O Festival PODES voltou à carga com a sua segunda edição e no dia 8 de Novembro soubemos quais eram os grandes vencedores. Foi com grande alegria que descobrimos que o Brandos Costumes tinha recebido o Prémio de Podcast do Ano, assim como melhor podcast de cultura e entretenimento (que já tinha recebido na primeira edição.)
Como acompanhamos o podcast há algum tempo, expicamos brevemente no que consiste para quem está a ouvir falar dele pela primeira vez. O Brandos Costumes é um podcast focado em música portuguesa, que mergulha não só em histórias relacionadas com alguns dos seus protagonistas, mas que também nos ajuda a unir os pontos entre nomes mais ou menos obscuros e a sua relação com a história da música portuguesa.
Com já cinco anos de vida e uma mudança de plataformas a meio do seu percurso, decidimos falar com o Pedro Paulos (o criador, agora acompanhado pela Marta Rocha e pelos desenhos da Angelina Velosa), acerca das suas impressões e deste momento alto que foi ganhar o Podcast do Ano no PODES.
O resultado é uma conversa interessante sobre o panorama dos podcasts em Portugal, o espírito punk e DIY que pode existir no podcast e, claro, algumas considerações profundas sobre a música portuguesa.
Olá Pedro, em primeiro lugar parabéns pelos prémios no PODES. Depois da vitória na categoria de cultura e entretenimento na edição anterior, este o Brandos Costumes voltou a receber essa distinção, mas desta vez também levaram o prémio de melhor podcast. Depois de tantos anos a fazer o Brandos Costumes, qual foi a sensação?
P.P.: A sensação de receber uma distinção é óptima, mas a de receber uma distinção para o podcast do ano deixa-nos bastante envaidecidos. Ainda por cima sucedendo a um projecto tão digno quanto o Fumaça. O trabalho de criação de conteúdo é, por vezes, como uma longa travessia no deserto, porque não sabes o que as pessoas pensam, nem a quantas pessoas chegas. É bom sentir que há pessoas que notam o nosso empenho.
Como alguém que já cria conteúdo há algum tempo, qual é a tua opinião sobre a cena de podcasts em Portugal e como é que um prémio de podcasts como o PODES pode ajudar no desenvolvimento dessa cultura?
P.P.: Acho que a cena dos podcasts tem crescidos a passos largos, sobretudo a nível de dimensão. Existem cada vez mais projectos interessantes e diferentes a surgir. Acho só que a maioria das escutas em podcasts tendem a ir para pessoas que já são figuras públicas ou que já têm uma fanbase alargada. Vejo poucos podcasts de sucesso com pessoas que não tenham feito já outras coisas. Para mim aconteceu ao contrário, já fazia outras coisas mas claramente este podcast foi a minha rampa de lançamento. Espero que isso aconteça a outras pessoas, honestamente.
Um prémio como o Podes é ideal em vários aspectos. É um arquivo histórico do que está a acontecer, é um ponto de encontro para vários criadores de podcasts e é uma excelente promoção para este meio de comunicação. Faltava muito um prémio destes no nosso país.
Também temos reparado na facilidade com que figuras públicas ascendem ao topo das listas de podcasts mais ouvidos. Quão desafiante é para ti e para a tua equipa mais reduzida produzir conteúdo de qualidade, sobretudo com incursões noutros meios como vídeos no YouTube, por exemplo? O apoio da Antena 3 ajuda a vossa estrutura?
P.P.: O apoio da Antena 3 é um apoio técnico e promocional. É uma ligação que tem agora um ano, surgiu justamente depois da edição anterior do PODES. Recebemos vários convite mas como temos um forte historial de colaboração com a Antena 3, sobretudo eu e a Marta, que trabalha lá, era onde fazia mais sentido. Tinham mais condições e já era a nossa casa, só ainda não era a do Brandos Costumes. Perdemos todos os seguidores e tivemos que começar do zero porque o feed seria novo.
De resto, no trabalho de dia-a-dia do Brandos Costumes, estas coisas interferem muito pouco. Em termos de podcast, hoje em dia são raros os dias que as gravações aconteçam em Chelas, por causa da pandemia. Portanto, todo o trabalho é feito em casa e depende somente de nós. Fazemos todas as etapas do processo, o que ocupa muitas horas do nosso tempo. Mas é muito prazeroso.
As outras áreas do Brandos Costumes, são pequenas ramificações. Temos o site, onde andamos a tentar publicar mais regularmente e diversificar o conteúdo para além do que publicamos no podcast. E também o vídeo, onde conseguimos ir para além da história convidada pelos nossos entrevistados e diversificar conteúdos. Temos artistas emergentes a tocar músicas esquecidas, a nossa rubrica de teste (Nostalgia) e muito mais. Produzimos menos vídeos, dá ainda mais trabalho, mas é uma área que gostaríamos de investir mais no futuro.
Estas ramificações acabam por promover o trabalho que fazemos no podcast e vice-versa.
Gostámos muito da rubrica de dar espaço a artistas novos. Isso relembra-nos também um vídeo introdutório à criação de podcasts que fizeram. Como no Shifter também se incentiva sempre à criação alheia através de partilhas de ferramentas, isso leva-nos a perguntar se achas que para além de um podcast servir para aprofundar um assunto, também pode inspirar à acção e criação dos outros?
