A “analogia da figueira” da Campânula de Vidro, de Sylvia Plath, está a ser deturpada

8 Agosto, 2025 /
Captura de ecrã de um dos vídeos virais da fig tree theory, com vários figos com texto por cima.
A “analogia da figueira”, como é conhecida online, é adorada pela Gen Z e tornou-se uma trend do TikTok nos últimos três anos. Mas quão distante estará do seu contexto original? Quantas das pessoas que a usam nos seus vídeos terão lido A Campânula de Vidro?

No capítulo sete do livro A Campânula de Vidro (1963), de Sylvia Plath, a protagonista Esther Greenwood imagina a sua vida a ramificar-se como uma figueira verde. Cada figo, nos ramos, representa um “futuro maravilhoso” diferente — família, uma carreira de sucesso, romance, viagens, fama, etc. 

A talentosa Esther tem inúmeros figos que pode escolher, no entanto imagina-se a “morrer de fome” no galho da árvore porque não consegue decidir qual dos figos escolher. 

A sua indecisão vem do facto de saber que escolher um futuro maravilhoso significa perder outras oportunidades igualmente apelativas. Esther quer experimentar todas, mas sabe que não pode e, no fim, passa tanto tempo na indecisão que todos os figos apodrecem e caem no chão, mortos. 

Por querer fazer tudo, Esther perde a oportunidade de fazer tudo, de todo. Esta metáfora é sobre potencial desperdiçado, o medo de escolher o caminho errado, e sentirmo-nos apressadas para tomar decisões antes de sabermos aquilo que realmente queremos. Por isso não é surpreendente que os adolescentes a achem tão interessante. 

A “analogia da figueira” [‘fig tree analogy’], como é conhecida online, é adorada pela Gen Z e tornou-se uma trend clássica do TikTok nos últimos três anos. Começou a ser debatida na plataforma como parte do discurso em torno do meme do “Roman Empire” em 2023,  com utilizadoras femininas a citá-la como um exemplo de algo em que pensam constantemente. 

E atingiu um novo pico no início de 2024 graças à teoria “a minha figueira”, em que utilizadoras da rede social — novamente, sobretudo mulheres jovens — partilhavam vídeos sobrepondo os seus desejos e sonhos a uma imagem genérica de um ramo de figueira, quase sempre acompanhados pelo áudio da passagem do livro a ser lida.

Esta trend foi, na sua essência, uma forma das pessoas partilharem os seus empregos de sonho — com percursos profissionais tão variados quanto ser “cirurgião” ou “influencer”,  que às vezes apareciam num único ramo. Mas também permitiu que os jovens  expressassem as suas ânsias sobre planear o futuro.  

Num dos vídeo, ao lado de uma bela ilustração de uma figueira podia ler-se “não consigo evitar pensar se serei realmente feliz [no percurso profissional que escolhi] para sempre”. Lembro-me de me sentir assim, quando li A Campânula de Vidro pela primeira vez no meio de candidaturas para a universidade e grandes escolhas de vida. 

Quando és jovem, pode parecer que só tens uma opção e que nunca poderás voltar atrás, por isso é que as palavras de Plath me tocaram na altura e parecem estar a ter o mesmo efeito em centenas de jovens agora.

Mas porque é que, concretamente, esta metáfora está a ressoar de uma forma tão forte com a Gen Z

 

@insp0bygrace

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♬ use this sound if ur depressed and anxious – gillianlovesfilms 🎬

 

As raparigas que estão a participar na trend “a minha figueira” não estão sujeitas à mesma escolha binária de casamento ou carreira a que Esther estava. Hoje em dia é possível teres vários namorados e depois um marido e família, e nada disso te desqualifica de seres uma “professora brilhante”, uma “editora maravilhosa” ou o que quer que queiras ser.

Na Campânula de Vidro, Plath trata estas coisas como sendo muito distintas porque era assim que a Esther as sentiria na sua altura, em que existia tanta pureza imposta e famílias nucleares. Ela estava, apesar de tudo, a escrever antes da segunda vaga feminista.

