Começando pelo final, para que mesmo quem tem pouca paciência para textos retenha a ideia principal: cuidado com os sites que prometem fazer corresponder as tuas opiniões a um partido político em vésperas de eleições.
Já se tornou um clássico; nas semanas que antecedem as eleições surgem na internet vários projectos, movimentos e ferramentas que pretendem promover uma participação activa nas eleições e, entre estes, surgem quizes que, sob uma capa de pseudo-neutralidade, afirmam que a partir de uma série de perguntas pré-definidas conseguem discernir qual o partido que mais se adequa a cada pessoa.
Contudo, por de trás desta abordagem simplista à decisão de voto, promovida por estes sites e aceite tacitamente por nós, especialmente pelos mais jovens ainda indecisos, há todo um universo que devemos discernir. É preciso ter em conta que estas “bússolas”, que estas espécies de milagres para os indecisos, não recolhem nem processam informação suficiente para definir com exactidão o voto de um cidadão; e por outro lado, é preciso perceber que a forma como formulam as perguntas e analisam as nossas respostas pode ser enviesada pelo seu próprio contexto, perpetuando certas visões sobre partidos.
Um desses exemplos, inclusivamente promovido pelo Shifter, por altura das eleições europeias e desenvolvido pelo Instituto Universitário Europeu, acabou por revelar algumas falências à medida que os eleitores o repetiam mas, não obstante a essa experiência amplamente criticada nas redes sociais, em vésperas de legislativas surgem novos questionários milagrosos.
Em especial circulação agora está um quiz desenvolvido pelo Instituto Mises Portugal, para o qual é importante direcionar um olhar analítico, bem como uma mensagem de alerta sob o possível enviesamento. Se o Instituto Universitário Europeu – uma instituição de ensino superior – pode ter um viés natural fruto necessidade de interpretação inerente à política, neste outro caso é importante referir a agenda política que pauta a existência e o funcionamento da instituição.
Fundado em 1982, o Instituto Ludwig Von Mises é uma organização da sociedade civil sem nenhuma associação partidária, mas com uma agenda política perfeitamente definida e o seu braço nacional, o Instituo Mises Portugal, não é excepção. Defendem os princípios de mercado livre, criticando não raras vezes o socialismo e focando na dicotomia socialista vs. liberal.
Portanto, este, como outros questionários políticos que provavelmente existiram mas escaparam ao nosso radar nos últimos tempos, são um instrumento de que devemos desconfiar. A razão dessa desconfiança prende-se sobretudo com a necessidade de, para efeitos práticos, as questões terem de ser simplificadas implicando que nesse processo de simplificação vingue o viés de quem o fez.
Um exemplo ilustrativo que se pode encontrar neste questionário é a pergunta sobre se “podemos confiar nas empresas para que voluntariamente respeitem o ambiente”, onde as hipóteses de resposta carecem de uma análise estruturada dos vários factores; numa das respostas por exemplo sugere-se que o e-mail foi inventado por uma empresa sem influência do estado (uma vez que essa hipótese faria pender para as outras opções), quando na verdade a empresa responsável pela sua criação, a Bolt Bernaek and Newman, o fez por contrato do Departamento da Defesa dos Estados Unidos.
A ideia essencial a reter é que o voto político deve ser algo ponderado com mais profundidade do que aquela que se encontra num questionário na web daqueles que há uns anos serviria apenas para dizermos com que personagem do Harry Potter nos parecemos mais. Hoje estes quizes podem ser ferramentas de desinformação. Devemos desconfiar sempre que uma solução tecnológica se apresenta como milagrosa e, ainda mais, quando alguém se predispõe a analisar e sintetizar as nossas convicções políticas, traduzindo-as na forma de um voto. Esse é, no fundo, o único dever de um eleitor que queira exercer com dignidade o seu direito de voto.
Quando dizemos que os avós não deviam ter Facebook, é disto que falamos
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