Com a discussão sobre as alterações climáticas a ganhar cada vez mais chamada, diversificam-se os argumentos daqueles que a compreendem mas também daqueles que a negam. Aos clássicos conspiracionistas, que acreditam que tudo não passa de uma manobra de diversão criada pelos Illuminatti (ou por outra qualquer organização secreta de controlo mundial), juntam-se agora outras “espécies” de negacionistas, alguns deles personalidades bem conhecidas.
Foi nessa onda surgimento de novas vozes e de diferentes argumentos sobre as alterações climáticas que me cruzei com uma das constatações mais fascinantes que li sobre o clima; num texto de opinião, que deixo aqui endereçado, o respectivo comentador indaga-se sobre qual seria o problema de a Terra aquecer mais ou menos 1,5º se o beneficio disso fosse termos acesso a ar condicionado.
A afirmação pode parecer a alguns disparatada e valeu uma série de impropérios e até insultos ao cronista nas redes sociais, mas não é esse o propósito deste artigo. Antes pelo contrário, consideremos a afirmação sem juízos e percebamos o que ela nos diz sobre o próprio aquecimento global e as mudanças climáticas, tendo como base uma das frases mais aclamadas da artista e escritora Roni Horn, que o autor James Bridle recupera no seu livro Dark New Age.
“O tempo é o paradoxo chave da nossa época. O tempo que é bom é muitas vezes o tempo que é errado. O bom está a acontecer no imediato e no indivíduo, e o errado está a acontecer em todo o sistema.“
– Roni Horn (tradução livre)
Inerente à afirmação de Roni Horn está uma verdade quase axiomática e que raramente consideramos. Por fruto das nossas experiências e preferências pessoais, temos diferentes relações com o tempo e o clima, mesmo sujeitos às mesmas condições. O exemplo óbvio pode ser a relação de cada um de nós com a chuva – se uns gostam dela por conferir uma toada mais melancólica ao dia, outros odeiam-no porque os deixa deprimidos ou impossibilita a realização de determinados planos. É a partir desta ideia que Horn afirma que, quando falamos do tempo, falamos mais sobre nós próprios do que sobre o próprio tempo, o que explica como podemos divergir na análise de um factor comum a todos nós.
É extrapolando esta ideia para um plano ainda mais global que percebemos a relevância — não o acerto — de argumentos como o referido na discussão generalizada sobre o aquecimento global. A questão não é que não haja consciência generalizada de que as coisas estão efectivamente a mudar; a questão é a forma como essa mudança — ou a nossa percepção dessa mudança — afecta as nossas vidas. Com relação, outro conceito-chave é mesmo esse: o da percepção.
Mais do que uma noção objectiva sobre o clima, contemplando todos os factores que o compõem, desde a visibilidade ou não do Sol até à concentração de gases na atmosfera, a maioria de nós contacta apenas com uma visão individual do clima; isto significa que a maioria de nós estabelece uma relação com algo tão global como clima baseando-se apenas na sua experiência pessoal, fazendo com que em países como Portugal se simplifiquem as preocupações à seca, ao calor em Fevereiro e aos incêndios para lá de Setembro.
A nossa percepção é aprofundada à medida do nosso conhecimento e é neste contexto que se estabelece por completo o paradoxo. Um bom exemplo é o pôr-do-sol. Se este fenómeno se torna especialmente cativante quando os seus tons fogem ao habitual azul e laranja, a verdade é que essa alteração é um sinal do estado da atmosfera.
Num artigo em 2007 da revista Scientific American, Craig Bohren, professor de meteorologia na Universidade da Pensilvânia, é perentório: “numa atmosfera sem poluição, nunca se vai ver um pôr-do-sol que faça pessoas com visão normal das cores dizer ‘wow, está vermelho!'”; a razão para os tons avermelhados do céu é a presença de aerossóis que, geralmente, podem ter proveniência natural — de vulcões ou incêndios florestais – ou humana como resultado industrial, da combustão automóvel ou da indústria da aviação, caso que se verifica especialmente nas grandes cidades. Sergey Nizkorodov, químico da Universidade de Irvine, é quem o explica, na mesma peça da Scientific American: “numa grande cidade podemos ignorar os aerossóis naturais”.
A actividade humana está a alterar a sua envolvente, criando fenómenos que o olho nu e o senso comum é incapaz de avaliar. É esta diferença contrastante entre o que nos diz a percepção comum, em que se valoriza por exemplo o calor e a coloração variada, e o que nos diz o conhecimento científico, em que se valorizam parâmetros e concentrações devidamente definidas, que torna difícil percebermos o papel da actividade humana; ou, de uma forma mais abstracta, os sinais e os fenómenos do antropoceno, a última fase da vida da Terra em que o Homem faz toda a diferença.
A tradução da citação de Roni Horn foi feita de forma livre. A escolha do termo “clima” em vez de “tempo” tem como objectivo conferir um compreensão mais clara e imediata da expressão. De resto, a própria falta de clareza na assunção de cada um dos termos revela o paradoxo sobre o qual se debruça o artigo.
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