Então porque é que, no nosso tempo, da quarta vaga feminista, as mulheres continuam a sentir que as suas opções são tão reduzidas? Poderá ser porque as trabalhadoras mulheres têm desproporcionalmente mais risco de verem o seu trabalho substituído por IA, ou porque sensações de TikTok como a “trad wife” estão a vender às mulheres a cultura de extrema pureza  pela qual Plath se insurgiria contra. 

Talvez, para esta geração, pareça mesmo urgente escolher um figo antes que todos apodreçam.

No entanto, enquanto a “analogia da figueira” viraliza, corre-se o risco que acabe por perder o seu contexto. Os sinais disto já são visíveis no TikTok, uma vez que a passagem do livro já foi usada, no último mês, como banda sonora de conteúdo #romantizandoavida e para promover uma linha de produtos para a casa com ilustrações de figos num centro de jardinagem. 

E também foi referenciada num episódio recente do reality show de encontros Love Island, no qual foi incorretamente nomeada de “teoria do figo” e não foi atribuída a Sylvia Plath.

Tudo isto sugere que esta passagem chegou a uma audiência de pessoas que nunca leram A Campânula de Vidro e que vê a analogia mais como uma sabedoria genérica da vida do que como um recurso literário. De facto, os vídeos do TikTok feitos por filósofos auto-proclamados, que incentivam os espectadores a escolher qualquer figo ou todos os figos da árvore, em vez de ficarem paralisados pela indecisão, como Esther, estão a ganhar alcance.

Embora possam ser úteis para os Zoomers que estão inseguros sobre o seu caminho futuro, sinto que a conversa em torno desta metáfora está a ignorar cada vez mais o facto de Esther ser incapaz de escolher um figo porque está deprimida.

O real significado da analogia da figueira 

A Campânula de Vidro pode ser um romance sobre o caminho feito até à vida adulta enquanto mulher, mas também é, na sua essência, a história de uma mulher que está a entrar em colapso. Nas páginas que precedem a “analogia da figueira”, Esther chama-se a si própria de “terrivelmente inadequada” e afirma: “Só fui verdadeiramente feliz até aos nove anos”. 

Portanto, no contexto do romance, a metáfora pode ser lida enquanto um produto do pensamento depressivo. Não é suposto ser uma verdade universal.

@arsiasasha

Fig tree analogy will change your life

♬ original sound – Arsia Sasha

Pelo contrário, representa os pensamentos subjetivos de uma narradora que se sente um fracasso, apesar das inúmeras oportunidades que lhe surgem, porque sofre de uma doença mental. Tornar a prosa de Plath numa teoria ou filosofia, ou até num meme, menoriza os seus aspetos mais sombrios, sobretudo porque o áudio que acompanha os vídeos da “analogia da figueira” muitas vezes é cortado antes de chegar à parte em que os figos caem da árvore, por causa da preferência do TikTok por vídeos curtos.  

Provavelmente, muitas pessoas participaram na trend da “minha figueira” sem sequer se aperceberem de que a citação acaba com Esther a perder tudo. 

Talvez devesse ser preocupante que tantas pessoas jovens se relacionem com uma narradora que fica tão assoberbada pelas suas ambições em conflito que tenta acabar com a sua própria vida. Não consigo evitar pensar como é que a Sylvia Plath se sentiria por as suas palavras atualmente estarem a ser tratadas como sendo emblemáticas de uma experiência coletiva de mulheres. No limite, tenho a certeza que ficaria desapontada com o quão pouco mudou em 60 anos.

Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation. 

Autor:
8 Agosto, 2025
Picture of Elisha Wise

Elisha Wise

Investigadora de doutoramento na Universidade de Sheffield. A sua tese, provisoriamente intitulada “Remaking Sylvia: Autofiction, Intertextuality, and Self-Representation in Plath’s Collected Writing” analisa a obra de Sylvia de Plath como uma “autobiografia intertextual” e examina como reescreveu eventos da sua vida em textos de diversos géneros. Os seus interesses de investigação passam pela literatura americana do século XX, a escrita biográfica, a intertextualidade, o modernismo, a bioficção e escritores cujas histórias de vida influenciam a receção da sua arte (especificamente Plath, F. Scott Fitzgerald e Christopher Isherwood).

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