A internet abriu a produção e partilha de conteúdos a literalmente qualquer pessoa. Seja através das redes sociais, da criação de um blogue ou mesmo do desenvolvimento de um projecto mais sério, qualquer um está hoje mais próximo de se expressar publicamente. Contudo, como em tudo, com grandes poderes veêm grandes responsabilidades – nomeadamente a do respeito pelo enquadramento legal do conteúdo. Apesar de a internet ser um espaço por defeito livre e aberto existem algumas regras e leis que se continuam a aplicar embora muitas vezes acabem no esquecimento.
O uso de imagens da autoria de terceiros, para o qual não se tem licença de uso, é uma das práticas mais comuns. Basta abrir um feed de uma rede social ou um site noticioso para encontrar diversos exemplos. Em causa está sobretudo o desconhecimento da disposição legal e das nuances que caracterizam estas licenças. A dúvida entre o que é ou não a utilização comercial encabeça uma lista de muitas outras que complicam este processo.
Se há matéria complexa é a questão dos direitos de autor. A livre circulação e comunicação na rede torna a replicação e distribuição de conteúdo numa prática comum, muito mais democrática e, aparentemente inofensivo, pelo que como consequência, sucedem os usos incorrectos. Assim surgiu a necessidade de garantir que todos os que o fazem respeitam as políticas definidas pelos criadores originais de determinado conteúdo.
Se durante estes últimos anos no espaço da União Europeia se discutiu a reforma da Directiva dos Direitos de Autor no Mercado Único Digital, abordando a questão de um ponto de vista legal e, digamos, coercivo, a verdade é que o tecnófilos já se debruçam sobre ela há anos e com outro espírito em mente. O panorama dos direitos de autor já foi tanto palco para inovações libertárias, como as de Aaron Swartz, como para empresas se reinventarem, como a KODAK (nota: a KODAKOne é uma empresa à parte que usa a marca KODAK num acordo de licenciamento).
É dessa abordagem aos direitos de autor de uma perspectiva permissiva e aberta que surgem diversas iniciativas alinhadas com o espírito livre que se tenta fomentar na Internet desde a sua criação. Foi assim que em 1999 surgiu a Copyrights Commons que mais tarde, em 2002, se transformara em Creative Commons. As licenças Creative Commons são uma alternativa simples de perceber: através de um conjunto de ícones e de instruções, o Creative Commons pode ser utilizado por qualquer fotógrafo, ilustrador, redactor, cinematógrafo ou outro profissional que pretenda licenciar o seu trabalho para que outros possam usá-lo; dependendo da licença que coloca, terceiros podem somente republicar o seu conteúdo ou mesmo alterá-lo.
No entanto, existem outros enquadramento em que os autores, pelas características do trabalho, pretendem assegurar os seus direitos sem promover licenças abertas ou mesmo um terceiro cenário em que os autores pretendem ver remunerado a utilização abusiva de fotografias sobre as quais não cederam qualquer licença específica. É neste terceiro cenário que a KODAKOne entra.
Sediada em Berlim, na Alemanha, esta empresa trabalha com criadores e entidades detentoras de direitos de autor para identificar na web usos indevidos dos seus trabalhos. Uma vez sinalizados, a KODAKOne contacta a plataforma onde a imagem do cliente foi usada a perguntar se tem licença para o seu uso e, caso não tenha, apresenta um valor correspondendo ao licenciamento do conteúdo desde a data da sua publicação.
“O Creative Commons é uma ótima opção de ‘imagens gratuitas’, mas é importante sempre manter em mente que tem que estar de acordo com os termos e condições de licença da plataforma, que requer, minimamente, que credites a imagem ao fotógrafo”, lembra Stephanie Macfarlane, responsável de pós-licenciamento da KODAKOne, em entrevista ao Shifter.
Por outras palavras, a KODAKOne trabalha ao contrário, licenciando imagens que não foram previamente licenciadas. “A regra geral é sempre pedir permissão do fotógrafo primeiro, ou licenciar a imagem directamente do detentor dos direitos autorais antes de usar o trabalho fotográfico em questão.” É um nicho de mercado que não estava a ser explorado e que, através de tecnologia – que em breve incluirá blockchain –, tenta resolver um problema que existia.
“A KODAKOne tem uma tecnologia própria que identifica todos as vezes que as imagens dos nossos clientes são usadas na internet. Porém, são os clientes que identificam se a imagem tem ou não licença”, explica Stephanie Macfarlane. A preocupação da KODAKOne é exclusivamente com o uso comercial de imagens, aquele em que alguém “obtém algum tipo de beneficio comercial ao usar aquela imagem em alguma das suas publicações”.
“Em geral, isso acontece quando usas uma imagem promovendo um produto. Se usas uma imagem para o blogue da tua empresa, também é considerado uso comercial”, exemplifica.
“Várias editoras de revistas e jornais com quem falamos comunicamos possuem processos internos de conformidade com direitos autorais e equipas responsáveis por garantir que não infringem nenhum direito de propriedade intelectual”, explica. “Contudo, ainda há espaço para melhoria, já que com o avanço tecnológico veio uma subsequente grande disseminação de imagens online. Na minha experiência, os donos de sites estão se a informar mais e consequentemente a tornarem-se mais conscientes com relação aos direitos autorais dos fotógrafos”, acrescenta.
“Nós não vamos atrás de casos contra uso pessoal em perfis de redes sociais, a não ser que esteja de alguma forma ligado a um uso comercial – mas isso é muito raro”, esclarece Stephanie. “As redes sociais com certeza tiveram uma influência negativa no sentido da disseminação sem controlo de imagens usadas sem permissão ou sem a consciência de quem são os detentores dos direitos autorais das mesmas.” A responsável da área de pós-licenciamento da KODAKOne assinala, no entanto, que “as leis existentes de uso de trabalhos protegidos por direitos autorais na internet são um pouco ultrapassadas”.
A proliferação de imagens que são publicadas e disseminadas num número cada vez maior e com uma velocidade cada vez mais elevada, representa também um desafio para quem tenta navegar neste universo sem meter o pé na argola, incorrendo em incumprimentos legais. Empresas como a KODAKOne estabelecem-se na necessidade de equilíbrio entre os criadores de conteúdo que escolhem licenciar os seus trabalhos para que possam lucrar com eles através desta transacção clássica, mas também sublinham a importância de, enquanto sociedade digital, repensarmos as normas por que se gere todo o este universo, criando um enquadramento mais previsível para todos.