Com organização de Manuella Bezerra de Melo e Wladimir Vaz, VOLTA PRA TUA TERRA é uma antologia de poesia que há muito fazia falta no panorâma literário lusófono e em breve chegará. Com edição da editora Urutau, que se divide entre Brasil, Galiza e Portugal, VOLTA PRA TUA TERRA reúne dezenas de poetas estrangeirxs que fazem a sua vida em Portugal há mais ou menos tempo. O resultado é um livro singular que sem cair em lugares comuns de militância assume pela pluralidade e singularidade das vozes que reúne um carácter antirracista e antifascista.
Com textos de dezenas de autorxs, poetas das mais diversas origens, VOLTA PRA TUA TERRA ganha especial relevância nos tempos que vivemos em que projectos divisionários ganham espaço na sociedade portuguesa. Servindo de contrapeso a esses projectos segregacionistas, esta antologia poeta reúne vozes, origens, tons, temas, abordagens, emoções, e responde com a força da poesia.
“A que terra devemos voltar? Em que terra devíamos estar que não aquela que estamos agora? A quem pertencem estas terras todas?” são algumas das questões abstractas lançadas pelo pequeno grande livro, que encontram respostas mais ou menos assertivas nos poemas dxs escolhidxs: Amanda Vital, Ana Luiza Tinoco, Ana Paula Vulcão, Bruna Carolina Carvalho, Carla Muhlhaus, Carol Braga, Costa Neto, Daniel Cruz, Danilo Cardoso, Delmar Maia Gonçalves, Duda Las Casas, Dulce Semedo, Elizabeth Olegario, Ellen Lima, Etivaldo Camala, Flávio Catelli, Francisco Mateus, Francisco Welligton Barbosa Jr, Gabriela Carvalho, Gahbe, Hilda de Paulo / Mãe Paulo, Huggo Iora, Irma Estopiñà, Ivan Braz, Jamila Pereira, Jaqueline Arashida, Jean D. Soares, Jorgette Dumby, Juliano Mattos, Laura Beaujour, Leidy Rocio Anzola Chaparro, Luca Argel, Luciana Pontes, Luciana Soares, Mai Zenun, Maria Giulia Pinheiro, Mariana Dorigatti, Marianna Serrano, Monise Martinez, Murilo B. Lense, Murilo Guimarães, Noemi Alfieri, Ronaldo Cagiano, Salazar Crioulo, Samara Azevedo, Samara Ribeiro, Sylvia Damiani, Vum-Vum Kamusasadi.
Em jeito de antecipação à publicação da antologia e num momento de reflexão sobre o acto eleitoral que se avizinha, o Shifter em parceria com a Editora Urutau, revela três dos poemas que farão parte da colectânea final. Os trabalhos de Luca Argel, Noemi Alferi e Costa Neto servem de aperitivo para a antologia que em breve sairá a público – e de cujo o lançamento o Shifter te dará conta atempadamente – e de ponto de partida para uma reflexão alargada e urgente na sociedade portuguesa.
SMOOTHIE
ela cresceu numa favela de Bagdá
na primeira década deste século.
pelo menos uma vez por semana
era acordada em plena madrugada
pelo som ensurdecedor dos rotores
de um enorme helicóptero americano
dando vôos rasantes sobre sua casa
sem objetivo
para além
da intimidação.
hoje vive num subúrbio sossegado de Lisboa
traduzindo para o árabe novelas brasileiras.
quase morre de susto
toda vez que eu uso o liquidificador.
Luca Argel
nasceu em 1988 no Rio de Janeiro, e vive desde 2012 em Portugal. É licenciado em música e mestre em literatura, e tenta equilibrar o seu trabalho entre as duas áreas. Tem 5 livros e 4 álbuns lançados. É apaixonado por samba.
Não se vão livrar de mim tão depressa
Estrangeira: nunca.
Cidadã de nenhures
alma de toda a parte
maldita bruxa,
tormento.
Não se vão livrar de mim tão depressa.
**
Non vi libererete di me così in fretta
Straniera: mai.
Cittadina di nessun luogo
anima di ogni dove
maledetta strega, tormento.
Non vi libererete di me così in fretta.
Noemi Alfieri
é investigadora, migrante. A sua escrita é atravessada pelas preocupações à volta da violência, do género, do colonialismo, da opressão capitalista, da propaganda e das construções raciais. Italiana, a viver em Lisboa.
HOMEM DE CÔR
Sou balanta, sou kimbundo
Sou badio, marronga ou angular
Continental ou insular
Há quem me chame homem de côr
Tenho nome e apelido
Sou do norte, sou do sul
E como tu, gerado no centro
Bendito esse teu ventre Mamãe
Sou exótico p’ra a folia
Sou selvagem quando incomodo
Sou dos teus quando convém
Sou o tal homem de côr
Dizem que sou do terceiro mundo
E, segundo bocas infames
Neste universo sem primeiro
Nem civilizado sou
Sou maconde, sou forro
Sampadjudo, mandjáku, kinkôngo
Operário e intelecto
Mas só me chamam homem de côr
Sou de lá já sou de cá
Vou, não sei p’ra onde
Com o vento que já sopra
Ora p’ra lá, ora p’ra cá
Sou filho disto
Sou filho daquilo…
Sou filho do vento
Sou filho deste mundo.
Costa Neto
Músico compositor, intérprete e produtor. Natural de Moçambique. Residente em Portugal