Uma plataforma de streaming que é de todos e para todos. Será possível?

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Uma plataforma de streaming que é de todos e para todos. Será possível?

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Recentemente o Spotify anunciou que iria implementar um serviço que permite que os músicos aumentem a sua visibilidade em troca de um corte no valor que lhes é atribuído por cada stream, mas felizmente ainda há quem não se contente e proponha modelos diferentes

Não é novidade para ninguém que o modelo de negócio das plataformas de streaming mais utilizadas não têm em consideração o bem estar monetário dos artistas que as suportam – os músicos estão até a unir-se em campanhas para exigir melhores taxas de royalties. Com as suas taxas de remuneração a variar entre $0.00318 e $0.00551 (algo como 0,0050€), viver de streams é ainda uma realidade muito longínqua para a vasta maioria dos artistas musicais.

Esta realidade é cada vez mais assustadora e os serviços de streaming demonstram-se relutantes para a alterar (recentemente o Spotify anunciou que iria implementar um serviço que permite que os músicos aumentem a sua visibilidade em troca de um corte no valor que lhes é atribuído por cada stream) mas felizmente ainda há quem não se contente e proponha modelos diferentes dos que são aplicados hoje em dia, que podem vir a alterar por completo a maneira como os artistas encaram a sua profissão.

Lançada em 2018, a Audius é uma plataforma de streaming que tem na sua génese a ideia de que, se a música é uma indústria que movimenta milhões, os artistas deveriam ser mais bem pagos do que são, beneficiando das receitas geradas.

A Audius é uma plataforma descentralizada porque não é baseada na já muito conhecida rede de servidores interna. Em vez disso, baseia-se numa tecnologia relativamente recente, o blockchain. O código da plataforma é open source e qualquer pessoa pode contribuir para o projeto ou iterar sobre ele, o que é sem dúvida uma abordagem interessante visto que vivemos num mundo dominado por algoritmos proprietários, ocultos e “misteriosos”.

Blockchain em resumo

Resumidamente, o blockchain é, como o nome indica, uma corrente de blocos interligados que contém informação. Esta corrente cresce à medida que é adicionada informação e mantém-se totalmente transparente, estando aberta para que qualquer pessoa possa consultar o seu conteúdo. O mecanismo por detrás da adição de um bloco é relativamente simples: para além de informação, cada bloco tem no seu interior a sua hash, que funciona como um identificador único e que pode ser visto como a impressão digital do bloco, e a hash do bloco introduzido anteriormente, de forma a poder dar continuidade à corrente. Este mecanismo cria então uma estrutura cujos elementos se apontam continuamente e que muito dificilmente é alterada porque uma alteração num bloco implica a alteração da sua hash e consequentemente, significa que haverá um bloco que aponta para outro bloco que já não existe.

Para adicionar um bloco à blockchain é preciso resolver uma espécie de um puzzle matemático que envolve um grande esforço computacional por parte de quem o resolve (ou tenta resolver). Sendo assim, depois de resolvido, é atribuída uma remuneração monetária ao autor da solução do puzzle, que normalmente é a criptomoeda associada à blockchain em questão. Os indivíduos que tentam resolver este puzzle chamam-se miners e são precisamente os responsáveis por manter o sistema a funcionar. Qualquer pessoa pode ser um miner e portanto correr um node, ou seja, uma instância de um servidor para poder albergar a blockchain, tentar resolver os vários puzzles e ser remunerado por isso. Com este esquema de processamento significa que deixa de haver necessidade de uma entidade central reguladora; a rede é operada por qualquer pessoa que o deseje fazer e que consiga resolver os ‘puzzles’ que a compõe – mantendo a metáfora. Esta descentralização tem uma consequência colateral interessante: no caso de a empresa falir, é teoricamente possível que a plataforma continue a existir visto que a base de dados está totalmente descentralizada, sendo mantida pelos operadores dos nodes.

A Audius pega então em todos estes conceitos e cria uma ambiente descentralizado onde os artistas podem partilhar a sua música e qualquer pessoa pode ouvi-la.

