Ensaio de Regresso a Casa: do Laos à Europa

Ensaio de Regresso a Casa: do Laos à Europa

5 Março, 2020 /

Índice do Artigo:

O Francisco Santos colabora pontualmente com o Shifter e convidou-nos a partilhar um diário da sua viagem de volta a casa. Acompanha aqui a sua jornada.

Com o meu livrinho cor de vinho, a minha fronteira é a geografia. Resolvi voltar à Europa – mas estilo Greta Thunberg, sem ir de avião, do Laos à Grécia.  Através das minhas redes sociais, começo agora uma angariação de fundos para a organização de apoio a refugiados – Help Refugees. Ainda mais que esteja “entre países”, pode faltar-me rumo, mas a direção, assenta-me.

Numa parte do mundo muito muito distante, encontramos os mochileiros do Sudeste Asiático. Esta tribo viajante, tradicionalmente carrega às costas grandes mochilas, incluindo, por vezes 1 estojo de maquilhagem, por outras, um tapete de yoga. Espalham-se por todo o território da Indochina e as ilhas das Índias Orientais. entre o Oceano Índico e o Pacífico, concentram-se no eixo Banguecoque-Bali. A maioria é originária do Ocidente.

Identificam-se alguns grupos – os Holandeses distinguem-se pela altura. Na sua cultura, a atractividade mede-se pela quantidade de selfies em lugares com algum tipo de relevo geográfico. As regras não explícitas do Tinder Holandês ditam que cada foto seja tirada num país diferente. Quanto mais distante, melhor. Já os Alemães mais novinhos encontram o expoente da sua capacidades de organização, na exoticidade do Sudeste Asiático. Mesmo sem contabilizar os atrasos das viagens, antecipam qualquer falha por quererem estar 4 horas antes no aeroporto. Qualquer pessoa que tenha visitado um local turístico na Europa, já conhece o gentil comportamento Britânico, aqui igualado pelos seus primos Australianos. Devido à sua migração habitual, lideram os saltos de bebedouro em bebedouro. Ainda, os Israelitas que celebram o final do serviço militar com a espontânea organização de um regimento por aldeia. Por último, os Americanos mantêm um certo êxtase e fascínio por finalmente explorarem alguma coisa fora do seu país. Em contrapartida, trazem os sotaques das estrelas de cinema de Hollywood – o suficiente para arrefecer quaisquer resquícios da guerra fria na região.

Bem, até aqui, nada de novo, não é? Além da natureza tropical e os batidos menos e mais psicadélicos, entre os turistas, encontramos os viajantes. Normalmente, estas autênticas aves raras viajam muito além de mês e meio, até ao ponto de perderem o país na capa do passaporte. Falam dos seus carimbos como quem fala do dia de trabalho. Os solitários são os que mais me intrigam. Existem os que planeiam uma missão e a executam, estilo volta ao mundo em 80 dias. Também podem adquirir um talento, como o Carlos que volta a Portugal com o saber das massagens Tailandesas, ou contribuir pelo intercâmbio, como a Bre, que fez um voluntariado nos templos Indianos após concluir o curso na sua universidade Budista. Viajam com o objetivo de aprender. Já os nómadas digitais, como voltam a casa no natal, deixo o seu lifestyle de parte. Ainda estou para perceber se realmente geram algum valor.

Esporadicamente, deparo-me com verdadeiros nómadas. O Nori, do Japão, fascinou-me particularmente. Joga os seus percursos como os povos Asiáticos jogavam com os ventos das monções. Navega como um peregrino, conhecendo as burocracias de cada fronteiras e identificando as zonas de conflito. Sabe que consegue acomodação nos templos budistas, ou através da internet, e como pedir boleia em diferentes línguas gestuais. À data, de acordo com a plataforma de partilha de sofás Couchsurfing, 524 pessoas confirmam a sua gentileza. Equivalem a 9 anos de estrada.

Do meu próprio nomadismo sedentário, entendo que deixamos sítios que nos são queridos, que as amizades ainda estão lá, mas que ficam por detrás da neblina, e além do romantismo trágico dos romances, as redes profissionais expandem-se, mas apenas virtualmente. O Japonês vive assim, sem voltar a casa nem precisar de amanhã. É uma escolha que reconhece. Não prega religião ou filosofia. Nesta vida de estrada, vive com pouco mais que a simpatia alheia, e ao contrário de tantos bloggers, não faz da vida de viagem, profissão.

Conhecem aquele eufemismo de se estar “entre empregos?” Permitam-me superlativá-lo –   encontro-me “entre países”, mais precisamente entre a Tailândia e a minha cidadania Europeia. Isto não estava nos planos – tão pouco procurar mais um estágio. Se os 30 são os novos 20, talvez aos 26 esteja na idade da parvoíce. Nesta crise de quarto de idade, começo por admitir o privilégio e reservo-me ao direito de estar entre países por mais algum tempo. Em comparação com os Ocidentais de cabelo branco, que se passeiam de mão dada com jovens Tailandesas, também quero um happy ending, mas sem envolver hipocrisias ou prostituição.

Resolvi mesmo voltar à Europa – mas estilo Greta Thunberg, sem ir de avião, do Laos à Grécia. A uma distância destas, sem escalas e com bom motivo, a verdade é que o voo se justifica. Ainda assim, vou por terra. Aparentemente, a minha rota era conhecida como o Hippie Trail entre os anos 50 e 70. A instabilidade no Irão e no Afeganistão fechou o caminho para os Ocidentais. Hoje, faltam alguns meses para as monções e não sei se voltam a fechar as mesmas fronteiras que abriram o ano passado.

Com o meu livrinho cor de vinho, a minha fronteira é a geografia. A orientalidade do caminho até pode provocar inveja, mas também muitos likes. Com os motivos climáticos desmistificados, encontro um paralelo entre essa coleção de carimbos e o semelhante percurso de quem é obrigado a fazê-lo na clandestinidade. Pelos motivos enunciados, vou tentar causar missão. Através das minhas redes sociais, começo agora uma angariação de fundos para a Help Refugees que providencia apoio a refugiados. Do seu financiamento, 89% é diretamente alocado a diferentes projetos em campos de asilo. Ao longo da viagem, lanço uma série de desafios: se doarem, vou comer gafanhotos e finalmente corto mesmo esta gadelha.

Além das selfies, mantenho uma produção de conteúdo sobre os temas mencionados, para os quais, procuro patrocínio. O investimento nestes tópicos traduz-se na valorização de conteúdo crítico e de qualidade em temas sobre os quais é importante refletir. Também para dicas de viagem, entrem em contato!

Ainda mais que esteja “entre países”, pode faltar-me rumo, mas a direção, assenta-me. Não imaginam os sorrisos curiosos que me recebem. Eu imagino o vosso, amigos, de quando chegar ao fim da missão que causamos. Vamos fazer-nos à estrada?

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Podem seguir o projeto #BackHome do Francisco Santos no Instagram ou no Facebook. Também contribuir para causar missão, como menciona, ou acompanhar os próximos desenvolvimentos no Shifter.

Autor:
5 Março, 2020

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