O que a esquerda portuguesa pode aprender com Zohran Mamdani

28 Agosto, 2025 /
Conjunto de cartazes numa parede. No meio está um cartaz da campanha de Zhoran Mamdani, no qual se lê "Zhoran" repetido em várias cores, e está o candidato centrado com uma balança na ponta dos dedos.
Cartaz "Zohran for Mayor" em East Village. // Fotografia de Eden, Janine and Jim - https://www.flickr.com/photos/edenpictures/54584670904/in/photolist-2rdn4uo-2rasGXA-2r7dj2n-2rbTQDh-2pGAgmH-2pGERiB-2pGAgqF-2rgB8We
Com a ascensão da extrema-direita na União Europeia, tem surgido uma questão: o que é que a esquerda está a fazer mal? A resposta não é simples, mas um candidato democrata à câmara de Nova Iorque pode dar pistas sobre o que podia ser diferente.

É seguro afirmar que, um pouco por toda a União Europeia, as esquerdas perderam o fulgor conseguido ao longo da década anterior. À medida que a extrema-direita vai ganhando terreno à outra margem política, dos 27 países da UE, há apenas três onde a direita-radical ainda não alcançou assento parlamentar: Irlanda, Malta e Luxemburgo. Em seis, conseguiu aceder ao poder: com maiorias controversas (Hungria), através de coligações após vitória eleitoral (Itália) ou conquistando pelouros também por via coligativa (Finlândia, Croácia, Chéquia e Eslováquia). Podiam ser mais: nos Países Baixos, o governo liderado pela extrema-direita colapsou. Na Áustria, só uma coligação de partidos de direita e centro-direita bloqueou a chegada da extrema-direita ao poder.

Em Portugal, em maio, o tombo da esquerda abanou a estrutura democrática como a conhecíamos: o Partido Socialista viu-se “ensanduíchado” por três partidos de direita, ficando em terceiro lugar nas legislativas, atrás de PSD e Chega. Uma derrota histórica, acentuada pelo desempenho dos partidos de esquerda. Logo atrás do PS, surgiu, pela primeira vez, a Iniciativa Liberal, que amealhou um resultado também histórico. E em sentido inverso, o Bloco de Esquerda, que em 2015 elegera 19, 10 anos depois, elegeu apenas uma deputada; a CDU desceu de 4 para 3 deputados; e apenas o Livre registou um pequeno crescimento. Um resultado que obriga à revisão dos pressupostos da política nacional. E mais do que isso, que obriga a esquerda nacional a pensar formas de reconquistar a atenção do eleitorado que dispersou.

Para este problema, parecem começar a surgir soluções vindas do último país em que se pensa quando se pensa em esquerda: os Estados Unidos da América. Mas antes de lá irmos, primeiro importa analisar e compreender como a extrema direita galgou terreno por cá, ganhando tempo de antena.

Economia Política da Atenção: Como popularizar um partido

Olhando para o contexto nacional, e passados quatro meses das eleições, já é possível retirar algumas ideias chave na base desta reconfiguração eleitoral. E uma delas é, sem dúvida, que antes de crescer nas urnas, o Chega (CH) montou uma estratégia de comunicação que lhe permitiu um crescimento exponencial nos grandes meios de comunicação tradicionais. Sobretudo na TV; o meio mais difícil de “furar” por via editorial (perguntem a qualquer assessor de qualquer agência de comunicação).

Na habitual análise ao tempo de antena dos políticos, André Ventura, a figura única do partido, é líder destacado. Pelo teor populista, pela capacidade (inesgotável) de chocar, ou por simples tendência, Ventura tornou-se uma ‘galinha dos ovos de ouro’ para as estações de televisão. Sempre que o recebem, é certo que, nesse dia, se sobreporão à competição. E aos olhos de quem vê a comunicação como negócio, e as audiências a decair isso importa. 

