“Nós enquanto cidadãos não conseguimos fazer tudo, os Governos não conseguem fazer tudo, e as empresas fazem parte deste triângulo”

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“Nós enquanto cidadãos não conseguimos fazer tudo, os Governos não conseguem fazer tudo, e as empresas fazem parte deste triângulo”

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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O Shifter falou com Catarina Barreiros a propósito da sua participação no podcast Movimento Self-Love da The Body Shop Portugal, com Constança Firmino, PR da marca em Portugal e com Luís Amado, diretor da B Corp Portugal sobre o que é ser e ter uma empresa que se compromete a ser a melhor para o mundo.

Este artigo teve o apoio da The Body Shop Portugal. A marca desafiou o Shifter a fazer parte do Movimento Self-Love, a olhar para o seu estudo The Body Shop Global Self Love Index e a dar espaço a este tema tão importante.
Sabe mais sobre o Movimento Self-Love
“Sou muito fã do movimento B Corp porque as empresas têm um papel central no desenvolvimento do mundo. Nós enquanto cidadãos sozinhos não conseguimos fazer tudo, o Governo e as legislações não conseguem fazer tudo, as empresas fazem parte deste triângulo que é Governo, pessoas e empresas. Portanto, a partir do momento em que o lucro gerado por empresas traz benefícios ao mundo, estamos no bom caminho.” Estas são palavras de Catarina Barreiros, a última convidada do podcast da The Body Shop Portugal, Movimento Self-love, num episódio sobre auto-estima e sustentabilidade. Se pensarmos nas personalidades que as redes sociais tornaram conhecidas como influencers, Catarina assumiu a tarefa de nos influenciar a ter um estilo de vida com menos desperdício. E se, por um lado, a sustentabilidade é um tema que estamos pouco acostumados a associar ao amor próprio e ao universo do influence marketing, é precisamente nessa simbiose que está a mais valia da mensagem que Catarina passa à sua comunidade: a ideia de que a nossa felicidade e bem estar podem estar intimamente relacionados com o bem que fazemos ao mundo. 

Foi na sequência desse trabalho de influência e do feedback positivo de uma comunidade que vai já nos 77,6 mil seguidores, que Catarina se tornou uma das embaixadoras da The Body Shop em Portugal, numa parceria que vai além do uso e publicidade dos produtos, focando-se numa partilha de valores comuns e no seu interesse em saber como funciona uma das suas marcas favoritas que, admite, é uma grande inspiração desde sempre. Foi assim que, à conversa com Constança Firmino, Relações Públicas da The Body Shop em Portugal, surgiu o tema da certificação B Corp – uma das bandeiras da empresa de cosmética.

A The Body Shop é oficialmente a maior B Corp fundada por uma mulher – Anita Roddick – e apesar de o ativismo social e ambiental sempre ter feito parte do ADN da marca desde que foi fundada em 1976, a certificação só chegou em 2019. Ser uma empresa B Corp é pertencer a um negócio que tem padrões elevados de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilidade. Uma B Corp não se preocupa apenas com o lucro –  preocupa-se também com as pessoas e com o planeta.”, conta ao Shifter Constança Firmino, acrescentando que é uma felicidade “pertencer ao clube” e que a marca criada no Reino Unido está “determinada em continuar a sua missão mais do que nunca”. 

A certificação B Corp é gerida pelo B Lab, uma organização sem fins lucrativos que serve um movimento global de empreendedores, tentando usar o poder dos negócios para ajudar a resolver questões sociais e ambientais. O objetivo final do movimento B Corp é que todas as empresas do mundo possam medir e gerir o seu impacto com a mesma atenção que dão ao lucro financeiro. Actualmente existem mais de 3 mil empresas B Corp em 150 indústrias e 60 países. Luís Amado é o diretor da B Corp Portugal, o responsável pelo movimento que, diz, tem atraído cada vez mais receptividade e interesse. Acredito que as empresas devem ter um contributo positivo para a sociedade e sinto que isso é relevante para cada vez mais gente e para que as empresas tenham um posicionamento cada vez mais reconhecido pelos seus clientes”, conta, em entrevista ao Shifter. “Cada vez mais assume maior relevo o valor social das marcas que passa não só por fazer bem as coisas mas por fazer as coisas certas. Neste sentido, a necessidade moral e o argumento de marketing estão intimamente associados e devem viver bem juntos, contribuindo de forma chave para a sustentabilidade, o sucesso das empresas e a existência futura da sociedade.”

