Tool: 13 anos depois e finalmente em streaming

Procurar
Close this search box.

Tool: 13 anos depois e finalmente em streaming

A democracia precisa de quem pare para pensar.

Num ambiente mediático demasiado rápido e confuso, onde a reação imediata marca a ordem dos dias, o Shifter é uma publicação diferente. Se gostas do que fazemos subscreve a partir de 2€ e contribui para que tanto tu como quem não pode fazê-lo tenha acesso a conteúdo de qualidade e profundidade.

O teu contributo faz toda a diferença. Sabe mais aqui.

Porque é que só agora é que os Tool se renderam ao streaming? Como é que um grupo de metal experimental e rock alternativo se torna numa história de relação com a tecnologia?

Para começar: este artigo não procura ser uma crítica musical ao novo álbum dos Tool, Fear Inoculum. Se por acaso algum de vocês vem à procura de uma análise às letras ou de interpretações sobre teoria da música, não as vão encontrar aqui. O álbum está bom, mesmo bom, mas isso é apenas uma opinião pessoal.

A ideia é responder a uma pergunta mais difícil. Porque é que só agora é que os Tool se renderam ao streaming? O outro objectivo é observar o que leva um colectivo de músicos considerados talentosos pelos especialistas e por um número considerável de fãs a parar de produzir trabalho e música num período de 13 anos.

A relação com os média sempre foi extremamente controlada e a banda sempre foi conhecida por ser reservada, com poucas entrevistas dadas pelos seus membros. O surgimento de médias online, redes sociais, streaming, acelerou o mundo. E os Tool sempre foram uma banda que gosta de trabalhar e brincar com o tempo. Pelo meio do que ficou entendido como uma certa “raiva” contra os serviços de streaming, houve ainda uma batalha legal com uma seguradora que dificultou muito a produção artística. E depois há o óbvio: pessoas com talento aborrecem-se facilmente e começam uma infinidade de outros projetos.

A pergunta que é feita não tem resposta simples. Provavelmente nem tem uma resposta de todo. Como é que um grupo de metal experimental e rock alternativo se torna numa história de relação com a tecnologia?

Quem são os tool?

Danny Carey, Maynard James Keenan, Adam Jones, Justin Chancellor.

A banda destaca-se pela complexidade rítmica e lírica das suas músicas, a exploração intensiva das artes visuais, com vídeos que não são propriamente fáceis de digerir, e, pela já referida, relação especial e complexa com a cultura de massas. A face alternativa ou progressiva não torna fácil rotular a música.

A banda formou-se em Los Angeles, Estados Unidos, em 1990. Inicialmente, o baixista original era Paul D’Amour, substituído em 1995 por Justin Chancellor, baixista inglês que lá chegou após ter feito uma tour conjunta dos Tool com o seu grupo Peach. Quando D’Amour saiu, Chancellor entrou e passou a conjugar a vida de músico com a gestão da sua livraria especializada (em música, claro está).

Adam Jones é o guitarrista que sempre conjugou a actividade musical com as artes visuais no domínio da escultura e maquilhagem. Amigo de longa data de Tom Morello dos Rage Against the Machine e Audioslave, veio de Nova Iorque para Los Angeles para seguir uma carreira no cinema (Vejam os vídeos dos Tool de que ele é realizador). Maynard James Keenan é o cantor multifunções com outras bandas no currículo como A Perfect Circle e Puscifer, e uma série de colaborações artísticas com os mais variados nomes dos Estados Unidos. Mais, produz vinho no Arizona, tem uma academia de Jiu Jitsu brasileiro e restaurantes. Já Danny Carey é o baterista, guardião e protector da estrutura. Para si o tempo das músicas não é convencional e a aposta deve ser sempre em formas geométricas na sua forma de tocar. Por vontade dele, este álbum seria apenas uma faixa e não 7 faixas (ou 10, no formato digital).

A banda nunca permitiu que os fãs tirassem fotos ou transmitissem concertos online. A palavra de ordem sempre foi “unplug”.

Porquê esperar 13 anos por música online? Ou por um trabalho original?

Ui. Por onde começar?

O último album foi 10000 days, lançado a 2 de Maio de 2006. Fear Inoculum foi lançado no dia 30 de Agosto de 2019. Ou seja, foram 4844 dias, quase década e meia de espera, o suficiente para qualquer fã teve tempo de descobrir novas músicas, casar, ter filhos, arranjar trabalho e revisitar os álbuns antigos de Tool. Oépico Lateralus, o último álbum antes de 10000 days, tinha sido lançado em 2001, 5 anos antes. E antes disso, Ænima, tinha sido lançado em 1996. Portanto, 5 anos de intervalo regular levariam os fãs a esperar um novo trabalho em 2011, o mais tardar. E afinal foram precisos mais 8 depois disso.