Na luta entre novos meios e meios tradicionais, é habitual apontar-se a subida dos partidos populistas fenómenos como TikTok ou Twitter, mas os dados nacionais mostram que a tv é um ponto fundamental da estratégia do CH.  As estações televisivas ainda são tidas, pelo espectador comum, como um meio informativo mais credível que o universo online. E apelam a público decisivo no computo eleitoral e suscetível à mensagem do chega: Segundo dados recentes, pessoas com idade igual ou superior a 45 anos, pertencentes ao que, em linguagem publicitária, é descrito como “classe social D”: um grupo populacional com baixos rendimentos, frequentemente trabalhadores com empregos estáveis, mas com reduzido poder de compra. O “sweet spot” do público-alvo da extrema-direita, como o comprova esta análise feita pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica.⁠

Como revoltar uma nação

Em publicidade, um messaging book é um “guia detalhado que estabelece a mensagem principal, tom de voz e estilo de comunicação que uma marca deseja transmitir nas suas campanhas”— e o CH é um messaging book em forma de partido. Ventura conquistou o eleitorado que se sente negligenciado por todos os partidos que precedem a existência do Chega; o público que tem, maioritariamente, baixas habilitações académicas e sem tempo para entender as propostas de cada partido. Tudo graças a um messaging book desenhado por – acredito – alguns dos melhores estrategas de marketing e comunicação política que já trabalharam neste país.

As mensagens curtas e agregadoras que o partido utiliza são bom exemplo disso: “Vamos acabar com a corrupção e os tachos em Portugal” — ao apropriar-se, com frequência, de uma linguagem de táxi e café, Ventura impacta e aproxima-se do português comum.

A criação de inimigos – os imigrantes e “os outros” [partidos] – é outra estratégia que tem sido eficaz. Apesar dos números não só o contradizerem, como até afirmarem o impacto positivo dos imigrantes na receita da Segurança Social e no crescimento de setores estratégicos, a narrativa “nós” (os bons) contra “eles” (os maus) –  “eles falham há 50 anos, dêem-me uma oportunidade” -, galvaniza nacionalistas saudosistas e os mais infortunados; os que pouco ou nada estudaram sobre o pré-25 de Abril; e explora o potencial latente no racismo estrutural que ainda domina a sociedade portuguesa, tornando-o numa plataforma séria de mobilização como provam os resultados. 

Após um ciclo ao longo do qual os deputados do CH pouco fizeram além de serem protagonistas dos mais variados casos de justiça, o partido cresceu. Estes resultados eleitorais comprovam que, a nível discursivo, Ventura criou um problema à esquerda: a urgência de reaprender a falar com o eleitorado. O que o Chega faz, como fazem outros líderes de extrema-direita pelo mundo, é inteligente, de um ponto de vista discursivo e de captação da atenção, numa altura em que esta se tornou num bem precioso do ponto de vista social e político.

O “reset” da esquerda

A esquerda demorou, com uma sobranceria indescritível, a dar atenção ao que o CH estava a fazer bem no campo da retórica e do campanhismo desde o seu aparecimento.  Agora, encurralada e desatualizada, após décadas a comunicar com uma elevação intelectual desalinhada do grau académico do português comum, tem de entender que é hora de fazer algo diferente. 

Na era da informação supersónica, dos Reels, do TikTok, da busca de informação em chatbots de IA e em redes sociais dominadas por algoritmos, a esquerda tem de se ajustar aos tempos. Como? Sendo tão ou mais inteligente que Ventura na forma como aborda o combate político. A esquerda tem de sair do escritório e aprender a falar “como a gente”; sem cassetes e sem medo de ser popular. Além de, claro, complementar uma nova forma de estar com conteúdo, oferecendo ideias que correspondam às necessidades imediatas do eleitorado.

Como dizia, em entrevista ao Shifter, David Shor, membro da equipa de análise de dados que pertenceu à equipa de Obama: “A política é fazer com que o eleitor médio vote em ti. Eu sei que isso pode soar maluco, que é uma expressão controversa hoje em dia, mas a política é sobre encontrar os assuntos com que os eleitores se importam, falar deles e fazer com que concordem contigo”. E se as pessoas estão cansadas de políticos, e querem ser lideradas por alguém como elas (que as entenda), talvez seja o momento de popularizar a ciência política. 

