunhado porShoshana Zuboff, pegou de estaca e se tornou numa espécie de conceito guarda-chuva por debaixo do qual se enfiam todas estas questões, a verdade é que o debate sério não se coaduna com a repetição de slogans, sob pena de cairmos num loop em que tentamos discutir tudo, mas acabamos por não discutir nada de realmente relevante. É que se o conceito da filósofa e professora de psicologia social descreve, e em parte muito bem, a forma como o capitalismo se tem adaptado para fazer da informação pessoal – e não só – um dos seus activos mais preciosos, a questão das redes sociais enquanto espaço de discussão pública é uma sub-questão que merece distinção. Desde logo, para que não se caia na falsa ideia de que as redes sociais que conhecemos são os únicos ou principais agentes desta vigilância.
Nesta matéria, o apresentador norte-americano John Oliver fez recentemente um interessante vídeo revelando o complexo industrial em torno da venda de dados. A questão da propriedade das redes sociais relaciona-se, claro, com este debate, mas de forma tão particular que merece um desenvolvimento próprio.
A história de Musk com o Twitter
“Investi no Twitter porque acredito no seu potencial para ser a plataforma da liberdade de expressão em todo o globo, acredito na liberdade de expressão como um imperativo social para uma democracia funcional.
Contudo, desde que fiz o meu investimento percebi que a empresa não triunfará nem servirá o seu imperativo social na sua forma corrente. O Twitter precisa de ser transformado como uma empresa privada.
Como resultado, ofereço-me para comprar 100% do Twitter a 54,20$ por acção em dinheiro, um prémio de 54% em relação ao dia anterior ao início dos meus investimentos no Twitter e de 38% em relação ao dia em que o investimento foi publicamente anunciado. Esta é a minha melhor oferta e a final, se não for aceite, vou ter de reconsiderar a minha posição como acionista.” – declaração de Musk sobre a sua oferta
Duas semanas depois de se posicionar como o principal acionista privado do Twitter ao adquirir 9,2% das acções da empresa, e de rejeitar o lugar que lhe era destinado no conselho de https://shifter.pt/wp-content/uploads/2023/04/333930326_6734667403227056_1447582654111296349_n-1.jpgistração, Elon Musk subiu a fasquia da sua oferta propondo-se a comprar não uma parte, mas toda a rede social. E é nesse momento que o caso muda de figura, tanto quanto a sua proposta de mudar l a rede social de figura legal. Nos documentos preenchidos por Elon Musk e enviados para a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), expressa que a sua vontade de adquirir todas as acções da empresa faz parte do plano de a tornar privada (no significado anglófono do termo) para a partir daí poder desbloquear todo o seu potencial.
Musk tornou-se há uma semana o segundo maior investidor da empresa – já que o primeiro é o Vanguard Group – , mas foi o suficiente para perceber que para alterar o seu desígnio tinha de alterar a estrutura de propriedade da empresa: tirar a empresa do mercados de capitais e detê-la a 100%. Com uma oferta de 43 mil milhões de dólares, correspondente a uma valorização de cada acção a 54,20 dólares, valor 54% acima do preço de referência quando começara a investir no Twitter, o bilionário sul-africano-canadiano fez uma espécie de ultimato em relação à sua posição, dias depois do actual CEO do Twitter lhe dar as boas-vindas ao leque de proprietários: ou aceitam a sua proposta de aquisição completa ou Muskpromete rever a sua posição como acionista. Uma tomada de posição que parece ter subjacente a convicção de que o Twitter estaria melhor se não estivesse sujeito às flutuações de valor a que se sujeita uma empresa cotada em bolsa, e que o futuro da rede social seria mais próspero passando por um período de privatização.
“Public company” não é uma empresa pública
Neste momento, importa esclarecer os conceitos e as dinâmicas por que se rege o universo corporativo, iluminando sobretudo nuances que as traduções entre termos tantas vezes mitigam – e que mostram em parte a diferença de mundividência nos dois lados do Atlântico.
