O Impulso a dar um novo impulso às Caldas

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O Impulso a dar um novo impulso às Caldas

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Se First Breath ou Conan deram no Impulso os concertos que também dão noutros lados, houve, todavia, no festival concertos exclusivos, únicos, daqueles que “o que acontece nas Caldas fica nas Caldas”.

Cidades onde existem pólos académicos acabam por ganhar muito com isso: mais vida nas ruas e praças, alguma dinâmica nocturna, comércio e serviços que surgem e se mantém apenas por causa dos jovens que ali passam grande parte do ano. As Caldas da Rainha são exemplo disso. Apesar de ser difícil quantificar e qualificar o valor que a Escola Superior de Artes e Design (ESAD) acrescenta à cidade, não há como que negar que Caldas não seria a mesma sem a sua ESAD.CR. A cerca de 80 quilómetros de Lisboa, poderia, apesar dessa proximidade, ser apenas mais uma localidade semi-adormecida e esquecida.

Mas não o é. Caldas é uma cidade pequena mas completa, com uma vibe criativa singular. Passeando pelo centro histórico é difícil não notar na correnteza de comércio que ali vive e sobrevive, mesmo com um centro comercial inaugurado no final de 2008 – e onde existe uma sala de cinema. Há vários restaurantes, uns mais tradicionais, outros com aqueles conceitos trendy, e pelo Google percebe-se que no geral têm boas críticas. Há um espaço de cowork inaugurado há poucos meses e chamado Prontos.

Na praça central, já mais conhecida como “Praça da Fruta” em vez de Praça da República, continua a organizar diariamente o Mercado da Fruta, reunindo comerciantes, cheiros e sabores indescritíveis. Os Silos são ateliês para artistas e também um bar com aspecto industrial. E o Parque D. Carlos I é um jardim extenso e aprazível para espairecer, para ler, para exercitar ou para organizar um festival de música… como o Impulso.

O Impulso foi criado no ano passado por alunos da licenciatura em Som e Imagem da ESAD.CR com a ajuda dos professores, e dado o sucesso e apoio da Câmara teve segunda edição no penúltimo fim-de-semana de Maio. O Impulso comprova como a existência da ESAD faz diferença, mas não são o único contributo dos alunos daquela escola à cidade.

Desde 1996 que gerações diferentes de alunos organizam o Caldas Late Night com a “desculpa” de que precisavam de expôr os seus trabalhos e que dentro da ESAD não tinham essa oportunidade. Assim, e uma vez por ano, os estudantes abrem as portas das suas casas e convidam a comunidade a explorar o que andaram a criar nas áreas de música, performance, multimédia, design e artes plásticas. No fundo, reviram as Caldas do avesso e durante pelo menos três dias animam o Parque, a Praça da Fruta, os Silos e outras zonas características das Caldas; há um arraial, uma churrascada, jogos populares e outras actividades.

Ao contrário do Impulso, o Late Night já tem uma tradição longa na cidade e, como outros eventos que duram há vários anos, foi mudando e reinventando-se. Este ano, as Caldas voltam mais uma vez a deitar-se tarde; o Late Night realiza-se por estes dias (30 e 31 de Maio, e 1 de Junho), em que este escriba recupera ainda do Impulso. Ou seja, são dois fins-de-semana seguidos em que as Caldas se revelam uma cidade cheia de vida.

O Impulso – motivo deste artigo – é um festival de música que verifica todas as caixinhas do que um festival de música costuma ser: dois palcos, tendas de comida, copos de cerveja reutilizáveis, concertos em espaços inusitados da cidade, programação gratuita e aberta à comunidade local… Mas tem alguns pormenores interessantes: os dois palcos estão voltados um para o outro – daí se chamarem Palco Norte e Palco Sul – e quando um acaba o outro começa logo imediatamente; a cerveja é da lisboeta Musa e por isso não sabe ao mesmo; e o recinto do festival alarga-se a toda a cidade, o que permite conhecê-la, apesar de o espaço principal ser o Jardim.

No Impulso pudemos ver e ouvir algumas das bandas e artistas de que mais se fala na música portuguesa hoje em dia. Houve Bruno Pernadas e a sua banda a mostrarem mais uma vez que o jazz pode ter diversas definições, houve clássicos como Sensible Soccers, Linda Martini ou Whales, houve First Breath After Coma com aquele delicioso novo álbum deles que os fez vir uma segunda vez às Caldas, houve Monday no primeiro dia do Impulso a apresentar o seu novo disco “aos poucos que estão atentos” (como confessava), houve uns catalães chamados ZA! (assim com a exclamação) a fazer imenso barulho, houve o fenómeno Conan Osiris a atrair uma enchente e a proclamar “ESAD, boa escola, ESAD, boa escola”.

Apesar de o Jardim ser o centro do Impulso, os concertos (alguns de entrada livre) também aconteceram na Fábrica Bordalo Pinheiro – nomeadamente os de final de tarde e os afters – ou na Igreja do Espírito Santo. Houve também cinema documental em parceria com o Doclisboa nas instalações da ESAD.CR e actuações musicais para experienciar sentado no auditório do Centro Cultural e de Congressos.

Se First Breath ou Conan deram no Impulso os concertos que também dão noutros lados, houve, todavia, no festival concertos exclusivos, únicos, daqueles em que “o que acontece nas Caldas fica nas Caldas”. Falamos das três residências artísticas que decorreram nas semanas anteriores ao Impulso e que juntaram músicos no mesmo espaço para criarem algo novo. Tivemos, por exemplo, o Tiago Bettencourt a não ser o Bettencourt doce e suave a que estamos acostumados, e a ‘jammar’ com a Surma e o Tomara num conjunto de sons abstractos  que, por magia, nos embalaram numa viagem electrónica de cerca de uma hora. Tivemos Filho da Mãe, Miguel Nicolau (Memória de Peixe), EGBO e LAmA a mostrar-nos também uma composição eléctrica que tão bem soube ouvir sentados no auditório. Tivemos também Fred Ferreira (Orelha Negra, Banda do Mar), Pedro Geraldes (Linda Martini), o artista plástico Igor Jesus e o produtor João Pimenta Gomes a magicar música nas Caldas e a mostrá-la no Impulso.

As residências artísticas permitem tornar única a proposta programática dos festivais. Não é por acaso que o Bons Sons vão promover este ano, e pela primeira vez, colaborações entre diferentes artistas em palco. É que, sem esses momentos singulares, a música portuguesa acaba por se repetir e, não se discutindo a sua qualidade, é bom quando ela seja posta à prova e convidada a criar coisas novas colaborativamente. O resultado no Impulso foi muito bom e quem sabe se para o ano não surgem no festival novas residências artísticas e se a organização não faz destas uma das suas bandeiras – e, já agora, porque não editar a música produzida este ano?

O Impulso está a dar um novo impulso às Caldas e tem potencial para se tornar uma referência nova da cidade. Esperemos que continue e que coexista no mesmo espaço que o Caldas Late Night, podendo ser exploradas colaborações entre os dois eventos de génese académica. Afinal, as Caldas são uma cidade pequena e, no final de contas, é cidade e a sua comunidade que ganham com todas estas iniciativas da ESAD.CR.

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