Harvey Weinstein condenado a 23 anos de prisão. Porque é que isto importa?

Procurar
Close this search box.
Imagem via Shifter

Harvey Weinstein condenado a 23 anos de prisão. Porque é que isto importa?

A sentença é o desfecho de um julgamento emblemático para o #MeToo. Harvey Weinstein foi outrora o mais poderoso produtor de Hollywood.

Foi conhecida esta quarta-feira em Nova Iorque a sentença de Harvey Weinstein. O antigo produtor de Hollywood, de 67 anos, foi condenado a 23 anos de prisão – a pena poderia ir dos 5 aos 29 anos de prisão.

A sentença é o desfecho de um julgamento emblemático para o #MeToo, após o veredicto histórico a 24 de fevereiro que levou à primeira vitória do movimento contra assédio e agressão sexual na Justiça. Passados três anos do rebentar do escândalo, um júri constituído por sete homens e cinco mulheres condenou Weinstein por assédio sexual em primeiro grau e violação em terceiro grau (o que remete para a falta de consentimento explícito), mas absolveu-o de duas acusações de “comportamento sexual predatório”, consideradas mais graves e que, confirmadas, significariam uma pena de prisão perpétua.

As razões da condenação

As acusações em causa relacionam-se com dois casos específicos. A de agressão sexual em primeiro grau diz respeito ao caso da ex-assistente de produção Mimi Haley, que remete para julho de 2006. O produtor foi ainda declarado culpado de violação em terceiro grau, no caso que envolveu a ex-atriz Jessica Mann em março de 2013.

Mimi Haley, uma das suas vítimas, reagiu dizendo que “se não tivesse sido condenado por este júri, voltaria a acontecer uma e outra vez”. Weinstein recebeu 20 anos de cadeia, em relação ao caso de Haley. O seu caso data de 10 de julho de 2006, dia em que a então assistente de produção estava no apartamento de Harvey em TriBeCa (bairro no centro de Manhattan) a convite deste, quando ele a forçou à prática de sexo oral.

Os restantes três anos da pena dizem respeito ao caso de Jessica Mann, cabeleireira e aspirante a atriz cuja identidade só foi divulgada no primeiro dia de audições. Mann acusava o ex-produtor de a violar em 2013 num quarto de hotel em Manhattan.

Na sessão desta manhã, Weinstein afirmou ainda ter mantido “grandes amizades” com as duas principais fontes da acusação. Ambas submeteram comunicados antes de a sentença ter sido lida. Haley indicou ao juiz James Burke ter ficado emocionalmente afetada com o incidente. Também Jessica Mann voltou a referir os “horrores de ter sido violada por alguém com poder”.

Weinstein sujeito a exames médicos e psicológicos

Desde que conheceu o veredicto, ainda em fevereiro, Weinstein, que chegou ao tribunal numa cadeira de rodas, tem dividido o seu tempo entre o Hospital de Bellevue, em Manhattan, onde foi submetido a uma cirurgia ao coração, e a enfermaria do estabelecimento prisional de Rikers Island. Segundo o The Guardian, no rescaldo da sentença, Harvey deverá sujeitar-se a exames médicos e psicológicos no centro Fishkill, em Nova Iorque, seguindo depois para uma prisão nesse estado.

Parte do processo de entrada e acolhimento no sistema prisional, que não se prevê fácil, envolverá o visionamento de vídeos destinados à prevenção do suicídio, uma vez que o próprio arguido admitiu ter tido pensamentos suicidas durante o processo, e uma medida especialmente relevante atendendo ao historial recente que envolve a morte de Jeffrey Epstein, condenado num caso com contornos semelhantes.

Um julgamento emblemático para o #MeToo

Apesar do que este caso representa para o movimento #MeToo e para a luta das mulheres contra o assédio e abuso sexual, está longe de estar resolvido. É que este julgamento disse apenas respeito aos casos acontecidos em Nova Iorque. Outras acusações chegam da Califórnia e podem ditar o regresso do ex-produtor ao banco dos réus. Em Los Angeles, Weinstein é acusado de ter violado uma mulher e de ter agredido sexualmente uma outra. Ambos os casos datam de fevereiro de 2013 e terão acontecido em dois dias consecutivos. De acordo com o LA Times, Weinstein tem pela frente mais quatro acusações, mas, tal como fez nos casos de Nova Iorque, negou-as a todas.

A sentença em Nova Iorque significa à partida que Harvey Weinstein, que tem 67 anos e uma saúde precária, pode passar o resto da sua vida na prisão. Pouco antes da leitura da decisão do juiz, Weinstein fez uma declaração pública e inesperada–- não é normal que um réu que planeie recorrer de um veredicto de culpado ou que se tenha dado como inocente fale no dia de leitura da sentença, uma vez que o que disser pode ainda ser usado contra ele. Segundo reportam os media no local, o ex-produtor, que não testemunhou durante o julgamento, falou durante cerca de 20 minutos, numa espécie de discurso divagante, continuando mesmo enquanto os seus advogados lhe pediam que parasse.