Apesar da associação tão próxima entre as redes sociais e os seus CEOs, é fundamental perceber que na maioria dos casos é rara a situação em que estes são os verdadeiros donos das empresas e em que as empresas são privadas – têm os capitais fechados, na designação portuguesa. O Twitter, por exemplo, é o que nos Estados Unidos se designa de public company isto é, uma empresa cotada em bolsa, o que em português se traduz como empresa de capitais abertos desde 2013.
O processo de abrir o capital da empresa, que passa por abrir a venda de acções nos principais mercados, inicia-se com o chamado IPO (Initial Public Offering). A partir daí, as ações da empresa deixam de estar na posse de uma pessoa ou de um número controlado de pessoas e tornam-se passíveis de compra e venda, por qualquer momento, nos principais mercados bolsistas. Estão sujeitas a flutuações de valor em função dos seus resultados, e sobretudo, obrigadas a revelar todas as informações relevantes sobre a sua operação. No caso das empresas de capitais fechados, as informações têm de ser comunicadas apenas aos acionistas envolvidos. Olhando para o portfólio de Musk, encontramos uma empresa cotada em bolsa, de capitais abertos, a Tesla, e uma privada, a SpaceX, como exemplos de dois dos modelos possíveis e em equação.
Ao contrário do que a tradição discursiva muitas vezes nos impele a pensar, uma public company não é, de todo, neste enquadramento, aquilo que em Portugal chamamos de “empresa pública” com significado de estatal – nem tão pouco é uma empresa privada a quem é comissionado um serviço público.
A grande diferença entre ambas, conforme se pode ler nas páginas do próprio Governo norte-americano, é a sua relação com a partilha de informação. Uma empresa é considerada pública quando tem obrigações de reporte perante os seus investidores e a Comissão de Valores Mobiliários (SEC); já uma empresa de capitais fechados, detida por uma pessoa, entidade ou por um conjunto restrito de pessoas ou entidades, abaixo do limite definido pela SEC, não tem a mesma obrigação — como exemplos temos as grandes consultoras ou sociedades de advogados.
“Uma empresa detida publicamente geralmente significamente uma empresa que tem uma classe de valores mobiliários registada na SEC porque são vastamente detidos ou cotados em bolsas de valores. Quando uma empresa de capitais abertos é elegível para cancelar o registo destes valores mobiliários, seja porque já não são detidos de forma vasta, ou foram retirados da bolsa, isto é chamado “privatizar”
Em tese, defende-se que as empresas privadas tenham maior capacidade de decisão e mudança, enquanto que as empresas públicas, tendo maiores obrigações de reporte, são mais lentas e vêem estes processos mais disputados. Este tem sido de resto o argumento de Elon Musk, não só neste caso, como também tinha sido em 2018 quando sondou os investidores sobre uma possível passagem a privado da Tesla – pública desde 2010 –, um outro momento da história para que vale a pena olhar de seguida.
Em 2018, depois de especular sobre a retirada da Tesla dos mercados, Musk acabara por mudar a sua posição depois de ouvir os seus investidores. Em causa estava uma discordância em torno de questões burocráticas e legais, nomeadamente sobre uma limitação de investidores institucionais – como fundos de pensões ou soberanos – para investir em empresas privadas. E se a intenção de tornar a empresa privada foi efémera, as consequências deste processo viriam a arrastar-se ao longo do tempo. A SEC considerou que Musk revelara nos seus tweets informações que devia ter comunicado primeiro pela via institucional. Apesar de desde 2013 ter anunciado à Comissão que ia usar o Twitter como veículo de comunicação corporativo, o regulador acusou Musk de fraude e obrigou-o a deixar o lugar de chairman da empresa. Um caso exemplar sobre as obrigações das empresas públicas.
“De acordo da queixa da SEC contra a Tesla, apesar de ter notificado os mercados em 2013 que pretendia usar o Twitter de Musk como um meio de anunciar novas informações sobre a Tesla, e de encorajar os investidores a ver os tweets de Musk, a Tesla não tinha mecanismos de controlo ou processos para determinar se os tweets de Musk continham informações que deviam ser reveladas à SEC. Nem Nem tinha processos suficientes para que os tweets de Musk fossem precisos ou completos.”