O político de esquerda (do presente e) do futuro

É certo que, como dizíamos no início, a extrema-direita está em ascensão global. Ainda assim, existem alguns casos particulares que nos permitem tirar ilações e perceber como pode o discurso evoluir. Um desses casos vem de um contexto político ainda mais complexo e polarizado que o nosso, em Nova Iorque: uma cidade erguida e movida por imigrantes dos quatro cantos do planeta, regida pelo dinheiro e pela influência de alguns dos magnatas mais poderosos do mundo — como Donald Trump.

Há umas semanas, um muçulmano de apenas 33 anos conseguiu “hackear” o sistema. Filho de imigrantes, nova-iorquino, socialista assumido (algo quase profano nos EUA), venceu as eleições primárias do Partido Democrata em Nova Iorque, contra todas as probabilidades. Nas próximas eleições para presidente da câmara  da cidade, será ele o candidato que vai bater de frente com o republicano Curtis Sliwa e o atual Mayor, Curtis Adams, nas urnas. Registem o nome: Zohran Mamdani.

Arrisco escrever que, à hora que digito estas palavras, e apesar de algumas notícias sobre o tema terem sido difundidas nos media nacionais nas últimas semanas, o nome “Zohran Mamdani” dirá muito pouco a 9 em cada 10 portugueses. Zohran é um rapaz da minha idade (nascido em ‘91), advogado especializado em questões habitacionais, de descendência indiana. Nascido no Uganda e criado em Nova Iorque, em 2024, decidiu participar nas eleições primárias do Partido Democrata, com a mira apontada a tornar-se o candidato do partido a Mayor da “Big Apple” (o equivalente a “Presidente da Câmara Municipal” em Portugal). É certo que ainda não ganhou as eleições, mas a forma como fintou os candidatos centristas do partido e venceu, para surpresa de muitos, mostram o potencial do seu discurso. 

Primeiro, a frente mais conservadora dos “Dems”, preocupada em manter a estrutura política e as afinidades com os endinheirados da cidade, não viu Zohran como uma ameaça. Depois, tentou evitar — a todo o custo — a sua ascensão. No papel, a luta eleitoral seria desigual, com muitos a darem como certa a vitória do seu principal adversário: Andrew Cuomo, de 67 anos. Uma cara conhecida entre os eleitores e figura instituída a nível local. Cuomo reunia consenso entre os bilionários — democráticos e republicanos — mais interessados em influenciar para obterem benefícios futuros.  Mas nem isso lhe valeu.

Nos EUA, existe uma coisa chamada “Super PAC”: um fundo independente que permite aos políticos angariar e gastar quantias ilimitadas de dinheiro para influenciar a opinião pública durante uma campanha eleitoral — em anúncios na TV, outdoors, panfletos, eventos, vídeos, etc. Para que tenhamos uma noção de escala: o Super PAC de Andrew Cuomo amealhou mais de 16 milhões de dólares, oriundos dos bolsos de empreendedores como Michael Bloomberg. Já o de Zohran foi 98% menos: 371.000 dólares –, dinheiro angariado, maioritariamente, através de crowdfunding.

Na reta final da campanha, quando as sondagens davam uma vitória confortável a Zohran, o poderio financeiro da campanha de Cuomo – apanhada de surpresa e sem argumentos para contrariar os números de Mamdani – foi utilizado de formas, no mínimo, desesperadas. Como no envio massivo de SMS a milhões de nova-iorquinos – um serviço cobrado a peso de ouro pelas operadoras –, na qual se lia “Zohran is fat now”, com uma fotografia manipulada do democrata socialista. Ou em posts como este no no Instagram, denunciado pelo próprio: uma imagem na qual a sua cara fora amarelada e a barba “artificialmente aumentada”, para vincar a descendência étnica de Mamdani.

Mas estas tentativas de rebaixar o candidato viraram memes. E consequentemente, Cuomo terá perdido, em definitivo, os jovens eleitores que, por essa altura ainda o apoiassem – numa cidade onde a média de idades ronda os 38 anos. E as dinâmicas desta alienação do eleitorado mostram que há alternativas para rasgar com a captura da atenção, seja pela obsessão dos media, como cá, ou pela possibilidade de pagar por tempo de antena, como lá. 


