O termo é japonês – tsundoku. Algo que na nossa fonética românica pode até soar ofensivo, talvez porque esta é uma carapuça serve a muitos de nós.
Se tens mais livros do que aqueles que poderias, de forma realista, ler em todo o teu tempo de vida e todos os meses acrescentas mais alguns à tua colecção, então, podes ser um tsundokuer. Na verdade, não podes, porque este último foi um termo inventado por nós na redacção do Shifter, quando percebemos que éramos tantos os que acumulávamos pilhas de livros não lidos que o nome devia ser dado ao procrastinador, e não ao acto de procrastinar. És, basicamente, alguém que pratica tsundoku e tsundoku é só uma das muitas palavrinhas mágicas que os japoneses arranjaram para descrever uma situação que acontece em todo o mundo mas que o resto do mundo precisa de mais palavras para a descrever.
Doku significa “ler” e o tsun em tsundoku tem origem na palavra tsumu – palavra japonesa para “acumular”. Por isso, quando juntas, tsundoku diz mais respeito ao acto de acumular livros que compraste e não leste do que aos livros não lidos. E ainda que, de acordo com o professor Andrew Gerstle, especialista britânico em textos japoneses que lecciona na Universidade de Londres, a primeira aparição da palavra tenha sido num livro de 1879 que a usava de forma satírica, a expressão não é um insulto. O termo é só isso, um termo, e não acarreta qualquer tipo de julgamento.
Então, o meu ‘tsundoku’ pode estar a contribuir para a minha ‘Bibliomania‘?
Mais ou menos. Ainda que os dois termos acabem por estar relacionados com a tua paixão por livros, há uma diferença fundamental: a Bibliomania descreve a intenção de criar uma colecção de livros, tsundoku descreve a intenção de ler livros e a sua eventual colecção acidental.
O significado do termo Bibliomania já se alterou no tempo. Começou por ser usado para referir uma obsessão por livros – algures no século XIX, “assinado” pelo escritor Thomas Frognall Dibdin –, mas como nenhuma obsessão é boa, a Universidade de Oxford acabou por defini-lo como “entusiasmo apaixonado” por coleccionar e possuir livros.
https://twitter.com/dracomallfoys/status/899935787227262976?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E899935787227262976&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.bbc.com%2Fnews%2Fworld-44981013
Se te sentes culpado cada vez que compras mais um livro sabendo que tens 20 em casa à tua espera por abrir, e porque o peso leve da tua carteira contribui para isso, não sintas. A biblioteca de uma pessoa é frequentemente uma representação simbólica da sua mente. Alguém que deixou de expandir a sua biblioteca pessoal pode ter chegado a um ponto em que acha que sabe tudo o que precisa e que o que não sabe não pode prejudicá-lo. Pode ter perdido a vontade de continuar a crescer intelectualmente. O homem com uma biblioteca em constante expansão entende a importância de permanecer curioso, aberto a novas ideias e vozes.
Como Jessica Stillman disse num artigo para a Inc. Magazine, uma biblioteca pessoal vasta demais para que possa ser lida em tempo de vida “não é um sinal de fracasso ou ignorância”, mas sim “um distintivo de honra”. O mesmo argumento foi usado por Nassim Taleb no seu bestseller de 2007, The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable, quando escreveu que: “vais acumular mais conhecimento e mais livros à medida que envelheces, e o crescente número de livros não lidos nas tuas prateleiras acumulará mais conhecimento e mais livros à medida que envelhece, e o crescente número de livros não lidos nas tuas prateleiras vai olhar para ti de forma ameaçadora. De facto, quanto mais conhecimento tens, maiores serão as fileiras de livros não lidos”.
E nós acrescentamos que, cada vez que olhas para um livro que leste na tua estante podes lembrar-te de tudo aquilo que já aprendeste. Mas dares de caras com um livro que ainda não leste em cima da tua secretária pode lembrar-te de que ainda há muito para aprender.
No próximo capítulo: a palavra japonesa para livros que começaste a ler e não acabaste.
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