No Shifter/LPP nunca escondemos de onde viemos. Criámos o projecto por amor ao que fazemos, antes de ter um nome para lhe dar. Desde o primeiro dia que nos motiva a ideia de traduzir para o espaço público português os grandes temas da contemporaneidade, com especial atenção à tecnologia, e que a vontade de o fazer sempre foi mais forte do que outra coisa qualquer. Com o tempo fomos sentido a necessidade de assumir títulos profissionais, mas longa foi a resistência a auto-intitular-nos jornalistas. Durante anos, recusámos fazê-lo. Não por acharmos que o nosso trabalho era menor, menos rigoroso ou menos ético, mas porque sabíamos que a regulação da profissão em Portugal faz com que este seja um título restrito por um enquadramento burocrático. Isso nunca nos impediu de fazer o que fazíamos, nem de procurar ser melhores todos os dias no cumprimento das regras, dos processos e dos preceitos que regem um órgão de comunicação social ético. O nosso compromisso não é com nenhuma designação burocrática mas com uma relação social, com aqueles que nos leem diariamente. Foi também nesta relação que inspirámos esse salto de confiança.
Há pouco tempo (não consigo precisar quanto, o que tudo diz sobre a importância para nós dessa transição) decidimos pôr de lado a resistência e dizer a viva voz que somos jornalistas. No papel, nada mudou, desde os primórdios do projecto que estamos inscritos nos órgãos de regulação, e que os cargos que ocupamos nos obrigam ao cumprimento de normas legais. No papel, há muito que a equipa de direção do Shifter/LPP é ‘equiparada a jornalista’, essencialmente porque tem de ser. E perante a crise no sector, assumir o título era para nós um gesto de aproximação à causa. De solidariedade. Um assumir de que vemos o que fazemos como parte da rede maior e mais complexa que é a comunicação social de um país, e que não queremos esquivar-nos de responsabilidades ao desviar-nos das designações. Assumir-nos jornalistas, assim, sem mais nada, era juntar a nossa força à dos que acreditam profundamente no jornalismo e na necessidade de unir esforços para o manter vivo, próximo das pessoas e inspirador.
Não estamos aqui a brincar. Dedicamos a nossa vida a esta profissão. E se ainda fazemos o que fazemos ao fim de 10 anos é à custa de muitos sacrifícios pessoais – nunca o escondemos, mas também nunca o sublinhámos. Foi a abnegação que trouxe o projecto até aqui. Nunca tivemos menções institucionais, prémios, nunca fomos notados pelo Presidente da República, nem reunimos com Secretários de Estado. Somos péssimos na gestão política da nossa posição. Porque simplesmente não é isso que nos move. Queremos fazer jornalismo, ou o que lhe quiserem chamar; respeitar as regras, sim, mas também ter liberdade. É por isso que neste momento de greve, a nossa nota de solidariedade não podia começar de uma forma diferente. Se nos sentimos jornalistas, foi comunicado por um dos órgãos de regulação do sector que não temos direito a esse título. E por isso, se sentimos que temos de nos juntar a esta greve, para sublinhar o estado precário do sector em Portugal, sentimos simultaneamente que esta greve não é para nós. Afinal de contas, somos ‘equiparados a jornalistas’ e não jornalistas de plenos direitos – só de plenos deveres.
De qualquer forma, no dia 14 de Março não publicaremos nada no Shifter nem no LPP, e juntamos o nosso silêncio ao dos demais que nesse dia procuram, pela gravidade da ausência, fazer ouvir as suas reivindicações. Não o fazemos com intuito de pressionar os nossos patrões, porque não os temos, mas com o intuito de mostrar, mais uma vez, que se cá estamos há tanto tempo e com tanta persistência, é porque queremos fazer parte da solução, não trazer mais problemas. Numa altura politicamente conturbada, em que a comunicação social vê a sua reputação constantemente atacada, os profissionais estão em situações de extrema precariedade, e escasseia iniciativa política para ajudar o sector, toda a solidariedade é insuficiente face ao tamanho dos desafios que enfrentamos.
Se no último Congresso dos Jornalistas se aprovou uma moção que no meio de outras propostas, sugeria o fim da Carteira de Equiparados a Jornalistas (e a necessidade de uma formação especifica para acesso à profissão), o que empurra profissionais como nós para uma indefinição burocrática que só agudiza a situação precária em que exerço este ofício, o nosso compromisso com a prática e o sector é inegociável. Pelos nossos camaradas, pelos nossos leitores, pelo nosso futuro, juntamo-nos a este momento de reivindicação. Se não lhe quiserem chamar greve, chamem-lhe ‘equiparada a greve’, mas o momento é demasiado importante para perdemos tempo com divisões burocráticas.
Porque o jornalismo em Portugal precisa de mais atenção política e social, de uma valorização na sua pluralidade, e de um reforço pelas condições dos profissionais que lhes permita fazer melhor (e não mais). Porque acreditamos que não é uma distinção burocrática que deve fazer a diferença, numa altura em que as fronteiras se esbatem e os leitores não as reconhecem, e que o jornalismo pode ser mais forte se for mais inclusivo e abraçar os que a ele se juntarem por bem, e porque acreditamos que todo o sector ganha com quem vem de fora trazer novas perspectivas, conhecimentos e experiências, juntamos uma linha à nota de reivindicações: concentremos as nossas forças em restabelecer a união com o leitor e não em criar ainda mais divisão na massa crítica de jornalistas tão fragilizada por tudo o resto.
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