À atenção das esquerdas portuguesas


Quais foram, então, os pontos-chave da campanha de Zohran que o levaram à vitória? A sua energia jovem e um positivismo inabalável. E um messaging book claro, convicto, agregador e competente. Mamdani vendeu boas ideias ao eleitor médio de que nos falou  Shor, em 2022. E o eleitor comprou. Não são medidas políticas, o que a esquerda portuguesa tem a aprender com Zohran. É, isso sim, a forma estudada, porém simples, clara e agregadora como comunica; muito diferente do registo académico, de palavreado complexo, que a esquerda por cá tende a usar. Olhemos, por pontos, ao que há a destacar no trabalho de comunicação da campanha do candidato a Mayor de Nova Iorque.

I – Verdade, clareza e proximidade

Zohran focou a sua campanha numa das questões que mais preocupa os nova-iorquinos: o custo de vida. O candidato fez valer o seu conhecimento e experiência profissional para criar uma das suas bandeiras de campanha: congelar o preço das rendas em Nova Iorque – uma das questões mais periclitantes para os eleitores. Juntou-lhe uma medida para criar redes de mercados / mercearias geridas pelo estado de Nova Iorque, para tornar as compras mais acessíveis. Prometeu a melhoria dos transportes públicos e torná-los gratuitos. Prometeu baixar o preço da água e da eletricidade. E mais e melhor apoio para pais e crianças.

Mamdani foi justificando como implementaria cada uma destas propostas aos media americanos (escrutinadores natos), de forma estudada, confiante e transparente. Foi para a rua apresentar-se aos eleitores e explicar-lhes as suas medidas. Descontraído, simples, usando os seus próprios exemplos de vida. E quem não o apanhava na rua, apanhava-o online, com conteúdos como este, no qual explica em 37 segundos (!!) uma das suas mais relevantes propostas num registo moderno, de produção exemplar, e com um à vontade notável que não soa falso.

II – Mensagens claras e eficazes

Não há campanha sem slogans, e mensagens que condensem o principal. Mandani não foi excepção. Eis uma seleção de frases fortes da campanha, retiradas de posters oficiais e do site da campanha “Zohran for NYC”. 

  • “A city we can afford.” // “Uma cidade que podemos pagar.” 
  • “Fast, fare free buses.” // “Autocarros rápidos e gratuitos.” 
  • “No cost childcare.” // “Creche gratuita.” 
  • “City-owned grocery stores.” // “Mercearias municipais.” 
  • “Housing by and for New York.” // “Habitação feita por e para Nova Iorque.” 
  • “Cracking down on bad landlords.” // “Apertar o cerco a maus senhorios.” 

III – Uma boa história


Toda a gente gosta de uma boa história protagonizada por um underdog. Em fevereiro, Mamdani era esse underdog: reunia apenas 18% das intenções de voto no início desta campanha, contra 51% de Cuomo. Filho de imigrantes. Muçulmano. Não tinha – nem de perto – o apoio de quem tem bolsos fundos. Mas não viu nisso um problema porque tinha uma boa história para contar: a de um nova-iorquino de carne e osso, de um homem como todos os outros, que quer que os seus pares tenham uma vida melhor. E essa genuinidade, sem falácias, acabou por singrar. 

IV – Juventude

Se eleito, Zohran será um dos mais jovens Mayors de sempre. O mais jovem do último século, certamente. Aos 33 anos, Zohran é a cara da esperança no panorama político americano (e, ouso dizer, de todo o Ocidente) em contraste com Trump, o mais velho presidente dos EUA a tomar posse. E o eleitorado de esquerda começa a ver a renovação como algo importante. Após uma década de homens brancos, idosos e debilitados a representar a ala esquerda, o eleitorado sente que a chave está em pessoas energizadas, motivadas, competentes, capazes de levar o mundo aos ombros. E Zohran soube contagiar com a sua juventude, sem cair num discurso que pudesse soar imaturo ou impreparado.