Voltando ao Twitter
No presente caso, contudo, embora esta seja uma importante dimensão, a questão não se esgota aí, dado o papel da rede social do passarinho azul nas sociedades contemporâneas que não pode ser diminuído – passemos a essa questão, não sem antes dar nota da resposta do Twitter.
Depois de receber a oferta que categorizou como “não solicitada e não vinculativa”, o conselho de https://shifter.pt/wp-content/uploads/2023/04/333930326_6734667403227056_1447582654111296349_n-1.jpgistração do Twitter resolveu acionar a chamada pílula venenosa, uma estratégia que dá primazia aos outros investidores que não Musk para que reforcem as suas posições na empresa, diluindo assim a percentagem nas mãos de Musk. Esta resposta surge depois de, por exemplo, Al Waleed bin Talal Al Saud, oligarca da Arábia Saudita e segundo maior investidor privado do Twitter a seguir a Musk, ter anunciado no seu Twitter a recusa da oferta de Musk, alegando que o valor oferecido era muito baixo. Se é facto que a proposta de aquisição valoriza cada acção acima do preço actual de mercado, importa notar que há pouco mais de um ano – em fevereiro de 2021 – cada título valia perto de 77 dólares, valor acima dos 54 agora oferecidos, e que numa oferta deste estilo é comum a valorização ser significativa, uma vez que a compra do controlo da empresa é mais relevante que a compra de acções nos mercados correntes.
Outras iniciativas sobre a propriedade das regras
Debeladas as questões concretas sobre as lógicas de propriedade, a análise deste caso adensa-se quando se reflecte sobre o papel do próprio Twitter. Elon Musk gaba-se de ser um fundamentalista da liberdade de expressão, e é nessa crença que parece basear a sua relação com o Twitter – salvo intenções lucrativas que lhe possam estar associadas. Depois de iniciar a sua posição no Twitter por, segundo ele, acreditar que esta pode ser a rede social garante da liberdade de expressão um pouco por todo o mundo, a OPA (Oferta Pública de Aquisição) que lançou à empresa expressa a sua constatação de que é impossível cumprir esse propósito sendo o Twitter como é hoje em dia.
Embora a missão de defesa da liberdade de expressão seja meritória, Musk defende que para que o Twitter a cumpra tem de se tornar privada. Se de um ponto de vista superficial essa lógica pode fazer sentido, na prática ignora as principais questões em torno dessa liberdade de expressão a um nível quase perverso.
Por de trás da lógica de Musk e de quem defende esta possibilidade, está a ideia de que pelo menos se o Twitter fechar os seus capitais, existe alguém a quem apontar o dedo e as culpas – dado que Musk está sempre nas bocas do mundo. E se esta imagem parece simbolicamente atrativa, numa altura em que tanto se fala em cancelamentos e no poder da internet para atacar indivíduos específicos, nega por outro lado a inconsequência material inerente a todo este processo. Como se viu ao longo de décadas de convívio com redes sociais, o escrutínio pessoal das suas figuras centrais, está longe de ter uma implicação conclusiva nas suas operações das empresas ou até mesmo na popularidade dos serviços – por muito que Zuckerberg seja caricaturado como uma das pessoas mais nocivas para a Democracia mundial, a Meta (a empresa-mãe que nasceu do Facebook) continua o seu trajecto. Se por um lado o raciocínio passa por atribuir mais culpas ao indivíduo, por outro ilude-nos quanto ao facto de, na prática, esta privatização também representar que menos pessoas têm poder de decisão efectivo. Um olhar sobre as principais empresas privadas nos Estados Unidos não deixa dúvidas sobre esta relação de poder.