Com tudo o que disse, ainda que sem um fio condutor, Weinstein provou que o poder continua a falar mais alto que o remorso ou a coerência. Aquele que outrora foi o mais poderoso produtor de Hollywood, que governou e remodelou indústria por décadas, fazendo nascer e morrer carreiras e acumulando Óscares, disse em tribunal e ao mundo que acreditava plenamente que os seus relacionamentos com as vítimas eram consensuais, dizendo, por exemplo, que achava “mesmo, mesmo que tinha esse tipo de relacionamento com Jessica [Mann].” 

Rematou esse raciocínio com: “Podemos ter verdades diferentes, mas eu sinto remorsos por todas vocês e por todos os homens que estão a passar por esta crise”, disse, dirigindo-se às suas acusadoras que ouviam, em lágrimas. No final, e cedendo à vitimização, acabou por teorizar sobre quão confuso estava com o desfecho do caso e com o que o movimento #MeToo alcançou: “Estou muito confuso. Acho que os homens estão confusos com tudo isto… com este sentimento de que milhares de homens e mulheres estão a perder os seus processos. Estou preocupado com este país”, referiu. “Os Estados Unidos da América não estão a viver o ambiente certo”, acrescentou ainda.

A ouvir estavam as seis mulheres que se sentaram no banco de testemunhas para contar as histórias gráficas da sua intimidade violada pelos ataques sexuais de Weinstein ao longo de mais de quatro décadas, que foram aplaudidas ao entrar em tribunal, mas que choraram quando a sentença foi anunciada.

Do #MeToo até à prisão

Antes de Weinstein ser condenado, as notícias sobre a sua má conduta sexual circularam em Hollywood durante anos, ao mesmo tempo que o produtor de filmes como Pulp Fiction ou A Paixão de Shakespeare subia ao principal palco da 7ª arte para receber Óscares.

Foi só no final de 2017 que várias mulheres se juntaram para denunciar as suas situações de abuso, em histórias publicadas pelo The New York Times e pelo The New Yorker. Desde então, mais de 90 mulheres acusaram Weinstein de conduta imprópria, incluindo assédio, toque inadequado e agressão sexual. Documentos judiciais agora selados provam que, nas semanas após a publicação das histórias, Weinstein e a sua equipa se esforçaram para responder ao caso e pagar aos visados – sabe-se, por exemplo, que o produtor procurou desesperadamente o apoio de amigos ricos como Jeff Bezos, fundador da Amazon, ou Michael Bloomberg, o bilionário e ex-mayor de Nova Iorque, que desistiu das Primárias democratas na semana passada.

A decisão do juiz James Burke é o confirmar de uma onda de alerta que se iniciou com as denúncias contra Weinstein, e foi tendo outros picos com outros casos conhecidos do setor do ramo do entretenimento, como os de Les Moonves, Kevin Spacey, Charlie Rose, Brett Ratner ou Bryan Singer, todos eles acusadas de má conduta sexual.

Mas foram muito mais as alegações contra Weinstein do que as acusações criminais que enfrentou em tribunal. Em reacção, o grupo Silence Breakers – composto por vítimas de Weinstein de renome em Hollywood, como as atrizes Ashley Judd, Rose McGowan e Rosanna Arquette, que em 2017 estiveram envolvidas na criação do movimento #MeToo, que mais tarde evoluiu para outros como o Time’s Up – disse que continuaria a pressionar o sistema por mais mudanças culturais. “O legado de Harvey Weinstein será para sempre o de que ele é um violador condenado”, afirmaram em comunicado. “Ele vai para a prisão – mas nenhuma quantidade de tempo na cadeia vai reparar as vidas que ele arruinou, as carreiras que destruiu ou os danos que causou.”

Se chegaste até ao fim, esta mensagem é para ti

Num ambiente mediático que, por vezes, é demasiado rápido e confuso, o Shifter é uma publicação diferente e que se atreve a ir mais devagar, incentivando a reflexões profundas sobre o mundo à nossa volta.

Contudo, manter uma projecto como este exige recursos significativos. E actualmente as subscrições cobrem apenas uma pequena parte dos custos. Portanto, se gostaste do artigo que acabaste de ler, considera subscrever.

Ajuda-nos a continuar a promover o pensamento crítico e a expandir horizontes. Subscreve o Shifter e contribui para uma visão mais ampla e informada do mundo.

Índice

  • Rita Pinto

    A Rita Pinto é Editora-Chefe do Shifter. Estudou Jornalismo, Comunicação, Televisão e Cinema e está no Shifter desde o primeiro dia - passou pela SIC, pela Austrália, mas nunca se foi embora de verdade. Ajuda a pôr os pontos nos is e escreve sobre o mundo, sobretudo cultura e política.

Subscreve a newsletter e acompanha o que publicamos.

Eu concordo com os Termos & Condições *

Apoia o jornalismo e a reflexão a partir de 2€ e ajuda-nos a manter livres de publicidade e paywall.

Bem-vind@ ao novo site do Shifter! Esta é uma versão beta em que ainda estamos a fazer alguns ajustes.Partilha a tua opinião enviando email para comunidade@shifter.pt