V – Unir para conquistar

Se os autoritarismos dividem, o progressismo pode partir da união? A “coligação informal” entre Brad Lander (candidato judeu nestas primárias) foi um golpe de génio. Uma mostra de união inspiradora. Mamdani e Lander, ambos defensores de políticas de esquerda e justiça social, viram que poderiam fortalecer as suas causas unindo esforços e evitando disputas que enfraqueceriam o crescimento da “sua” esquerda progressista. Esse gesto simbolizou um compromisso com o bem-estar da comunidade e um projeto político coletivo, acima da competição individual.

Uma lição importante para a esquerda portuguesa, se olharmos a pontuais maus exemplos das últimas legislativas. Lançar farpas a quem está do mesmo lado da barricada reforça uma ideia de desnorte. Resultado final: perdem todos. É certo que a política bi-partidária dos EUA se presta mais a estas convergências mas ensaiar novas formas de diálogo é sem dúvida algo a explorar por cá. 

VI – Um “Positivismo Implacável” 

Mamdani não só apresentou propostas para Nova Iorque, como o fez sempre com uma atitude positiva e enérgica, mesmo quando encarou adversários fortes e críticas manteve o seu “Relentless positivism” – um positivismo implacável – como o descreveu Stephen Colbert.

Numa luta desigual, com entrevistadores a colocarem-lhe questões sobre conflitos internacionais (como o conflito Israel-Palestina, que o poderiam visar perante a comunidade judaica), Zohran não tremeu. Manteve a postura e deu respostas sagazes a todos os que tentaram triturá-lo numa polémica.

VII – Uma imagem familiar

O design importa. As imagens clássicas que vemos em outdoors espalhados pelas nossas cidades, com fotos de políticos que podiam bem estar no LinkedIn de um qualquer “suit” com um “corporate job”, não agregam, não entusiasmam — não funcionam. Apesar de algumas tentativas para tentar “humanizar” a sua presença nestas peças publicitárias, tudo aquilo que na publicidade política nacional se faz mal, Zohan fez bem. Mas o autor deste texto não é diretor de arte. Como tal, passa a palavra a quem entende do assunto.


VIII – Domar o algoritmo

No livro Filterworld: How Algorithms Flattened Culture, Kyle Chayka, jornalista da New Yorker, afirma: “(…) o algoritmo é frequentemente desconsiderado, parte da mobília; notado apenas quando não funciona como é suposto, como os semáforos ou a água canalizada”. Os algoritmos e o nível de literacia de cada um permite-nos educá-lo ou não ter, sequer, a noção de que “ele” — uma força obscura — existe e domina as nossas preferências. Através de conteúdos leves, na rua, bem realizados, e mais uma vez, de um messaging informado e informativo, porém, claro e cristalino como a água que jorra da mais intocada nascente, Zohran conquistou os nova-iorquinos. E  e fãs por todo o mundo, arrisco afirmar. Uma audiência de milhões que, por dia, interage mais com o telefone do que com… outras pessoas.

Por cá, no pólo oposto, o conteúdo político continua desinspirado e cinzento. E a “Tik Tokificação” a que assistimos nas últimas eleições foi tão pouco genuína que se tornou, a espaços, risível (faço disto exemplo). A comunicação, a publicidade, o marketing político e a assessoria continuam a ser trabalhados de forma pouco profissionalizada – e isso nota-se, sobretudo, à esquerda.

Zohran mostrou o caminho: proximidade com os eleitores, energia, um tom assertivo e uma linguagem acessível, que o colocam no mesmo patamar do eleitorado sem precisar de enveredar por tendências que não se relacionam com o conteúdo. Esta foi a receita para ir reforçando as mensagens que foi apresentando ao longo da campanha. Parece mais simples do que é, mas é demonstrativo do tempo que se investiu a pensar a campanha e em como comunicá-la. Na era algorítmica, esta é, provavelmente, a maior das lições que as esquerdas nacionais têm a extrair do case Zohran.

Um ponto de viragem para a esquerda? Ou uma luz ao fundo do túnel?

