Fomos a uma “mina” de criptomoedas… em Massamá

Fomos a uma “mina” de criptomoedas… em Massamá

O Diogo e o João querem sobretudo perceber como funciona o processo. Estão longe de se tornarem milionários e esse acaba por ser o melhor conselho que podem dar a quem ficar com o bichinho.

Desde que a febre das criptomoedas chegou que no nosso léxico entraram uma série de novos conceitos ou se procedeu a uma série de actualização dos antigos para que se abrangesse todo processo de geração e utilização destas moedas. A terminologia em inglês – criada, regra geral, por associação – foi vítima de traduções directas que ainda nem são consensuais, mas as práticas, essas, são iguais em todo o mundo.

Foi, por isso, que, ainda sem sabermos se devemos escrever “minerar criptomoedas” ou “minar criptomoedas”, fomos conhecer alguém que o faz. O Diogo Fernandes e o João Figueiredo são dois jovens adultos, de Massamá, perto de Lisboa, que por mera coincidência descobrimos que se dedicavam à operação e que, sem qualquer complicação, nos levaram a conhecer a sua mina.

Os pormenores técnicos ficarão de fora da reportagem para não assustar quem não domina e porque o objectivo é iluminar os túneis desconhecidos que as novas tecnologias criam no espaço mediático e por onde muito poucos conseguem circular.

Uma vista geral

Criptomoedas já todos sabemos (mais ou menos) o que são e a nossa curiosidade move-se a cada pesquisa por perceber como se gera o seu valor. Nesta oportunidade única de perceber – in-loco e com direito a questões – ao processo de geração de novos tokens de uma determinada moeda, conseguimos avaliar com uma perspectiva mais realista toda complexa cadeia de custos e benefícios que a esta actividade se associa. A disponibilidade para a transparência dos dois chefes desta exploração não poderia ter sido maior e, por isso, partilharemos no final números que permitirão fazer um balanço e pôr tudo em perspectiva.

Começamos pelo princípio e pela única complexidade inevitável: explicar o que é o mining (em inglês porque ainda não resolvemos a indecisão). Atendendo à principal característica do blockchain – tecnologia em que assentam a maioria das criptomoedas –, é fácil entendermos o que significa este críptico conceito, que, no mundo físico, significa algo bem diferente. Se, na realidade, mineiros escavam pedra à procura de minério, no mundo digital o minério/tokens são como que uma recompensa do trabalho e não um resultado directo deste. O trabalho, esse, também não é manual e árduo mas antes computadorizado – passa por validar transições e juntá-las aos blocos, recebendo, por isso, moedas.

O segredo do mining está, portanto, na capacidade de computação que se consegue juntar e ao tipo e processamento que lhe está associado. Sem complicarmos muito a questão, digamos que a maioria das criptomoedas está associada a algoritmos que podem ser resolvidos com maior eficiência nas unidades de processamento gráfico, as placas gráficas. Assim, este componente outrora desejado para o gaming ganhou uma nova utilidade, podendo ser usado para o mining. Esta é a alternativa a quem não compra as Antminers (ou semelhantes), máquinas desenhadas especificamente para o efeito mas com um preço de mercado bastante superior.

Porque o fazem sobretudo pelo gosto pela tecnologia e pela vontade de fazer parte da sua evolução, o Diogo e o João têm uma mining rig experimental e feita por eles, sempre a espreitar actualizações. Numa caixa de metal sólida, feita à medida pelo mais habilidoso manualmente dos dois, perfilam-se 6 placas gráficas e os restantes componentes habituais de um computador, que o mais geek ligou em circuito. O resultado é um gigante computador que, apesar de ter 6 placas gráficas, nem precisa de monitor para funcionar.

A mining rig, depois de configurada e ligada à rede de onde “puxa” as transações, pode ser simplesmente gerida remotamente através do telemóvel, ou acompanhada, por exemplo, noutro sensor muito importante nesta equação: o da corrente eléctrica. Como comenta João, enquanto espreita para debaixo da secretária, “uns números abaixo e já sei que não está no rendimento máximo”.

É mesmo na relação entre a electricidade e as moedas que se escondem um dos factores decisivos de entendimento desta tecnologia. Se muitas vezes nos perguntamos de onde vem o valor associado às criptomoedas, basta olharmos para a conta da luz destes meninos (ou ler este trabalho na revista Politico). Um dos sinais desse consumo energético avultado é o aquecimento gerado pela aparelhagem, de tal ordem que chega para manter a temperatura agradável aos ouriços que o Figueiredo afaga enquanto olha para as linhas que passam rapidamente pelo terminal dando conta dos resultados do processamento.

O tal terminal

A receita que conseguem através do seu processo de mineração é incerta e depende do grau de optimização, quer a nível de hardware, quer a nível de software. O mining acontece em pools, onde diferentes computadores competem para ver quem primeiro resolve a transação, por isso, qualquer pormenor que possa influenciar a performance do equipamento pode ser determinante – até a electricidade estática gerada pelos movimentos humanos em redor. Em cada pool minera-se uma determinada moeda, usando um determinado script; assim, não há uma forma garantida de conseguir determinado rendimento, pelo contrário, é um processo de tentativa e erro e de procura por pontos de equilíbrio.

Damos-te um exemplo: imagina que a moeda K é a moeda mais valiosa do mercado, com uma taxa de mining muito apetecível (muitos tokens atribuídos em troca da validação de transações); este cenário poderia querer dizer que a moeda K seria a melhor opção para os nossos mineiros mas não é bem assim; as pools mais valiosas atraem os players mais competitivos, com o melhor hardware e as melhores ligações à rede, logo, um miner deve ter consciência da sua capacidade e jogar em pools menos concorridas – só isso lhe dará garantia que o seu trabalho terá efectivamente algum retorno. Outro ponto fundamental tem a ver com a flutuação do valor das moedas; minerar algo que hoje vale pouco, pode garantir um retorno no futuro; isto para dizer que é muito mais do que correr da moeda que está no topo.

Estes são os princípios e o resto é conversa – ou dedicação e pouca conversa. Foi de resto esse um dos pontos dominantes da horas que por lá passámos a trocar ideias sobre este mundo novo. Para o Diogo e o João o mais importante é perceber o processo e a ideia está de longe de ser tornarem-se milionários, e esse acaba por ser o melhor conselho que podem dar a quem ficar com o bichinho.

Embora pareçam formas fáceis de fazer dinheiro, são formas muito arriscadas de o fazer e que exigem um enorme controlo. A manutenção do hardware, a dedicação e optimização constante dos scripts, a escolha das pools e das moedas a minerar ou questões tão mais práticas como a potencial exorbitância da conta da luz são alguns dos factores que de um dia para o outro podem fazer com que este entusiasmante hobbie se torne numa preocupação. O ponto mais positivo da experiência é perceber experimentando como funciona todo este universo, ganhando uma perspectiva diferente sobre uma tecnologia emergente que pouca gente entende realmente.

Para uma ideia de como a coisa evoluí, desde a nossa visita, a equipa já trocou a sua opção quanto à moeda que minera e já se viu obrigada a fazer uma alteração no setup para lhe juntar uma potente ventoinha que permita suportar o Verão.

Uma carteira para criptomoedas
Tabela com estimativa dos custos da mining rig

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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