De acordo com um relatório de 2015 feito pelo World Bank, estima-se que em 2025 cada cidadão produza em média 1,5kg de lixo por dia. Estes valores são alarmantes e algumas cidades já começaram a tomar medidas, como é o caso de San Diego que pretende reduzir o seu descarte de lixo em 75% até 2030 ou de Nova Iorque que tenciona tornar-se livre de desperdício (zero waste) em 15 anos. Mas já existe uma cidade na liderança deste campeonato. Com uma política de redução de resíduos implementada desde 2003, Kamikatsu, na ilha japonesa Shikku tem o objetivo de atingir o desperdício zero já em 2020.
Nos anos 90, mal se falava de reciclagem nas zonas rurais do Japão e o método de descarte de lixo predilecto era a incineração. Kamikatsu não era excepção. No entanto, com a produção massiva de embalagens e produtos de plástico, as incineradoras passaram a ter legislação mais apertada, de modo a evitar a propagação excessiva de dióxido de carbono. As áreas rurais foram as mais afectadas com as novas regras, nomeadamente a ilha de Shikku. Transportar o lixo para outra ilha era opção mais óbvia, mas os custos que acarretava não eram exequíveis, pelo que foi preciso encontrar uma nova e melhor solução.
Akira Sakano fundou, então, o movimento Zero Waste. Com 45 categorias de reciclagem e uma restruturação completa do tratamento do lixo orgânico, Kamikatsu conseguiu converter os cerca de 1700 habitantes a este novo estilo de vida. Desde 2003 que é exigido a cada cidadão que separe e limpe o seu lixo. O orgânico passou a ser transformado em compostagem para ser posteriormente utilizado nos campos e o restante é separado, tratado e conduzido até ao centro de reciclagem. Atualmente a cidade consegue dar um novo uso a 81% do lixo que produz e estima-se que no ano corrente, esse valor passe a ser de 100%. Mas como é possível mudar tanto a mentalidade de uma cidade inteira que, embora pequena, se desenvolveu sem noções de sustentabilidade?
Numa TED Talk de 2017, Akira Sakano explica-nos o processo pelo qual as embalagens devem passar para serem recicladas, recorrendo a vários exemplos do dia a dia. Para cumprir o processo integralmente, é necessário separar rótulos, tampas, palhinhas e plásticos das mesmas, lavar o conteúdo e depositar depois na categoria certa. As três categorias que conhecemos dão aqui lugar a muitas mais, sendo que, por exemplo, o metal se divide em alumínio e aço e o papel em jornais, revistas, cartão, embalagens, etc.
Não seria então mais fácil levar um copo de metal ou uma caneca e pedir que servissem o café directamente no nosso próprio recipiente? Akira Sakano explica que o sucesso deste movimento está relacionado com essa mudança de hábito e com a percepção de que quanto menos lixo produzimos, menos lixo temos de tratar.
A população de Kamikatsu é extremamente envelhecida, pelo que a mudança não foi fácil. Para agilizar o processo, criou-se um serviço de transporte que passa por todas as casas e reúne, não o lixo, mas as pessoas, de forma a que todos possam chegar ao centro de reciclagem. Com o tempo, ir ao centro tornou-se um evento social ou uma espécie de passatempo comum da cidade e aquilo que surgiu como uma obrigação rapidamente se converteu em entusiasmo coletivo.
Será que podemos replicar o que se passa em Kamikatsu noutras cidades? Segundo Akira Sakano, não existe uma fórmula chave, pelo que teremos sempre de adaptar o plano às sociedades. No entanto, Kamikatsu é a prova de que é possível mudar as mentalidades e incentivar a mudança de hábitos até numa população que se desenvolveu sem consciência ecológica. É possível e, acima de tudo, é urgente.
Texto de: Catarina Coelho