Ao longo de 2019, Parasite, do escritor-realizador Bong Joon-ho, atingiu marco após marco para o cinema da Coreia do Sul: ganhou a Palma D’Ouro em Cannes, arrecadou múltiplas nomeações e vitórias em inúmeras entregas de prémios e publicações especializadas, e conseguiu limpar a sala do Dolby Theater de Los Angeles, com Bong a levar consigo 4 Óscares, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Realizador.
Nunca antes tivera o cinema sul-coreano tanta visibilidade como agora, e isso é uma vitória tanto para os seus artistas como para os cinéfilos de todo o mundo que já há anos seguiam o que de lá ia saindo. Mas o importante agora é certificarmo-nos que, aos olhos do mundo, o cinema asiático não se restrinja só àquele desenvolvido na Coreia do Sul, mas que reconheça o largo histórico de artistas oriundos de todos os recantos do continente oriental, artistas estes que, ao longo das últimas décadas, assinaram várias das mais impactantes obras cinematográficas de toda a Sétima Arte.
É com esse intuito que o Shifter decidimos aglomerar uma lista com 15 dos mais importantes realizadores asiáticos, não só tocando na já referida Coreia do Sul, como também picando o ponto por países como o Japão, China e Irão. Juntamente com cada referência, oferecemos também a sugestão de um filme pelo qual poderão começar a filmografia do respetivo realizador, caso ainda não o tenham feito.
Akira Kurosawa (Japão)
Raros são os realizadores cujos trabalhos deixaram tal dantesca pegada na cultura cinematográfica como a do mestre Akira Kurosawa. Com uma das filmografias mais versáteis e impactantes da história do cinema, que inclui obras-primas de todos os géneros e para todas as faixas etárias, o cineasta criou os arquétipos que permitiram o nascer do spaghetti western e da tão badalada saga Star Wars.
Filme: Seven Samurai
https://www.youtube.com/watch?v=bBfgNpSQm3I
Masaki Kobayashi (Japão)
Da mesma vaga do pós-guerra que nos trouxe Kurosawa, surgiu Kobayashi com uma série de obras cuja nuance estilística, embora menos bombástica e universal, era de uma profundidade temática e rigor técnico ainda hoje difíceis de igualar, deixando marcos históricos nos géneros chambara (i.e. “lutas de espadas”) e de terror, sem esquecer uma das melhores (e mais longas) trilogias dramáticas da história do cinema.
Filmes: The Human Condition I, II e III
Yasujiro Ozu (Japão)
Descobrir os clássicos é perceber que muito daquilo que hoje em dia mais apreciamos no cinema tem vindo a ser explorado desde os seus primórdios. Ver filmes antigos, de realizadores com créditos firmados, é visitar as fundações do cinema contemporâneo e encontrar pistas sobre o que faz de um filme bom e perceber que no essencial nada mudou assim tanto. Ozu é um desses casos e Good Morning um filme que o exemplifica.
Filme: Good Morning
Hirokazu Koreeda (Japão)
Koreeda já não é um nome propriamente estranho. Os seus filmes têm distribuição internacional e já desde Nobody Knows em 2004 que ganhou espaço no panorama ocidental. Like Father, Like Son arrecadou em 2013 o prémio do Júri em Cannes, e Shoplifters foi, por assim dizer, o grande momento de consagração da sua carreira com a conquista da Palma de Ouro, na mesma competição, em 2018. Em 2019, Koreeda embarcou na sua primeira aventura fora do Japão — A Verdade é inspirado numa peça de teatro que escrevera há quinze anos e chega aos cinemas portugueses no dia 19 de Março.
Filme: Shoplifters
Park Chan-Wook (Coreia do Sul)
Antigo crítico de cinema tornado realizador produtor e guionista, este não é um cineasta para estômagos sensíveis. Tanto na sua trilogia da Vingança como no thriller erótico Handmaiden, o mistério deixa o espectador confuso e expectante em partes iguais. Todo este mistério sempre acompanhado de um humor retorcido e de cenas de uma brutalidade gráfica mas estranhamente justificada, pois a vingança no mundo de Park nunca se materializa sem consequências para todos os envolvidos.
Filme: Oldboy
Lee Chang-Dong (Coreia do Sul)
Iniciou-se como escritor nos anos 80, até que na década seguinte saltou para a cadeira de realizador a partir da qual desenvolveu alguns dos dramas mais interessantes, introspectivos e (por vezes) polémicos do cinema moderno coreano. Num movimento cinemático comumente caracterizado pelo seu extremismo audiovisual, os trabalhos de Lee pautam-se por uma elegância que só pode ser descrita como hipnotizante.
