Tribunal Constitucional francês chumba lei sobre discurso de ódio online

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Foto de Jon Tyson via Unsplash

Tribunal Constitucional francês chumba lei sobre discurso de ódio online

França tinha aprovado uma lei
 para obrigar as plataformas digitais como o Facebook a eliminar discurso de ódio dentro de 24 horas e propaganda terrorista dentro de uma hora. A medida, amplamente criticada e agora rejeitada pelo Tribunal Constitucional francês, antecipava um pacote europeu que está em discussão pública.

O Tribunal Constitucional francês – o Conseil Constitutionnel – considerou inconstitucional a norma que pretendia obrigar plataformas online a remover discurso de ódio dentro de 24 horas e propaganda terrorista em uma hora, como está a ser proposto pela Comissão Europeia ao abrigo do pacote de medidas Lei dos Serviços Digitais, em consulta pública até Setembro deste ano. Em causa, está, consideram, uma violação do princípio básico da liberdade de expressão.

“[A legislação] compromete a liberdade de expressão e comunicação de uma maneira que não é necessária, adaptada ou proporcional”, defende o Tribunal Constitucional francês, que entende que as novas regras não são compatíveis com a constituição francesa. O Conseil Constitutionnel questionou os prazos em particular o prazo de 24 horas para remoção de conteúdos de ódio e os procedimentos humanos e técnicos que as tecnológicas teriam de implementar para garantir que o conteúdo notificado fosse processado o mais rápido possível. A lei propunha multas pesadas para quem não conseguisse cumprir com a remoção determinada, segundo o New York Times podendo atingir valores até aos 1,25 milhões de euros.

Segundo o Politico, França tentou antecipar-se à nova regulação europeia ao adoptar um conjunto de medidas para resolver a proliferação de discurso de ódio e de terrorismo online. O país liderado por Emmanuel Macron esperava que pudesse servir de exemplo à Lei dos Serviços Digitais que está a ser trabalhada pela Comissão Europeia (CE) e implementar a lei antes que as discussões em Bruxelas pudessem ser interrompidas. O texto, redigido pela deputada Laetitia Avia do partido La République En Marche!, o de Macron, tinha sido aprovado pelo Parlamento francês em Maio mas foi agora contestado no Conseil Constitutionnel por um grupo de senadores. Para além da questão sobre o prazo de eliminação, o tribunal revelou também preocupações com o facto de o processo não estar dependente de nenhum juiz — como em Portugal sucede, por exemplo, com os bloqueios de sites de streaming feitos pela IGAC sem aval judicial.

O Politico escreve que a decisão pode ter um impacto na regulação e discussão sobre moderação de conteúdos online que pode sair da CE, ao estabelecer limites sobre o que França poderá fazer junto das instâncias europeias. Tiemo Wölken, eurodeputado que desenvolveu um relatório sobre a Lei dos Serviços Digitais [em inglês, ‘Digital Services Act’, ou DSA] para a comissão de assuntos jurídicos do Parlamento Europeu, congratula-se com a decisão constitucional francesa; no Twitter escreveu que “deveria ser um aviso para todos que pressionam pela legislação da UE sobre a DSA na mesma direção perigosa”.

A proposta francesa criticada

A legislação francesa sobre discurso de ódio e propagação de terrorismo que obrigaria empresas como o Facebook e Google a atender a prazos entre 1 a 24 horas – caso não removessem os conteúdos essas empresas poderiam ser multadas – tinha sido criticada por empresas de tecnologia, organizações civis, partidos da oposição, pela República Checa e pela própria Comissão Europeia, que pedia o adiamento da iniciativa por não estar garantido o cumprimento de todos os pontos da directiva europeia para o comércio electrónico.

O texto europeu actualmente em discussão também estabelece o prazo de uma hora para a eliminação de propaganda terrorista, o que se pode especialmente complicado para pequenas e médias empresas, novos concorrentes que tentem entrar no mercado digital sem a mesma capacidade tecnológica do que as gigantes já existentes, ou até mesmo organizações sem fins lucrativos com enorme importância online, como a Wikipédia, podendo culminar num resultado perverso.

De França chega o primeiro sinal da decisão constitucional sobre a operacionalização nas redes da legislação referente ao discurso de ódio, numa altura em que esse assunto ganha espaço no debate tanto cá como nos Estados Unidos da América. Muito recentemente, Mariana Vieira da Silva, ministra de Estado e da Presidência, anunciou uma iniciativa nacional para monitorizar o discurso de ódio online sem avançar com grandes pormenores sobre a sua operacionalização. As iniciativas legais nos estados pertencentes à União Europeia serão sempre alvo de discussão e debate a nível europeu, uma vez tem sido prática corrente a criação de directivas legislativas únicas para todos os países europeus, no âmbito do chamado, Mercado Único Digital.

De França para a Alemanha

França, tal como Portugal, tem legislação vigente quanto ao discurso de ódio; a iniciativa de Avia resulta de uma vontade de querer actualizar essa lei em função das novas plataformas de comunicação como as redes sociais, baseando-se na ideia de que o que é ilegal no espaço público deva também sê-lo online. A Ministra da Justiça francesa, mesmo depois do chumbo do tribunal, reiterou a possibilidade de voltarem a pegar no projecto de lei, reescrevendo com base no entendimento do Tribunal Constitucional.

A lei francesa é, em parte, inspirada por uma lei alemã em vigor desde 2017, conhecida como Network Enforcement Act (NetzDG) e que prevê multas até 50 milhões de euros para as plataformas – com fins lucrativos – que não apaguem conteúdo considerado obviamente ofensivo no espaço de 24 horas. Já em Fevereiro o Parlamento alemão discutiu um alargamento dessa lei, para que, para além da obrigatoriedade de remoção as plataformas, fossem obrigadas a comunicar às autoridades qualquer incidência de conteúdo com relação à extrema-direita. Críticos a esta iniciativa dizem que os legisladores alemães estão mais focados em combater os sintomas do que as suas motivações.

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