Ainda assim, o assunto não se fica por aqui. A visão de Elon Musk para o Twitter foi explorada com algum pormenor numa entrevista que deu num evento do TED por estes dias. Nessa entrevista que deu em palco, Musk revelou melhor as motivações da sua estratégia e a sua preocupação com a falta de transparência na forma como a plataforma é gerida, mais do que uma estratégia concreta para resolver o problema da liberdade de expressão global como na promessa inicial. Segundo o que disse, não passa pela ideia de Musk deixar de cumprir a regulação dos países onde opera, mas por tornar tudo mais transparente e optar por, em caso de dúvida, deixar o discurso prevalecer. Em palco, falou de planos para tornar o código da rede social open source, em repositórios como o GitHub e à imagem de outras criações tecnológicas como o Linux.
Apesar de este enquadramento poder ser interessante, não deixa de ser paradoxal face à privatização da empresa. Mais uma vez, os utilizadores teriam maior poder simbólico perante uma aparente transparência de processos mas continuariam sem poder fazer nada concreto ou efetivo – ou sem mecanismos de controlo para verificar se isso realmente acontecia.
Outra dimensão importante e que parece ser ignorada tem que ver com a relação entre as redes sociais e os países onde estas atuam. Apesar de não ser algo tão mediatizado, é frequente que as redes sociais ao operarem globalmente tenham de responder a regulações locais e ter políticas de interação com as autoridades dos diferentes países. Esta relação é geralmente condição sine qua non para que o acesso às redes seja permitido aos cidadãos e o seu incumprimento já levou, em diversos casos, a bloqueios ao acesso às plataformas. Isso aconteceu ao Twitter, por exemplo, em 2014, quando Erdogan ordenou o bloqueio alegando “medidas preventivas” por circularem nas redes rumores sobre a prática de corrupção no país. Mas continua a acontecer um pouco por todo o mundo — note-se que o site está bloqueado na China, Irão, Birmânia, Coreia do Norte, Rússia, Turquemenistão e Uzbequistão.
E se um contra-argumento pode ser a utilização de aplicações como VPNs, que permitem o acesso mesmo em países onde este é proibido, na prática essa camada de dificuldade belisca a ideia de um espaço realmente público e realmente global. Ou faz com que a sua caracterização mude brutalmente, mudando de uma rede social com uma forte presença institucional, frequentada por políticos e instituições de quase todo o mundo, para uma espécie de último reduto da liberdade de expressão com total ausência de mecanismos de controlo – para o bem e para o mal –, à imagem de outros projectos da internet como o 4Chan, por exemplo.
Tudo isto traz-nos até uma questão central. É mais fácil imaginar o fim das redes sociais do que estruturas de propriedade realmente democráticas e que protejam o interesse público e a liberdade de expressão.
Por um lado, as ideias de Musk para tornar o Twitter mais transparente são interessantes e a libertação do código em fonte aberta ou até, eventualmente, com licenças que permitissem criar outras instâncias do Twitter é apelativo. Por outro, ignora-se a dimensão que a rede social tem hoje e o poder da sua marca, parte de um portefólio propriedade intelectual que continuaria a conservar. Se é fácil dizer que esta formulação daria a cada utilizador o poder de em caso de discórdia trocar de instância, esta ideia ataca a promessa inicial de fazer do Twitter o espaço público global por excelência.
Não, e agora?
Prevendo-se que a resposta do conselho de https://shifter.pt/wp-content/uploads/2023/04/333930326_6734667403227056_1447582654111296349_n-1.jpgistração do Twitter à proposta de Musk venha a ser um não, o homem mais rico do mundo pode agora retirar a cartada e dizer que o seu objectivo está cumprido, e que tudo o que queria era obrigar o Twitter a repensar as suas políticas de transparência. Nesse aspecto, é óbvia a conquista de trazer o assunto para o debate; todavia, restringirmos o debate social às posições de Musk é em si um empobrecimento tremendo desse mesmo debate.
Propostas e tentativas de criar redes sociais com outras estruturas de propriedade não faltam, e não é por aí que o seu sucesso é limitado. Protocolos como o Mastodon ou o Pleroma existem há diversos anos e representam parte da visão da transparência sobre o algoritmo defendida por Musk. Estas redes – que não são plataformas mas protocolos – permitem que cada um crie a sua instância e a possa gerir com total transparência, a partir de um código de fonte aberta que está sujeito a escrutínio e discussão.