Filme: Burning
Wong Kar-Wai (Hong Kong)
Há demasiadas ocasiões em que o amor humano só pode ser descrito como sendo caricato. Aquilo que as nossas bocas dizem, aquilo em que as nossas mãos tocam, como os nossos olhos se mexem e os nossos corpos os seguem pela trela do impulso instintivo… O cinema de Wong Kar-Wai captura isto com tal soberbo jeito que, realisticamente, só pode ser mesmo magia.
Filme: Chungking Express
John Woo (Hong Kong)
Ao contrário do que certas mentes pensam, o bom cinema de ação não é só explosões e one-liners. É um facto que a filmografia de John Woo contém extraordinárias doses destes elementos (se achavam que o Michael Bay era destrutivo, ai mãe…), mas no centro dos seus filmes existe um certo espiritualismo romântico de um admitido absurdismo, que facilmente consegue comover a mais fria das almas.
Filme: Hard Boiled
Zhang Yimou (China)
Cenas de luta pontuadas por murros, pontapés e rodopios flutuantes, coreografadas com uma precisão microscópica, estendida ao obsessivo detalhe histórico no guarda-roupa e cenários, trazidos à vida por visuais cuja beleza é capaz de saciar os olhos durante semanas a fio… O trabalho de Zhang Yimou epitomiza todos os elementos do género das artes marciais.
Filme: Hero
Hu Bo (China)
Infelizmente não poderemos desfrutar de mais criações deste jovem realizador e romancista chinês que nos deixou a sua única longa-metragem pouco antes da sua trágica morte. Depois de 2 romances bem sucedidos e 3 curtas-metragens, em 2018 Hu Bo deixou-nos um filme visualmente belo que contrasta com a crueza da realidade que retrata. Uma série de histórias comuns que se entrecruzam onde o egoísmo é o catalisador dos infortúnios que caem sobre cada um dos participantes do seu mini-universo.
Filme: An Elephant Sitting Still
Hou Hsiao-Hsien (Taiwan)
Aparentemente tranquilo mas imerso na turbulência política do século passado da história de Taiwan, o cinema de Hou Hsiao-hsien teve uma distribuição irritantemente limitada no oeste, mas foi ganhando uma exposição considerável nos últimos tempos, com a recepção arrebatadora o seu épico wuxia The Assassin em Cannes 2015.
Filme: A City of Sadness
Edward Yang (Taiwan)
O já falecido Yang cultivou uma das obras mais influentes do cinema asiático moderno com filmes que se aventuravam a navegar sem medos pelos profundos mares da emoção e identidade taiwanesa, sem nunca recorrer a artifícios melodramáticos ou lamacentos que prendessem a honestidade da qual fortemente dependiam. É cinema de encher o coração, e mais não precisa de ser dito, mas sim visto.
Filme: Yi Yi
Apichatpong Weerasethakul (Tailândia)
Possivelmente o artista com a obra mais única e inacessível desta lista. As veias e artérias do cinema de Apichatpong são percorridas por uma combinação de slow cinema e realismo mágico que consegue gerar séries de imagens que se infiltram pelos nossos nervos dentro, brincando com os nossos fios mentais e emocionais de formas que se calhar nunca antes sentimos a ver um filme.
Filme: Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives
Abbas Kiarostami (Irão)
Um artista vencedor da Palma de Ouro de Cannes que dominava todas as fases da criação de um filme que também tinha incursões na poesia, fotografia e pintura entre outras coisas. Esta mistura de disciplinas fez com que este realizador da new wave Iraniana dos anos 60 nos tenha dado filmes que procuram exaltar a beleza estética dos cenários dos seus filmes enquanto nos assalta com reflexões sobre a sempre constante mudança do presente face à continuidade do todo, enquanto deambula por outras questões como o que precipita alguém para a morte e o pode fazer agarrar-se à vida, sempre com uma subtileza e calma que nos fazem aproximar para escutar as lições ou do silêncio ou de um olhar.
Filme: Taste of Cherry
Satyajit Ray (Índia)
Considerado por muitos um dos maiores cineastas do século XX, Satyajit Ray foi designer de comunicação, ilustrador, escritor e trabalhava no argumento, na fotografia, direção de arte, edição dos seus próprios filmes. Recebeu Ursos de Ouro, Prata, um Leão de Ouro e um Óscar honorário, após a sua morte em 1992. Com uma obra centrada no universo Bengali, Ray abriu a porta a toda uma cinematografia que até então permanecera, aos olhos europeus ou americanos, uma massa indistinta e distorcida.
Filme: A Trilogia Apu: Pather Panchali; Aparajito; Apur Sansar
Texto de Duarte Cabral, Edgar Almeida, Rita Pinto e João Ribeiro