Não é demais lembrar que, há uns meses, Andrew Cuomo tinha tudo para ganhar estas eleições primárias com facilidade. Era tido como absoluto favorito. Já havia sido governador daquele estado (entre 2011 e 2021), era uma cara conhecida, um protegido do partido e, sublinhe-se, persona grata entre gente influente. A romaria às urnas de todos os que o estimam não o salvou, no entanto, de uma derrota que vai ecoando pelo mundo.

Contra todas as expectativas, a 24 de junho de 2025, Zohran Mamdani viu a sua vitória confirmada. O segredo de Mamdani não está na massa; está na capacidade de comunicar para quem não a tem. De forma simples e eficaz, para pessoas de todas as idades. Para todos; mesmo todos.  É certo que foram ‘só’ umas eleições primárias. É certo que aconteceram num estado tradicionalmente democrata. Mas também é justo afirmar que a eleição de Zohran veio estremecer a estrutura política. Tanto que até Trump, que tem muito mais com que se preocupar, sentiu necessidade de a comentar – e até ameaçou detê-lo.

Sem querer, Mamdani talvez tenha até criado um template replicável pelas esquerdas do resto do Ocidente, para que o equilíbrio entre forças políticas seja restabelecido. O futuro o dirá, mas, aqui e agora, nada disto parece apenas fumaça. O eleitorado democrata voltou a sentir o doce aroma da esperança. Os indecisos que votaram em candidatos republicanos num passado recente voltaram a olhar para a margem de lá, entusiasmados pelo surgimento de alternativas.

Se a esquerda portuguesa tirar daqui umas notas, o rejuvenescimento e o reequilíbrio do nosso tabuleiro político pode tornar-se mais que um mero oásis. “A cantiga é uma arma”; comunicar é outra coisa. É uma ferramenta de persuasão. Não há fórmulas exatas para construir uma relação com o eleitorado. Seria errado supor que o que vai resultando para Mamdani, copiado a papel químico, funcionaria em Portugal. Pode, aliás, até supor-se o contrário; o potencial vexatório de uma cópia seria imenso.A esquerda já terá entendido que três cartazes à beira da estrada e o ocasional trend hopping não bastam para aumentar – ou manter – assentos parlamentares. Importa, agora, aos partidos desta ala, encararem o output dos seus candidatos como prioridade nas próximas campanhas. Mais do que agir apressadamente, tornou-se urgente refletir e delinear estratégias de comunicação atuais, competentes, detalhadas, acessíveis e profissionalizadas. Estratégias que tratem com profunda importância todos os aspetos da presença pública dos seus líderes, pondo em primeiro lugar as prioridades de quem vota. De todas, talvez essa tenha sido a maior lição sobre como ganhar relevância no jogo político que a campanha de Mamdani nos tem oferecido.

Autor:
28 Agosto, 2025
Picture of João Carlos Jesus

João Carlos Jesus

Millenial. Nascido em Lisboa. Nómada , neto de feirantes e serviçais, criado entre o Bairro da Madorna (Parede), os Olivais (Norte) e Rio de Mouro (esse mesmo). Foi cozinheiro dos 15 aos 21 - assumidamente, só para pagar os estudos. Formou-se em Ciências da Cultura - Especialização em Comunicação e Cultura, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Sonhava escrever para o Ípsilon, mas acabou a trabalhar em promotoras de concertos de artistas internacionais - e está tudo bem. Foi responsável pelo marketing e comunicação de gigs nas maiores e mais pequenas salas do país; e até de um festival alternativo, que ainda hoje se afirma como, outrora, idealizou: a "Capital do Metal". Trabalhou numa ONGs e numa agência de publicidade, para saber um bocadinho sobre tudo o que lhe interessa. Virou-se para a craft: foi Brand Manager da Dois Corvos; hoje, da Cerveja Musa. Cozinha onde escreve: em casa.

Apoia a partir de 2€/mês, recebe uma newsletter exclusiva, acesso a descontos e passatempos, e contribui para mais textos como este.

Partilha este artigo:

Junta-te à comunidade Shifter

Recebe uma revista e 2 meses grátis ao apoiar anualmente

O teu apoio é o nosso futuro!