São 16 nomes influentes na sua área, da arte visual, à escrita, passando pela música e pela ciência de dados, e responderam ao apelo do Shifter para este Dia Mundial do Livro especial. Numa altura em que o estado do mundo convida à introspeção, esta lista tem livros que convocam a reflexão, livros com realidades distantes que nos ajudam a viajar, ou livros com outras histórias que merecem a nossa atenção. Há livros técnicos, de crónica jornalística, biografias, de fantasia, e até de banda desenhada.
Sem ordem específica, sem tema definido, ou qualquer tipo de critério de exclusão, aqui ficam 16 livros que simplesmente marcaram quem os aconselhou, numa lista que podes revisitar para perceber os seus motivos e para ficar a conhecer um pouco melhor os autores das escolhas e o seu trabalho admirável.
Os Caçadores de Cabeças do Amazonas – F. W. Up de Graff
Por Gonçalo Preto, artista visual
O título embora tétrico e extremamente gráfico, descreve uma viagem recheada de aventuras e expedições nas florestas virgens da América Equatorial, no final do séc. XIX. Contado na primeira pessoa, este é um raro testemunho livre de pretensões literárias e científicas. Desde a exploração industrial à exploração da borracha; e da procura pelo ouro à procura de tribos canibais, Up de Graaf relata o contacto e convívio com várias tribos de índios jívaros e descreve com admiração a capacidade de adaptação às condições adversas da bacia do amazonas. Com uma escrita honesta e extraordinariamente sensorial, é possível sentir o vagar da passagem do tempo e a intensa humidade no coração da floresta.
Senhor Calvino – Gonçalo M. Tavares
Por NERVE, músico
Um livro para, em tempo de isolamento que convidam a introspecção, nos lembrarmos de procurar focos de interesse e contemplação, tanto em peculiaridades rotineiras como em pequenas dádivas passageiras ou simplesmente no domínio do imaginário.
A Revolução do Algoritmo Mestre – Pedro Domingos
Por André Rocha, designer e professor
Faz cada vez mais sentido compreendermos a abrangência da aprendizagem automática. A sua ubiquidade é evidente, mas o modo como opera é totalmente desconhecido da maioria das pessoas. Com este livro, Pedro Domingos, português, Professor na Universidade de Washington, traça um mapa claro das diferentes escolas e tendências e respectivas mais notáveis aplicações.
A Confissão da Leoa – Mia Couto
Por Margarida David Cardoso, jornalista do Fumaça
Em Moçambique, as mulheres rurais não têm outra história senão aquela que os homens lhes emprestam. Pelo menos é assim que Mia Couto as vê, de fora, sabendo que por dentro há uma voz silenciada. Este é um dos livros que quebra esse silêncio.
O Diário de Anne Frank – Anne Frank
Por Lara Seixo Rodrigues, curadora
Neste momento de crise pandémica que nos tem confinado às nossas casas como única forma de combate, que muitos revolta, angustia e que origina todo o tipo de ansiedades e populismos, não são poucas as vezes que tenho reflexionado sobre uma urgente necessidade de relativizarmos este momento (e o nosso contexto particular) e de despertarmos a nossa empatia para com toda a humanidade e tempo. Como “ferramenta de relativização” sugiro a leitura ou releitura de O Diário de Anne Frank, que durante mais de 2 anos viveu (ou digamos antes, sobreviveu) com a sua família num pequeno esconderijo durante a ocupação nazi dos Países Baixos. Um exemplo real e único, declarado Património da Humanidade, que não deveremos esquecer e que nos permitirá exultar os nossos dias.
Vernon Subutex – Virginie Despentes
Por Alex Couto, escritor e publicitário
A sociedade até pode parecer um sítio giro para nos movimentarmos, mas isso é só até olharmos para a vida dos sem-abrigo. O que a autora faz de forma magistral neste livro é mostrar o quanto a rua está próxima das pessoas normais e, claro, como é um capitalismo desequilibrado a tornar a distância tão ténue. Através de Vernon, dono de uma loja de discos falida, conhecemos uma cidade de Paris mais negra, onde alt-right, bandidagem e corrupção convivem. Enquanto isso acontece, é inevitável perguntarmos: onde é que falhámos, para termos falhado tanto?
O Gato Mariano: Críticas Felinas (2014-2018)
Por Rute Correia, produtora de conteúdos e radialista
A antologia do Gato Mariano consegue a proeza de ser, simultaneamente, um marco na banda desenhada e na crítica musical em Portugal. Mordaz e perspicaz, o Gato Mariano pode nem sempre gostar da mesma música que nós e é também por isso que vale a pena ser lido.
Democracy Without Journalism? Confronting the Misinformation Society – Victor Pickard
Por Paulo Querido, programador de automatismos com linguagem natural
O livro foca-se nos Estados Unidos da América e tem como eixo a relação de aproveitamento do ainda presidente do ainda país com a ainda imprensa. Mas tudo o que lá está se adapta a outras latitudes pois o assunto é maior: a crise do jornalismo. Toda a gente dentro do setor insiste em remédios que de uma forma ou de outra pretendem ressuscitar o status quo e restabelecer poderes e processos. Ou seja: a aposta generalizada é no cavalo errado pois a crise é profundamente estrutural e é a transformação das estruturas que devia captar as vontades e as forças que restam ao jornalismo. Nesse sentido, este livro é uma leitura útil. E creio que para muitos jornalistas, uma imensidão, será uma revelação – assim eles sejam capazes de finalmente se verem livres das talas que há 20 anos lhes turvam o olhar.
