A história da política da Argentina está há mais de sete décadas intimamente ligada ao peronismo. Juan Domingo Perón, ex-Presidente (1946-1955 e 1973-1974) foi um espécie de bígamo da política: tinha uma família de esquerda e outra de direita, que se deram conta que uma e outra poderiam conviver no seio do sistema político argentino.
O ideal peronista defende a industrialização, o controlo das exportações, o Estado forte, a Saúde e a Educação públicas, os subsídios sociais, a neutralidade internacional e a integração política e comercial sul-americana.
O peronismo é um movimento popular, democrático e nacional da Argentina que tem entre as suas pautas a soberania nacional, a independência económica e a justiça social. Nasceu em 1945, em diferente contexto histórica ao actual, quando se tentava um acordo nacional para o desenvolvimento. Surgiu depois da chamada Década Infame do Partido Conservador, foi uma reacção à fraude eleitoral, aos abusos patronais e aos acordos comerciais com o Reino Unido que condenavam a Argentina a ser o fornecedor de matérias-primas.
Foi formado por milhares de trabalhadores que haviam saído de províncias rumo a Buenos Aires. O peronismo conseguiu arrebatar o controlo dos sindicatos dos socialistas, anarquistas e comunistas. Desde então, a principal central de trabalhadores do país – a CGT – responde ao peronismo.
A política direccionada para a classe trabalhadora do regime de Juan Perón é essencial para a criação, ascensão e manutenção deste movimento e deve entender-se em duplo sentido: curar a debilidade burguesa, auxiliando-se do proletariado para resistir à ofensiva imperialista e controlar a classe trabalhadora que era numerosa e com capacidade de crescimento. Para além disso, procurava evitar a maré comunista do fim da Segunda Guerra Mundial.
O projecto de Perón baseava-se em um discurso voltado para os trabalhadores, que era anticapitalista e defendia a promoção da justiça social. Naquela época, a Argentina tinha uma sociedade muito hierarquizada, os poderes económicos não aceitaram a intromissão de Perón (era militar e acumulava cargos de vice-presidente, ministro da Guerra e secretário do Trabalho de um governo ditatorial). Chegou a ser preso naquele ano. Em 17 de Outubro de 1945, uma multidão foi às ruas demonstrar apoio ao Perón e ele saiu da prisão.
Perón chegou à Presidência quando venceu as eleições em 1946, impulsionada por uma série de reformas sociais, em áreas como os direitos dos trabalhadores e civis. Por exemplo, em 1947 pela primeira vez as mulheres argentinas conquistaram o direito de votar, luta encabeçada por Evita Perón, esposa do Presidente argentino e símbolo de Estado. A Argentina viveu uma época de crescimento económico e foi reeleito em 1951. Perón foi deposto por um golpe militar em 1955 e foi forçado a ficar no exílio durante 18 anos.
Muitos tendem a associar o peronismo, como projecto político, ao fascismo. Existiram algumas semelhanças e aproximações, mas na visão dos historiadores, afirmar que o peronismo é um movimento fascista é um grande exagero. As diferenças são maiores que as semelhanças. Entre as aproximações podemos destacar o discurso incisivo de ambos contra o comunismo e as acções criadas por ambos os governos para propagar a ideologia do regime.
O peronismo foi mudando ao longo do tempo. Nas décadas de 1960 e 1970 surgiram expressões extremas desta corrente: a guerrilha dos Montoneros e a organização paramilitar Aliança Anticomunista Argentina (Triplo A). Desde 1983, com o fim da ditadura militar mais recente, a Argentina está a viver a sua etapa mais extensa na democracia. O peronismo foi mudando várias vezes, incluindo uma época de hegemonia neoliberal na América Latina, na década de 90 com o Governo do Presidente peronista Carlos Menem.
Naquela época alguns partidos populares de diferentes países passaram um processo de contração, mas na Argentina a oposição nos anos 90 esteve muito ligada com sectores do peronismo que criticaram bastante o neoliberalismo, mesmo havendo um presidente peronista no poder.
A partir de 2003 e vinda de uma grande crise económica, a Argentina passou por 12 anos de governos peronistas dos Kirchnner (Néstor e a sua esposa Cristina Fernández). Na primeira fase desse período houve um crescimento económico considerável, com recuperação do poder de aquisição e ampliação de direitos sociais. O peronismo perdeu as eleições em 2015 para o neoliberal Macri, por conta de uma série de erros políticos, mas recuperou o poder através de Alberto Fernández no fim do ano 2019. O peronismo de Fernández pouco tem a ver com o legado dos Kirchnner, mesmo que na fórmula vencedora tivesse incluída como vice-presidente a Cristina Fernández Kirchnner. Trata-se de uma reconfiguração do Partido Judicialista e de imitar o frenteamplismo do Uruguai: uma maioria de centro-esquerda pragmática.
Em jeito de curiosidade, o peronismo também inclui personalidades históricas como o Papa Francisco, porque é a doutrina social da Igreja de João XXIII, e o ex-jogador de futebol Diego Maradona.
O peronismo é uma força política cuja lógica só é plenamente entendida se sairmos do terreno estrito da objectividade política. Correntes de esquerda e de direita têm cabimento nas suas filas. É um movimento pragmático e ideológico. É revolucionário e conservador. Para muitos, é o símbolo da inclusão social de milhões de trabalhadores; para outros, representa o maior obstáculo ao desenvolvimento argentino. O peronismo é a identidade política mais persistente da Argentina.mA polarização da política argentina é provavelmente incorrigível a curto e médio prazo, o peronismo e o anti-peronismo.
Texto de Diego Garcia