Como funciona o blockchain no caso da Audius? 

A informação presente no interior de cada bloco depende do tipo de serviço a que a blockchain está associada, no caso da Audius, a informação será a música que os artistas submetem para a plataforma. Isto tem um efeito secundário interessante relacionado com os direitos de autor das músicas incorporadas na blockchain. Sendo um objeto muito difícil de alterar, é muito mais complicado remover uma música por violar qualquer lei de direitos de autor. Sendo assim, a Audius sugere um mecanismo em que as receitas da música em questão sejam divididas pelas partes intervenientes.

Como é que os artistas são pagos?

Os artistas serão remunerados com a criptomoeda da plataforma, que poderá ser convertida em dinheiro comum. Apesar de ainda não valer muito, a criptomoeda da Audius, a $AUDIUS, ainda poderá vir a valer bastante dinheiro visto que é natural que as criptomoedas valham pouco inicialmente. Pegando no exemplo mais bem sucedido, a Bitcoin: em 2010, uma Bitcoin valia $0.10 e este ano já está cotada em cerca de $15000. Se a procura da criptomoeda da Audius aumentar, o seu valor pode também aumentar e mais interessante ainda é a possibilidade da criação de uma economia própria e interna à plataforma.

Porque é que a descentralização da música é importante? 

Pegando no caso do streaming centralizado (como o Spotify, a Apple Music e a Tidal), é de notar que estas empresas se afirmam como “gate keepers” do que acaba nos bolsos dos artistas. E de momento, é uma quantia muito baixa. Com um serviço descentralizado, deixa de haver este problema porque deixa de existir uma entidade central moderadora da plataforma, o que significa que a tendência é que os artistas passem a ganhar mais dinheiro e a comunidade passe a deter mais poder sobre a plataforma. Um modelo descentralizado pode permitir à entidade central que o gere poupar custos em armazenamento. À semelhança do que se viu por exemplo retratado na série de comédia Sillicon Valley, ou do que acontece actualmente com os torrents. Tal como nos torrents, neste tipo de modelos descentralizados são os utilizadores que trocam entre si os ficheiros áudio correspondentes a cada música, correndo para isso sobre determinados protocolos de partilha de ficheiros.

Vale a pena juntar-me à plataforma?

Tanto os ouvintes como os artistas não têm nada a perder em juntar-se à plataforma. Só iremos perceber as hipóteses de sucesso da mesma se houver uma quantidade considerável de intervenientes. No entanto, de momento, a plataforma ainda não dispõe de uma grande variedade de géneros musicais (música eletrónica é o género mais predominante), o que pode ser uma barreira para os ouvintes de música. Ainda assim, tal como em comunidades de software livre, esta tendência altera-se com o tempo, visto que aos poucos mais artistas poderão começar a juntar-se à Audius. A plataforma pode ainda não ser 100% viável, mas não devemos descartar completamente a sua validade conceptual, visto que a verdade é que o modelo atual também não é de todo viável para os artistas comuns.

Em suma, a Audius apresenta uma possível alternativa para o modelo de negócio atual das plataformas de streaming que pode de facto mudar a vida de muitos artistas no futuro.

O universo da criptografia surge quase sempre relacionado às mal afamadas criptomoedas mas a verdade é que o seu lado tecnológico permite também equacionar novas formas de infraestrutura no universo online, garantindo consenso em transações em escala através dos tais processos criptográficos. As moedas, ou mais correctamente, os tokens que resultam do processo acima descrito, podem ser uma forma de incentivar uma certa dinamização económica nesta rede explorando o potencial das interações entre a comunidade – tal como acontecia, por exemplo, no extinto Tradiio onde os utilizadores podiam ganhar coins por determinadas interações.

Por agora resta-nos esperar, ouvir e observar atentamente como é que esta ideia irá impactar a indústria da música.

Índice

  • Pedro Caldeira

    Engenheiro Informático de profissão, Pedro Caldeira é um apaixonado por tecnologia e acima de tudo música. Escreve regularmente sobre temas relacionados com tecnologia disruptiva e sobre álbuns e artistas que o inspiram.

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