Egas Moniz, Uma Biografia – João Lobo Antunes
Por Afonso Reis Cabral, escritor
Em qualquer boa biografia, entramos não só na vida do biografado, como acedemos à porção da vida que lhe foi dada a ver. Com Egas Moniz, pela mão certa e literariamente cirúrgica de João Lobo Antunes, conhecemos os meandros da Coimbra de finais do século XIX, bem como os intervenientes da Primeira República e da medicina portuguesa dessa época. Fascinante, descobrir a figura fascinante e hoje em dia muito desconhecida de Egas Moniz, primeiro prémio Nobel Português. Não foi só o inventor da famigerada leucotomia: inventou também a angiografia cerebral, era um literato, um político e, vá-se lá perceber como, sobreviveu a uma salva de oito tiros.
Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Quotidiano – Grada Kilomba
Por Eva Gonçalves, designer, artista e educadora
Foi sem dúvida o meu livro de 2019. Já andava a querer lê-lo há muito, conhecia o trabalho da Grada Kilomba de Berlim, mas acabou por calhar estar em Lisboa no lançamento da versão portuguesa. Li-o de um só fôlego. Nascida em Portugal mas com raízes em África, a autora fala-nos enquanto académica e artista interdisciplinar, elaborando perspectivas originais sobre racismo, pós-colonialismo, memória e silenciamento histórico, como mais ninguém no panorama português. O livro funciona como uma colecção de episódios que expõem o racismo – por vezes subtil e mascarado de “normalidade”, por vezes explícito – experienciado pelas/os entrevistadas/os em múltiplos episódios do quotidiano. Numa altura em que em Portugal se começa a questionar a memória colonial e invisibilidade da população negra, a voz de Grada é essencial à desconstrução de mitos históricos e da realidade do privilégio da branquitude. A obra evidencia a urgência em escrutinar a violência e os traumas do passado colonial como caminho único para a reconciliação do futuro.
The Fifth Risk – Michael Lewis
Por João Vasconcelos, Canal180
Michael Lewis (Moneyball, The Big Short) leva-nos aos bastidores dos Departamentos de Estado Norte Americanos no momento pós eleição de Donald Trump. Uma reflexão essencial sobre o que é um Estado e como funciona uma Democracia, feita através de relatos de brilhantes funcionários públicos que lidam todos os dias com questões fundamentais para o mundo e a sociedade, como regras de actividades nucleares ou a previsões meteorológicas.
O Livro de San Michele – Axel Munthe
Por Tamara Alves, artista visual
O meu pai emprestou-me este livro o ano passado e descreveu-o como um dos livros mais bonitos que já leu. Meses depois de o ler tive a oportunidade de visitar a casa (agora museu) do autor na Villa San Michele. Faço deste livro a minha escolha porque é um livro importante para qualquer altura mas principalmente para estes dias, em que questionamos as nossas prioridades e ambicionamos uma maior harmonia com o mundo em que vivemos.
Less Than Zero – Bret Easton Ellis
Por Maria Rita, fotógrafa
Gosto de livros e filmes que não transformam as cidades nos sítios incríveis que nunca são. Este livro transporta-me para uma Los Angeles que nada tem a ver com os postais de palmeiras e pôr do sol cor de laranja. É um livro sobre nada em concreto onde muito pouco se passa, a não ser o vazio de nada mudar. Mas é exactamente isso que me atrai nesta obra. É real.
The Innovator’s Dilemma – Clayton Christensen
Por Nuno Carneiro, cientista de dados
O fatídico ano 2020 começou com a morte de Clayton Christensen, uma das mais brilhantes mentes do mundo dos negócios em todo o mundo. Mas nunca é tarde para ler este seu clássico livro. Eu fi-lo apenas recentemente e posso garantir que vale muito a pena. É um excelente livro em todos os aspectos, desde a forma ao conteúdo, onde aprendemos como é que a inovação leva pequenas empresas a ultrapassar gigantes.
O Milagre de Espinosa – Frédéric Lenoir
Por Diogo Faro, argumentista e humorista
Numa altura em que o mundo terá forçosamente que reavaliar as suas prioridades no que diz respeito ao amor ao próximo, ao consumismo, àquilo que representa a felicidade para cada um, este livro é um excelente compêndio do brilhantismo e da lucidez que foi a mente de Espinosa em relação a estes assuntos.
O Templo Dourado – Yukio Mishima
Por Horácio Frutuoso, artista visual
Mizoguchi é um rapaz que entra na vida adulta moldado por uma série de eventos traumáticos (Segunda Guerra Mundial, a perda dos pais, a sua condição física, viver num mosteiro) que lhe conferem uma peculiar visão do mundo e das suas emoções. Isolado pelos complexos que tem sobre si mesmo, somos levados a mergulhar na mente distorcida e perturbada deste jovem que vive entre a tormenta e o desejo, a repulsa e atracção, até à complexa obsessão que desenvolve pelo Templo, no qual crê encontrar a suprema beleza que ele nunca tinha descoberto, e que tanto se debatia por alcançar. Esse sentimento culmina com a concretização do acto que mais deseja, que tanto tem de perverso como de heróico, mas lhe permite alcançar a paz no seu interior e compreender que a beleza é imaterial. O enredo deste livro não é possível de distinguir da vida do próprio autor sem que fiquemos sensibilizados com aquilo que estamos dispostos a fazer pelo que nos apaixona. Apesar da ruína social e de duras transformações, acreditar que somos capazes de alcançar o nosso lugar no mundo.
You must be logged in to post a comment.