Se em teoria isso é excelente, é o seu fracasso continuado que nos ensina a maior lição. A sua utilização é marginal e geralmente reservada a grupos com interesse nos direitos digitais, nas redes P2P ou similar. Isto acontece sobretudo devido à falta de investimento em comunicação e em desenvolvimento, que está indelevelmente associado ao facto de não se tratar propriamente de empresas mas de protocolos, e que faz com que a capacidade de inovação, a optimização dos layouts e até mesmo dos algoritmos seja mais lenta. Esse cenário pode resolver algumas questões, nomeadamente promovendo uma descentralização das redes sociais, mas pode levar a uma espécie de segregação do espaço público digital como o conhecemos: as pessoas mais hábeis tecnologicamente conseguem migrar para redes sociais com uma curva de aprendizagem maior, enquanto os demais ficam sujeitos àquilo que, essencialmente, conhecem e sabem usar.
É neste limbo, portanto, que devemos situar a discussão que se pode sintetizar numa pergunta simples: conseguimos reinventar a propriedade dos espaços públicos digitais que conhecemos ou a mudança implica a sua reinvenção? As respostas são complexas e implicam uma imaginação legal e regulatória como nunca antes visto – da mesma forma que nunca antes o mundo vira um espaço público de comunicação tão grande.
Jonas Staal, artista, e Jan Fermon, advogado, criaram há cerca de dois anos um projecto incidindo directamente nesta questão mas aplicando-a ao Facebook. Staal e Fermon argumentam que o Facebook viola o direito da autodeterminação dos indivíduos pelo mesmo motivo que Musk argumenta que o Twitter tem falta de transparência, mas propõem uma solução completamente diferente. Em vez da privatização, a sua colectivização, isto é, a dispersão da propriedade da empresa por todos os seus utilizadores. No mesmo comprimento de onda existem outros projectos como o BuyTwitter, que propõe que se faça um estudo sobre como colectivizar a empresa, propondo outras estruturas como a organização em modo cooperativa.
Se a diferença pode parecer um pormenor, a verdade é que não é. No caso de Staal e Fermon, o projecto propunha que fosse a Organização das Nações Unidas a comandar um processo único na história de colectivização de propriedade, como forma de garantir a supervisão das plataformas dentro de um enquadramento institucional e democrático. Parte importante desta proposta é a valorização atribuída às marcas. Staal e Fermon entendem que no capitalismo como este é hoje – marcado fundamental por questões de popularidade e alcance – o papel das marcas registadas não pode ser menorizado. Assim, para eles, a questão não passa só por perceber como criar serviços tecnologicamente semelhantes, mas também por perceber como se pode colectivizar a importância destas marcas. Em abono da verdade é isso que torna as redes sociais que conhecemos hoje tão únicas, mais do que qualquer característica técnica concreta – é o controlo das marcas absurdamente popularizadas.
Para concluir e recuperando a relação deste caso com o chamado capitalismo de vigilância, para que também a questão da privacidade e o carácter extrativista destas aplicações não seja omitido: é também a posse das informações que foram coletadas ao longo dos anos que permite às principais empresas alavancarem as suas posições e manterem-se a partir daí dominantes nos mercados – todos teremos ouvido falar do caso em que a Amazon espiava lojas de terceiros na sua plataforma para criar produtos semelhantes.
Nesse sentido, torna-se evidente que a propriedade dos dados nas mãos de uma só pessoa pode ser mais preocupante. A distinção fundamental a estabelecer é, de resto, na direção inversa. É certo que defender modelos de propriedade tendencialmente mais coletivos e democráticos pode ajudar a debelar as principais questões no que toca à moderação de conteúdos. Todavia, esse debate é apenas uma ínfima parte do debate alargado sobre o papel da informação no capitalismo contemporâneo. Confundir os dois é o primeiro passo para não acertarmos em nenhum.