Em 2006 os CDs e DVDs ainda eram reis. Napster já tinha morrido em 2001 às mãos de um conglomerado de artistas e editoras numa luta personificada por Lars Ulrich, baterista dos Metallica. Kazaa, Emule e Limewire seguiram os passos na partilha de música via P2P. Era assim que a música passava de uns ouvintes para outros e a quantidade de pirataria era impossível de contabilizar. O iTunes Store surge em 2003 como um marketplace de música digital. A partir daí o jogo a favor de plataformas digitais nunca mais seria o mesmo. O iPhone aparece em 2007, matando os flip phones e a Nokia. A tecnologia estava em alvoroço e, apenas um ano mais tarde surgiria o Spotify.

Os Tool, como um grupo que preza a estrutura acima de tudo, fugiu do digital como o diabo foge da cruz. Se quisermos um exemplo totalmente contrário vejamos, por exemplo, o lançamento de In Rainbows, pelos Radiohead, em 2007, num formato de “paga o que quiseres”.

Contudo quanto mais o universo de cultura digital crescia, mais os fãs de Tool pediam música acessível em qualquer plataforma; ainda assim ninguém esperava que as músicas, muito menos originais, alguma vez fossem lançadas em streaming. Foi no dia 29 de Julho de 2019 foi finalmente anunciado nas plataformas online da banda que os álbuns de originais ficariam disponíveis no dia 2 de Agosto.

Foi mítica a passagem do vocalista Maynard pelo podcast de Joe Rogan. Revelou os detalhes sobre um processo de produção extremamente difícil e demorado, e confessou que a publicação online “era um peso que lhe saia de cima”.

Para além de dificuldades inerentes ao processo criativo de músicos com uma percepção musical complexa, também houve à mistura o processo judicial contra um potencial usurpador e contra a própria seguradora da banda. Este último caso terá alegadamente custado à banda milhões de dólares e uma imensidão de tempo . Quando finalmente ficou concluído, em 2015, o grupo composto por artistas imaginativos e irrequietos finalmente pôde concentrar-se no lançamento de um dos trabalhos mais esperados de sempre — esperado de forma tão intensa que até houve ameaças de morte a Maynard Jones Keenan, bode expiatório pelas demoras, devido ao seu feitio reservado e publicamente corrosivo. A verdade é que devido à exigência com a pureza da música e com uma obsessão imensa pelo processo, ninguém queria publicar (nem ouvir) um novo álbum às três pancadas.

E agora?

Agora toda a discografia de originais está disponível no Spotify, Amazon Music, Apple Music, Youtube, etc. O lançamento colocou todos os álbuns de Tool nos primeiros lugares do Billboard 200, para provar que esperar compensa e que a legião de aficionados não esqueceu estes senhores, que agora estão mais velhos, experientes, com cabelos brancos ou sem cabelo de todo. O novo álbum está ainda a ser analisado por todos nós e ainda há muita coisa que vai ser escrita e falada.

Desde lá tivemos um grupo que recusou plataformas online durante 13 anos para chegar a um ponto em que finalmente abraçou tudo. Desde de canais de streaming, podcasts, artigos de jornal, paciência infinda de fãs e muito mais! Houve um leak do álbum, como não poderia deixar de ser, e mesmo assim houve pessoas que não quiseram ouvir o tão ansiado santo graal só para fazer parte da comunhão geral com a restante irmandade quando o momento oficial da catarse chegasse.

Chegou no dia 30 de Agosto de 2019. Aquele que foi provavelmente o maior hype de todos os tempos do metal ou rock alternativo, finalmente chegou a uma conclusão épica. Depois de uma temporada e um processo tão complexo, ouvi-lo, na prática, não podia ser mais simples. Sobra assim a dúvida sobre se a crescente acessibilidade da música tirará magia e mistério ao grupo ou se, pelo contrário, os fará chegar a novos públicos valorizando o seu trabalho.

Índice

  • Miguel Melo

    Miguel Melo estudou Relações Internacionais na Universidade do Minho e mais recentemente na Universidade de Tallinn na Estónia, onde vive correntemente. Isso é o resultado de uma vida passada numa atmosfera internacional e da presença constante em organizações não governamentais. Os tempos livres são passados com duas obsessões: animação (especialmente japonesa) e música (manifestamente pesada). Hoje trabalha numa empresa de tecnologia de vendas como consultor de parcerias digitais (como quem diz construir pontes entre plataformas online).

Subscreve a newsletter e acompanha o que publicamos.

Eu concordo com os Termos & Condições *

Apoia o jornalismo e a reflexão a partir de 2€ e ajuda-nos a manter livres de publicidade e paywall.

Bem-vind@ ao novo site do Shifter! Esta é uma versão beta em que ainda estamos a fazer alguns ajustes.Partilha a tua opinião enviando email para comunidade@shifter.pt