É este posicionamento que permite que existam, por exemplo, empresas B Corp criadas com o objectivo de terminar com a escravatura nas plantações de cacau (moral?) e que, usando este propósito como factor diferenciador, criam toda uma estratégia de operações, marketing e comunicação que lhes permite criar uma estrutura que factura mais de 40 milhões de euros por ano, ser líder no mercado de origem e estar já presente em 12 países diferentes, em 3 continentes. 

Num exemplo mais concreto, Constança conta-nos que, no caso da The Body Shop, as características de funcionamento da marca que a destacam como uma empresa B Corp são, por exemplo, o histórico de incentivar os nossos consumidores a interagir com as nossas campanhas activistas, como a ‘Forever Against Animal Testing'”, “também desempenhamos um grande papel em influenciar a legislação e falar com legisladores e partes interessadas sobre este tópico para encerrar definitivamente os testes em animais em cosméticos em todo o mundo”, “a empresa oferece dias de voluntariado pagos”, “o nosso plástico é reciclado e reciclável”, ou “o nosso compromisso em ajudar a capacitar pessoas e comunidades em todo o mundo através do nosso programa Community Fair Trade. Há mais de 30 anos que procuramos ingredientes e acessórios de produtores e artesãos especializados em troca de um preço justo.”. 

Para Catarina, que viu o seu trabalho digital crescer e transformar-se no DoZero, projeto que evoluiu naturalmente para uma loja, só fazia sentido que a empresa por trás do seu negócio espelhasse os valores por que rege a sua vida e que partilha diariamente com quem a segue. Isso significaria certificar a Loja DoZero como uma empresa B Corp, um processo de compromisso que se associa a muita exigência. “O B Lab, assessement da B Corp, é mesmo muito exigente, consome muito tempo. Depois queremos efetivamente responder muito bem a tudo o que nos é proposto, temos de ir mesmo analisar a fundo, às vezes temos de desenvolver manuais, atas e materiais para a empresa, nem que seja um código de conduta para todos os funcionários, é mesmo exigente se queremos fazer isto bem. Isto é uma dificuldade porque não vai ser uma certificação dada a todas as empresas, porque tem de ser uma empresa que esteja disposta a este compromisso e há muitas que não estão.” No podcast Movimento Self-Love, Catarina comentava que uma das mais valias da certificação B Corp, além de “premiar as empresas que o fazem, de uma maneira pública, que também é importante as empresas serem reconhecidas por isso”, é fazer com que as empresas que já tinham as preocupações que o movimento levanta em mente “vão mais além. Porque às vezes há ali perguntas que nos fazem mesmo questionar: será que eu estou a ser suficientemente inclusivo?” Ao Shifter, desenvolveu o impacto que esse confronto com o seu papel como empresária lhe trouxe durante o processo de tornar a sua loja numa empresa B Corp: “Nós sempre quisemos ter uma empresa muito transparente e que fizesse efetivamente bem às pessoas e à sociedade. Para nós não chega o combate ao plástico. Para nós serve-nos de muito pouco sermos uma empresa que trabalha no ramo da sustentabilidade se estivermos a pagar o ordenado mínimo a recibos estando nós baseados em Lisboa. Portanto, os falsos recibos verdes e todas essas questões muito pouco éticas, ou subterfúgios fiscais de ‘não, vamos pôr isto em quilómetros’ sempre estiveram fora de questão completamente. Se roça ali a falta de ética para nós está completamente fora de questão. Mas havia ali muitas coisas que nunca sequer foram tema para nós.”

