“Mercado”, “barreiras” ou “bloquear”; memo revela palavras proibidas para funcionários da Google

Mitchell Luo via Unsplash

“Mercado”, “barreiras” ou “bloquear”; memo revela palavras proibidas para funcionários da Google

Em causa estão memorandos que datam de meados de 2019, que terão sido distribuídos internamente poucos meses depois da terceira multa da União Europeia à Google.

O site norte-americano The Markup divulgou esta semana uma série de documentos internos da Google (Alphabet), que aconselham os trabalhadores a evitar usar determinadas expressões ou palavras para evitarem “problemas legais muito reais” entre a empresa e os reguladores.

Em causa estão memorandos que datam de meados de 2019, que terão sido distribuídos internamente poucos meses depois da terceira multa da União Europeia à Google nos últimos tempos, resultante de um processo de investigação à empresa por abusar da sua posição dominante no mercado, e que elevou o valor total das multas à gigante tecnológica para 8,2 mil milhões de euros.

Um dos documentos agora divulgado, com o título “Five Rules of Thumb for Written Communications” sublinha que “As palavras têm importância. Especialmente na lei antitrust (anti-concorrencial)”. Em vez de “mercado”, os empregados são encorajados a dizer “indústria”, “espaço”, “área”. Em expressões mais técnicas, em vez de “network effects”, é sugerido “valuable to users”, e em vez de “barriers to entry”, devem usar “challenges”.

“Não pretendemos ‘esmagar’, ‘matar’, ‘ferir’, ‘bloquear’ ou fazer qualquer outra coisa que possa ser percebida como má ou injusta [aos concorrentes]”, lê-se no memorando, que acrescenta: “Num episódio que ficou famoso, a Microsoft teve problemas quando um dos seus funcionários ameaçou ‘cortar o ar à Netscape'”, também Zuckerberg foi recentemente confrontado com as suas palavras sobre o Instagram.

O The Markup escreve que os memorandos parecem fazer parte de uma sessão de treino auto-guiada para os mais de 100 mil funcionários da empresa, de engenheiros a vendedores. Um dos documentos, intitulado “Global Competition Policy” (“Política de Concorrência Global”), afirma que as normas se aplicam não apenas a estagiários e funcionários, mas também a trabalhadores temporários, fornecedores e serviços contratados.

Os documentos explicam os fundamentos da lei anti-concorrencial e alertam contra “conversas soltas” que podem ter implicações para reguladores governamentais ou ações judiciais privadas. Entre os vários avisos deixados aos funcionários, há ainda destaque para “A Alphabet (empresa-mãe da Google) é processada muitas vezes e já fomos alvo de algumas investigações regulatórias. Assumam que cada documento pode vir a ser público.

Noutro documento, que parece ter sido escrito pela equipa jurídica da Google, os funcionários são aconselhados a usar apenas dados de terceiros ao fazer referência à “posição na pesquisa” no Google. “Usamos o termo ‘Preferência do usuário para a Google Search’ e nunca o termo ‘market share’”, lê-se no documento sobre comunicação externa.

A Google Search é o produto mais lucrativo da empresa e, como tal, um grande alvo para a regulamentação antitrust. Estima-se que nove em cada dez pesquisas na web nos EUA sejam realizadas via Google.

Para agir contra uma empresa, os reguladores anti-concorrência têm de estabelecer que essa empresa tem uma participação dominante no mercado. Quanto mais amplo for esse mercado, mais fácil será para a empresa argumentar que há concorrência real. Nos documentos em causa, os funcionários são alertados de que definir um mercado é difícil e deve ser evitado.

À The Markup, Julie Tarallo McAlister, porta-voz da Google disse por e-mail que “Estes treinos estão em conformidade com as leis de concorrência totalmente padrão que a maioria das grandes empresas oferecem aos seus funcionários”. “Instruímos os funcionários a competir de forma justa e a construir ótimos produtos, em vez de se focarem ou opinarem sobre os concorrentes. Temos estes treinos em prática há mais de uma década.”

Além das investigações levadas a cabo pela União Europeia, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e 50 procuradores-gerais lançaram também uma investigação à Alphabet sobre as suas práticas comerciais, para perceber se estão a utilizar estratégias que violem as regras da concorrência. As suas aquisições, juntamente com as de outros grandes gigantes da tecnologia dos EUA como a Amazon, a Apple e o Facebook, estão a ser analisadas pela Federal Trade Commission. A Comissão Europeia anunciou no início deste mês uma investigação “aprofundada” sobre a aquisição do site Fitbit pela Google e está a investigar possíveis violações da lei da concorrência relacionadas com a Google for Jobs.

Na semana passada, o CEO da Alphabet, Sundar Pichai, enfrentou 61 perguntas de legisladores no Congresso norte-americano referindo-se ao domínio da empresa em vídeo online, em publicidade, pesquisa e outras áreas. O comitê analisou e-mails que confirmaram que os executivos da Google tinham tentado dominar os serviços de busca do MySpace, do Yelp e da Booking.com, e que a compra do YouTube foi, em parte, uma tentativa de eliminar o Yahoo. Podes consultar em baixo a peça do Shifter sobre a audiência, com um resumo das participações e depoimentos dos donos da Amazon, Apple, Facebook e Google.

https://shifter.sapo.pt/2020/08/tecnologicas-congresso-eua/

 

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  • Rita Pinto

    A Rita Pinto é Editora-Chefe do Shifter. Estudou Jornalismo, Comunicação, Televisão e Cinema e está no Shifter desde o primeiro dia - passou pela SIC, pela Austrália, mas nunca se foi embora de verdade. Ajuda a pôr os pontos nos is e escreve sobre o mundo, sobretudo cultura e política.

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