Escrevi há alguns dias sobre a importância da preparação e do apoio à Saúde Pública na resposta à atual crise pandémica. Para além das soluções imediatas e das soluções a médio e longo prazo, cuja história ainda está por escrever, é fundamental começar já a sintetizar as lições da pandemia e a transpô-las para o nosso maior desafio civilizacional: a crise climática.
É determinante que se observe com cuidado a aplicação de mudanças profundas e radicais que alterem de forma (demasiado) rápida a nossa “normalidade”. Da mesma forma que o ser humano é um animal de hábitos, também as instituições políticas, os organismos financeiros e a orgânica social dependem – bem ou mal –, de um sistema estabelecido. O combate às alterações climáticas deve, por isso, fazer-se de modo planeado e rapidamente progressivo, mas nunca como corte imediato com as dinâmicas civilizacionais. A reconversão da economia do sector energético e todos os derivados, como a distribuição, deve ser impulsionada inteligentemente, num permanente jogo de contra-pesos que garanta que ninguém fica para trás. Depois de uma onda de “órfãos da globalização”, que produziu erupções populistas e desigualdade, não devemos permitir uma nova quebra nos laços sociais. Tal como na resposta à pandemia, a resposta à crise climática depende das políticas de coesão e de solidariedade.
A crise climática é também um problema de saúde pública. Nessa ótica, impõe-se que os princípios de respeito pela evidência científica estejam na base da decisão política. Observando a gestão calamitosa da Covid-19 no Brasil ou nos Estados Unidos da América, é fácil perceber que lideranças informadas e democracias fortes são condições necessárias à transição energética.
A isso acresce que as alterações climáticas provocarão fenómenos como a disseminação de vetores de infeção (de que o mosquito é exemplo célebre) para grandes áreas previamente livres de doença, fogos florestais, cheias e ondas de calor inéditas, fluxos migratórios massivos, conflitos armados, aumento da prevalência de patologia psiquiátrica, entre muitos outros efeitos.
Do mesmo modo que a resposta à pandemia exigiu uma articulação dos agentes científicos com o poder político no sentido de comunicar, fundamentar e mobilizar a sociedade para o confinamento e adoção de medidas de proteção individual, também a resposta à crise climática exigirá da Saúde Pública e dos agentes políticos e económicos a capacidade para comunicar o risco e mobilizar a população para uma mudança.
A “nova normalidade” que vivemos hoje – profundamente diferente e condicionada em comparação com o passado recente –, é apenas um prenúncio do que poderemos enfrentar, enquanto sociedade global, perante uma crise climática que chegará.
A boa notícia é que ainda podemos mudar. Agitar as águas da sociedade civil para uma participação política ativa e exigente. Apoiar o jornalismo que abre as portas à informação e à comunicação. Eleger líderes que nos digam claramente como querem contribuir para resolver a crise climática. Pôr as mãos ao trabalho num esforço coletivo para reabilitar a nossa sustentabilidade, fazendo mudanças pequenas e grandes no nosso modo de viver.
Os políticos que, inteligentemente, geriram a incerteza da Covid-19, antecipando-se e comunicando os próximos passos, têm agora a obrigação de alertar com voz forte e serena para a emergência que se segue. Devemos aos nossos filhos a obrigação de lhes deixar um planeta saudável e uma sociedade digna.