A revolução não será televisionada, dizia Gil Scott-Heron nos anos 1970, nuns EUA socialmente agitados. Se quisermos trazer as palavras do músico e poeta para o contexto dos confrontos que têm agitado a Catalunha e preocupado o Governo de Madrid, seriam qualquer coisa deste género: a revolução não acontecerá na internet da Google e Facebook.
Dois anos depois de terem promovido um referendo sem o apoio do Governo espanhol e se terem declarado independentes, com várias manifestações nas ruas de Barcelona, os catalães voltaram a sair às ruas de Barcelona, voltando a reafirmar a sua vontade de seperação da Espanha, contestando a pena de prisão dos seus líderes políticos. Os dias e, em particular as noites, têm sido complicadas em Barcelona, com manifestações a ganharem dimensões particularmente violentas promovidas por minorias de manifestantes. Imagens desses confrontos chegam às televisões, fazem capas nos jornais e são partilhadas em tempo real nas redes sociais. Mas a organização desses protestos, que os movimentos não extremistas querem que sejam pacíficos, acontece fora do olhar do grande público.
Tsunami Democràtic é um grupo cívico por detrás de alguns protestos que tomaram de assalto as ruas da Catalunha nos últimos dias e que se afirma como uma “plataforma de coordenação de acções pacíficas de desobediência civil”; o propósito da Tsunami Democràtic é, assim, coordenar os catalães pró-independência no terreno, ajudando-os a manifestarem-se, o que pode envolver actos de ‘desobediência civil’, mas não violência – na página web onde este movimento se apresenta, existe inclusive uma página com o nome ‘no violència’ onde deixam claros os seus princípios.
A Tsunami Democràtic funciona sobretudo através de uma app para smartphones Android, que pode ser descarregada e instalada através de um ficheiro APK – ou seja, não está na Google Play Store. É, assim, uma aplicação independente e descentralizada, à qual o TechCrunch teve acesso. Para entrar na app, é preciso ler um código QR obtido através de alguém conhecido – este método pretende evitar que toda a gente, nomeadamente as autoridades, possam ter acesso à aplicação; mas pode também ser entendido como uma forma de organicamente passar a palavra entre amigos e conhecidos.
Através da Tsunami Democràtic, os utilizadores podem deixar a sua disponibilidade (dias e períodos do dia) para participar em acções de desobediência civil; e também recursos de mobilidade que tenham e possam ser levar para esses protestos (carro, mota, bicicleta, tractor…).
Por via da app, os organizadores dos protestos saberão quantas pessoas tencionam aparecer e, no dia e hora marcados, os manifestantes podem fazer ‘check-in’ – a partir daí, a sua localização será partilhada em tempo real com os organizadores, para que estes possam saber os recursos humanos disponíveis e coordenar os protestos. A aplicação não recolhe mais dados pessoais além da localização, nem pede aos internautas para criarem um perfil ou conta.
De acordo com o TechCrunch, a app foi desenvolvida por “programadores de topo”, espalhados por várias partes do mundo. Há planos para disponibilizar o código da Tsunami Democràtic em open source, no Github onde até já está alojada; até lá – até esse código ser limpo de qualquer linha que permita identificar os criadores ou de qualquer falha de segurança que permita deitar abaixo a aplicação –, os utilizadores da Tsunami Democràtic terão de acreditar nas palavras dos autores do movimento.
O movimento Tsunami Democràtic, que tem ainda um canal no Telegram com mais de 360 mil membros, e contas no Twitter e Instagram, está agora a ser investigado pelo Supremo Tribunal espanhol, a Audiência Nacional, por terrorismo; um juiz ordenou à Guarda Civil o encerramento das presenças online desse grupo, que só conseguiu o bloqueio das páginas em território espanhol. Entretanto, a plataforma originalmente disponível em tsunamidemocratic.cat, está agora acessível através de um endereço do GitHub (tsunamidemocratic.github.io).
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