Romeu e Julieta volta ao palco Almeida Garret do Teatro Dona Maria II pela mão do Colectivo 84 de John Romão com quem tivemos oportunidade de estar à conversa e discutir a sua visão de Romeu e Julieta no século XXI. O encenador que tem um papel de destaque na arte contemporânea não tinha nos seus objectivos trabalhar um texto clássico de Shakespeare, mas quando a oportunidade de fazer um espetáculo para a sala Garret surgiu, a escolha de um texto clássico revelou-se óbvia e recaiu neste texto que é transversal à alta cultura e à popular, uma peça com a qual já tinha tido um contacto fugaz num workshop na Bienal de Teatro de Veneza em 2011. Ao encenador, juntam-se nomes de peso como Mariana Monteiro, João Cachola, João Arrais, João Jesus, Rodrigo Tomás, Mariana Tengner de Barros e Matamba Joaquim.
Uma encenação com laivos de ilusionismo, lasers e sons fortes que nos fazem sentir a tensão do carrossel em que os personagens se encontram, suspensos num limbo que é um não-lugar, depois do acidente da paixão os ter colocado numa cadeia de reacções a alta velocidade que já não podem controlar.
Os intérpretes, condicionados nos seus movimentos, demonstram protagonistas dependentes de outros para avançar na acção de encontro aos seus objectivos. Chegam ao limite de não saber verdadeiramente onde estão, o questionamento dos seus corpos é um tema constante que pode ser interpretado à luz dos nossos dias na maneira como lidamos com as redes sociais, que nos levam a ter múltiplas interações efémeras com diversas pessoas dispersas geograficamente sem perder o tempo necessário para estar num local que nos faça estabelecer uma relação.
No caso de Romeu e Julieta, que procuram uma fuga dos seus destinos, a amargura de um amor rejeitado e a sujeição ao que a tradição espera deles, é ainda mais difícil saber onde se encontram, pois no curto espaço de tempo em que tudo acontece, eles entregam-se a uma velocidade vertiginosa onde tudo é permitido, pois o desafio para com o instituído gera um estado de calamidade em que o caos tudo governa.
Uma encenação refrescante onde o texto continua a ser o pilar central de tudo o que se passa, e é para ele que as atenções se voltam de forma a melhor podermos apreender o porquê de Romeu e Julieta ainda ter tanta reverberação quatro séculos depois. Assistir a cada nova versão do clássico a este nível é como ser confrontado com um trabalho de arqueologia ou uma ida a um museu para com o passado tentarmos compreender um pouco melhor onde vivemos.
Romeu e Julieta está em cena na sala Almeida Garret do Teatro Dona Maria II até dia 1 de Março de 2020.
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