P.P.: Eu acho que há um pouco aquela ética faz-tu-mesmo nisto dos podcasts. É quase como se fosse uma versão mais punk da rádio. Mais barata, mais livre e com uma identidade mais fora do comum. Criámos um video, com um artigo mais extenso que o acompanha, porque sabemos o que custa querer fazer coisas e não saber como se faz. Queremos incentivar as pessoas a criar. E o processo de criação é muito mais simples do que pode parecer. Eu digo sempre: Se precisarem de ajuda mandem-me mensagem, mesmo que não me conheçam. Nós queremos fazer mais trabalho nesse sentido, achamos importante partilhar o nosso conhecimento e aprender com os outros. No nosso trabalho o nosso único segredo é a nossa criatividade.
Adoramos o espírito punk e sabemos que tu também. Achas que fazer algo criativo por amor é a única forma de tolerar o período antes de crescer como desejamos?
Eu acho que não é o destino, é a viagem. Se estiveres a fazer uma coisa por amor, mesmo que não consigas concretizar tudo o que esperavas… pelo menos fizeste uma coisa que amas. E, no trabalho criativo, é como numa relação. É um processo de superação, de ultrapassar os obstáculos e de metamorfose pessoal. Acho que fazer algo criativo é chegar mais próximo daquilo que podemos ser, mesmo que não seja crescer da forma como ambicionámos. Eu vejo muita gente na internet a falar mal do trabalho de pessoas que estão a fazer as coisas apenas porque querem trazer algo mais. Por vezes, pode tornar-se muito cruel julgar as coisas com os mesmos parâmetros de uma grande produção, e, curiosamente, as pessoas tendem a ignorar essas grandes diferenças de escala de produção.
Eu e um grande amigo meu, o Mário João Camolas, comentámos durante anos que tínhamos muitas ideias, mas nunca fazíamos nada. No espectro das ideias, tudo parece fácil. Ou seja, as pessoas não gostam e acham que, como não gostam, não tem mérito. É quando tornamos uma ideia num projecto que o nosso cinismo tende a desaparecer, se percebemos que é preciso tempo e amor para as coisas florescerem. O que nós desejamos vai alterando, porque nós vamos crescendo e conhecendo novos rumos.
Somos completamente a favor da criação e da superação pessoal que pode trazer-nos. Quais são os próximos passos para o Brandos Costumes e quais seriam esses passos se estivessem completamente desprovidos de limitações técnicas, financeiras, até de contexto covidiano, etc.?
Bem, existe sempre uma máquina a funcionar que é a regularidade de episódios. O podcast neste momento é a nossa prioridade e é com ele que equilibramos o tempo para o resto. Nós gostamos de experimentar coisas e ver como nos saímos. A nossa rubrica de video “Nostalgia” começou assim, como um teste. A pouco e pouco alguns desses testes vão-se tornando ramificações. Hoje em dia o video só não é uma coisa com a mesma importância que o podcast por uma questão de tempo, tem um tempo de produção mais alargado.
Já falámos de muitas coisas, na verdade. Algumas mais impossíveis que outras. Acho que qualquer dia será inevitável fazer coisas mais alargadas de vídeo, talvez até submeter a alguns festivais. Eu quando era mais novo sonhava em ser realizador de cinema e sinto que o tempo para fazer um documentário pode estar a chegar. Também esperamos que se torne inevitável que o trabalho que a Angelina Velosa tem feito ganhe uma dimensão maior, talvez que se torne num poster ou numa t-shirt. Também adorávamos fazer conteúdo para televisão. Já falámos de fazer uma festa, um dia. Há muitas mais ideias, vamos ver quais são as que chegam à meta final.
Foi uma honra termos sido o podcast do ano, ainda estamos a processar essa informação. Acho que ainda temos muito para crescer, tanto em termos de projecto como em termos de audiência. A nossa ambição é de fazer o máximo de coisas que conseguirmos, com a qualidade que nos caracteriza. Vamos ver o que sai daqui!
Só para acabar, algo em que ficámos a pensar. Através do mergulho em tantas figuras e momentos específicos da música portuguesa, ficaram com alguma reflexão maior sobre este nosso mundo musical que gostassem de partilhar?
A história da música portuguesa é reduzida a certos momentos, onde as pessoas se concentram. Por exemplo, todos sabemos da importância do boom do rock português. Falamos sempre dele como o terramoto que causou um disco do Rui Veloso. Mas, embora este disco tenha a sua inegável importância e relevância, em 1979 os Tantra, uma banda portuguesa de Rock Progressivo, enchia o Coliseu dos Recreios. Será que este acontecimento também não tem uma quota de responsabilidade? Ou, o assunto do nosso primeiro episódio do “Nostalgia”, a inspiração dos artistas pimba nos anos 80 ser inequivocamente o italo-disco, que hoje em dia é também inspiração para muitos grandes artistas.
No geral, pensamos na música portuguesa como uma coisa fechada e bem definida, mas a verdade é que não é. Há discos que podem não ter tido sucesso no passado mas que são muito relevantes para os tempos de hoje, de pessoas que tiveram azar. Azar de não serem levados a sério, de não conseguirem difundir o seu trabalho ou de não terem o público necessário para continuar. O que sabemos hoje em dia é que apesar de já termos descoberto muito, há sempre mais por descobrir. A música portuguesa tem que ser arquivada. E não é só o que os artistas produziram que importa. É a origem do seu trabalho, a vida noturna que existia, onde é que as pessoas se encontravam, o que é que as pessoas faziam, é isso tudo. É isso que tentamos fazer.
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