Houve uma coisa engraçada quando estávamos a preencher o assessement, havia uma questão que perguntava se a empresa era inclusiva. E eu e o João, meu sócio e marido, interpretámo-la de maneira diferente. Eu disse lhe “já reparaste, nós realmente não temos muitas pessoas de outras nacionalidades” – também somos só 4 -, e ele disse-me “estás a falar de ser uma empresa inclusiva quando 50% da tua força laboral pertence à comunidade LGBTQ+”, e eu pensei “caramba, nós interpretamos isto mesmo de formas diferentes”, porque nós podemos estar a ser inclusivos de uma maneira, e não estar a ser de outras. Obriga-nos mesmo a pensar e a pôr em perspectiva.

Catarina relembra outra das questões que lhes foi colocada, sobre o tipo de banco em que estava o dinheiro da empresa – “se é um banco que aposta em armamento e combustíveis fósseis ou não, e eu nunca me tinha lembrado de perguntar isto ao banco, por isso sim, há muita em que eu nunca tinha pensado.(…) Nós agora somos muito pequeninos e informais mas é agora que temos de começar com as formalidades, é agora que temos de fundar os alicerces daquilo que queremos que a nossa empresa seja.” Para poder ser certificada como B Corp uma empresa deve ter mais de 12 meses de vida, realizar o B Impact Assessment, o tal questionário que Catarina refere, ter o mesmo validado pela equipa do B Lab, e cumprir com os requisitos legais, que implicam incluir nos seus documentos legais, como estatutos, a intenção de gerir e tomar decisões tendo em conta todos os stakeholders relevantes para a empresa. Uma empresa que seja socialmente responsável e preencha todos os requisitos necessários para receber o certificado tem, assim, de garantir que todas as empresas ou serviços com que trabalha preenchem, também eles, os requisitos exigidos – como no caso do banco, mencionado por Catarina. Essa é uma questão importante porque o B Corp não te vai auditar só a ti. Vai ver com quem é que tu trabalhas, onde é que pões o teu dinheiro – o banco com que trabalhas, investe em combustíveis fósseis? – quer dizer, eram coisas em que eu nunca tinha pensado, como é que eu faço sequer um banco responder-me a isto, em Portugal é praticamente impossível, eles não respondem. É muito complexo o processo…” Constança acrescenta a regularidade com que estes processos têm de se manter – as auditorias são regulares, de 3 em 3 anos: “Uma coisa que nós fazemos com todos os nossos parceiros e pessoas com quem trabalhamos é pedir-lhes que assinem um acordo em como cumprem uma data de medidas. Por exemplo, nós não podemos trabalhar com empresas que tenham trabalho escravo ou que abusem de estagiários não remunerados, por exemplo. Todas essas coisas vão contra os princípios de uma empresa B Corp.” Para Catarina, é “refrescante ouvir isto, porque é a prova de que as empresas podem ser bem sucedidas – o objetivo de uma empresa é sempre ter lucro e a B Corp mostra que é possível uma empresa atingir isso sem pôr em causa os limites do planeta e das pessoas.”

Luís Amado diz-nos que “há uns anos, sentia-me ‘a pregar ao peixinhos’ ou a falar no deserto” mas que o facto de as temáticas subjacentes ao movimento estarem na ordem do dia “embora nem sempre sejam abordadas da forma que me parece a mais correcta”, fez com que “nas conversas e solicitações que tenho tido ultimamente sinto um aumento crescente do interesse por estes temas e pela necessidade de ferramentas e conhecimento para lidar com os mesmos.”: Provas do interesse crescente têm sido, não só o aumento de solicitação para saber mais sobre o movimento e as suas ferramentas mas também o aumento do número de empresas ou as participações em reuniões de Conselhos de Administração, para que tenho sido desafiado, em que estou à espera de ter 10 – 15 min de “tempo de antena” e que têm durado mais de uma hora com múltiplas questões e vontade de saber mais.”. 

