O ‘Meco’ podia aprender com a Arrábida

O ‘Meco’ podia aprender com a Arrábida

19 Julho, 2019 /
Foto de Filipa Almeida via SBSR

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Minimizar o número de deslocações em veículo motorizado privado é o começo da viagem para um evento mais verde.

Se pensássemos uma cidade do zero – imaginemos que tínhamos esse poder –, temos de na sua urbanização de prever a mobilidade das pessoas. Estabelecer serviços próximos, a distâncias acessíveis a pé ou de bicicleta, e criar redes de transporte público boas e eficientes são duas ‘regras de ouro’ para evitar trânsito, poluição de toda a espécie e todos os outros efeitos negativos decorrentes do recurso a veículos privados. Mas uma cidade não está sozinha no mapa, e precisa de ter ligações a outras localidades próximas: o comboio ou o autocarro são das melhores opções que se conhecem para longas distâncias, e permitem satisfazer um elevado número de pessoas que faz trajectos previsíveis – se vamos todos para o mesmo lado, porque não irmos juntos?

Um festival de música é como que uma cidade que brota numa dada zona e desaparece ao fim de uns dias, deslocando milhares de pessoas para uma zona que habitualmente não comporta tamanha densidade populacional. Tal como uma cidade, um festival precisa de estabelecer serviços acessíveis a pé para que, por exemplo, não seja preciso pegar no carro quando é preciso abastecer a despensa da tenda, nem seja preciso carro sequer – no recinto e campismo há desde serviços de restauração a posto médico ; precisa também de criar ligações em transporte público com as cidades periféricas, de onde vários festivaleiros chegarão. Novamente: se vamos todos para o mesmo lado, porque não irmos juntos?

A experiência do Super Bock Super Rock (SBSR), festival à boleia do qual surge esta reflexão e que este ano regressou ao Meco, pode muito bem começar nas paragens de autocarros instaladas provisoriamente para o festival na Praça de Espanha e na Gare do Oriente, em Lisboa, e na estação ferroviária de Coina, já na margem sul. Mas, para tal, é preciso que essa experiência seja positiva. Festivaleiros ouvidos pelo Shifter e outros que partilharam a sua experiência no Twitter queixaram-se de transportes cheios e demorados no primeiro dia do SBSR, esta quinta-feira.

A poucos quilómetros do Meco, em Setúbal a Serra da Arrábida está sem carros desde meados de Junho e assim ficará até Setembro. As praias daquela zona, algumas das mais belas de toda a área metropolitana de Lisboa, estão acessíveis unicamente de transporte público ou de bicicleta, sendo a primeira opção disponibilizada a preços acessíveis e com periodicidade de hora a hora ou de meia em meia-hora – os carros, esses, ficam à porta da serra, evitando as poluentes filas de trânsito de outrora e preservando um dos locais naturais mais bonitos da margem sul.

O Meco pode aprender com a Arrábida. Fazer um festival ‘amigo do ambiente’ não é só colocar cerveja a ser vendida em copos reutilizáveis, eliminar os brindes de plástico, espalhar ecopontos pelo recinto ou instalar casas-de-banho de compostagem, que não usam produtos químicos. Passa também por eliminar o transporte automóvel privado, principalmente realizando-se o evento numa área rodeada de Natureza.

Foto de Inês Meira via SBSR

Em entrevistas recentes, Luís Montez, responsável da Música No Coração, que organiza o SBSR, congratulou-se com uma nova auto-estrada, o surgimento de rotundas e a diminuição do número de semáforos que facilitam, diz, os acessos ao Meco, com as cinco entradas para o parque de estacionamento criado numa área natural e com as pessoas que durante os dias do festival vão lá estar para ajudar os festivaleiros a estacionar. Se calhar quem foi de carro, não teve os problemas que quem optou pelo transporte público (ou não tinha outra opção) relata ter tido.

Casos como este mostram por um lado a oferta deficitária de transportes públicos de acesso à costa, que só agora começam a surgir e por isso a ser exemplo — autocarros até às praias da Arrábida —, e a importância de pensar a ecologia como um consumo em rede, não olhando apenas para os resíduos que ficam à vista mas pensando em toda a interação social que ali se promove. Minimizar o número de deslocações em veículo motorizado privado é o começo da viagem para um evento mais verde.

Autor:
19 Julho, 2019

Jornalista no Shifter. Escreve sobre a transição das cidades e a digitalização da sociedade. Co-fundador do projecto. Twitter: @mruiandre

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