Luís não teme que o certificado seja confundido com green ou ethics washing, e conta ao Shifter que é precisamente nos dados objetivos que são pedidos às empresas e que permitem medir o seu impacto que está a diferença e o sucesso do movimento e da sua credibilidade. “A certificação tem por base a medição de impacte criado pelas empresas em 5 áreas (Governance, Colaboradores, Ambiente, Comunidade e Clientes, estando a cadeia de abastecimento coberta no âmbito destas áreas) que é um dado objectivo e que é disponibilizado publicamente. Para obter a certificação é preciso ter mais de 80 pontos num total possível de 200, o que pode parecer à primeira vista, pouco exigente mas, na realidade, não é. Podem perguntar às empresas que já tentaram. Cada empresa certificada tem uma ficha pública com a sua pontuação global em cada uma das áreas. (…) A cada 3 anos, para que a certificação se mantenha, a empresa tem que voltar a submeter os seus dados para validação, sendo que passados 3 anos o BIA já foi alvo de melhorias e, espera-se, a empresa também. Se a empresa estava muito próximo dos 80 pontos e não melhorou nada é provável que passados 3 anos fique com menos de 80 pontos e não veja a sua certificação revalidada.” O facto de as respostas dadas pelas empresas serem públicas torna ainda possível que se conteste a informação pondo em causa a sua certificação: Para empresas com actividades em áreas mais polémicas é obrigatória também a publicação do estado actual e da estratégia a seguir para abordar essas áreas, por exemplo, a utilização de garrafas de plástico por parte de empresas de águas. Se a informação que é pública for contestada e se provar que não corresponde à realidade a empresa perde a certificação”. Além disso, 10% das empresas certificadas são, todos os anos, escolhidas aleatoriamente e são auditadas. É esta metodologia de medição de dados que também permite à B Corp Global saber o impacto real que as empresas certificadas representam para o planeta. “Poderia apontar muitos indicadores menos objectivos como por exemplo o facto de os milhares de trabalhadores que trabalham nas B Corps, para além de terem condições de trabalho acima da média, terem um efeito exponencial no impacto positivo que criam na cadeia de abastecimento, nos clientes, investidores e obviamente no seu círculo familiar e de amigos. Mas vamos a dados mais objectivos, a minha formação científica faz-me gostar mais destes. Em 2020, a comunidade B Corp Global: Protegeu 200.000 hectares de terra; fez o offset de 16 milhões de toneladas de carbono; poupou 225 milhões de litros de água e evitou que fossem para aterro 207.000 toneladas de resíduos”

Para Constança, trabalhar numa empresa B Corp “é uma experiência maravilhosa que devia ser vivida por muito mais pessoas noutras empresas”, “é trabalhar com dignidade e orgulho porque sabemos que tornamos real o mote da nossa fundadora Anita Roddick: ‘Existimos para lutar por um mundo mais justo e mais belo’.” Catarina tem a certeza que há “cada vez mais as pessoas querem saber sobre este tipo de certificações.” A influencer anti-desperdício refere que a transparência do processo B Corp dá credibilidade ao certificado e isso é, em última análise, do interesse de qualquer consumidor: “É muito fácil para quem está a lidar com uma empresa B Corp pedir-lhe informações e eles serem dados ao consumidor, e portanto, nesse sentido, é muito fácil de verificar a validade desta certificação. Acho que o mercado português está receptivo e vai cada vez mais estar e cada vez mais vai exigir este tipo de transparência.”

Ainda que o facto da BCorp ser uma entidade privada e portanto o âmbito da sua certificação possa em determinadas circunstancias ser insuficiente ou limitado, a verdade é que esta etiqueta espoleta o debate sobre como podem as empresas ter prática mais justas e sustentáveis, uma área em que todo o progresso deve ser de assinalar.

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