“Eu gosto de duvidar de tudo o que faço”: como Zé Menos encontrou a sua voz em Chão do Parque

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Fotografia por João Marques

“Eu gosto de duvidar de tudo o que faço”: como Zé Menos encontrou a sua voz em Chão do Parque

Com uma voz pesada e instrumentais espetacularmente desenhados, zé menos apresenta-nos o seu álbum de estreia sob este novo pseudónimo.

Lançado no passado dia 29 de novembro, o álbum contou com uma apresentação antecipada no dia 22, no cinema da Trindade, no Porto. O projeto foi totalmente escrito, produzido, misturado e masterizado pelo artista e soma todos os trunfos possíveis: Começando pelos instrumentais, temos um conjunto de beats completamente distintos da norma dos projetos mais recentes de hip hop português — à base de samples reais, tiradas de instrumentos reais, que resultam numa sua sónica mais orgânica e menos mecanizada. Por outro lado, a escrita de zé menos é extremamente pessoal e rica que abraçando como conceito central as folhas de árvore caduca, abre muito espaço para metáforas que dão corpo às ideias que quer a exprimir.

Estes dois elementos em conjunto compõem um álbum repleto de camadas e tão abastado, que vai demorar bastante tempo até perceber todos os versos a 100%. Tendo em conta o seu tema central, não podia ter sido lançado em melhor altura, visto que estamos em pleno outono. Tivemos a oportunidade de conversar com o artista acerca do álbum e do seu lançamento:

Pedro: A minha primeira pergunta é relativa à tua mudança de nome. Antes do lançamento deste álbum, davas-te pelo nome de “Kap”. O que te fez alterá-lo e achas que essa mudança se reflete no disco de alguma forma?

Zé: Honestamente apenas mudei de nome porque me deixei de identificar com ele. Já o tinha há alguns anos e acabei por me fartar. O novo nome, por outro lado, funciona muito bem porque se estiverem a falar comigo, não têm de pensar se me hão de chamar pelo nome artístico ou pelo nome próprio. Assim, se qualquer pessoa me chamar “zé”, vai funcionar bem. O menos foi o toque artístico que lhe dei.

P: Relativamente à capa do disco, soube que foi pintada por uma artista nacional, Teresa Arega. Como é que esta colaboração aconteceu? Foste tu que lhe pediste para pintar a capa ou ela é que veio ter contigo?

Z: Eu tenho um grupo de amigos madeirenses e já conheço a Teresa há uns anos porque ela namora com um desses amigos. Sempre gostei do trabalho dela e resolvi pedir-lhe para ela fazer a capa. Só lhe pedi que escrevesse o nome do álbum algures na pintura e que usasse uma certa palete de cores, de forma a que fique coeso com o conteúdo do disco. Mandei-lhe o álbum quando já estava mesmo quase terminado e dei-lhe algumas guidelines sobre a temática do disco para ela saber o que deve pintar e para ter algum contexto.

P: Já que falas no nome do projeto, como é que esse nome nasceu?

Z: O nome do álbum foi algo que pensei isoladamente. Honestamente não gosto muito de ter um álbum com um título igual ao nome de uma das músicas porque acho que se perde uma camada de comunicação. Prefiro que seja sempre diferente. Tinha uma ideia do que é que gostava que o título fosse ou pelo menos da ideia que queria transmitir, mas não queria que fosse muito literal como “a teoria das folhas de árvore caduca” ou algo do estilo. Mas o nome mesmo apareceu muito tarde, quando a maior parte das músicas já estava escrita. Aliás, o nome foi tirado precisamente de uma das faixas em que digo “o chão do parque”. Escolhi este nome principalmente porque nos dá um local físico e um contexto do que o álbum representa e para além disso, antes de ouvires o álbum, o título não faz sentido, mas depois de se ouvir uma vez, percebe-se o porquê desse nome.

“Escolhi este nome principalmente porque nos dá um local físico e um contexto do que o álbum representa e para além disso, antes de ouvires o álbum, o título não faz sentido, mas depois de se ouvir uma vez, percebe-se o porquê desse nome.”

 

P: Qual foi a inspiração para o álbum?

Z: Tive muitas fontes de inspiração para este álbum. Eu passei cerca de dois ou três anos a pensar numa boa ideia para um álbum conceptual, ou seja, a ver bons casos disso e tentar perceber como é que a ideia foi implementada, para no final perceber qual foi a ideia no primeiro momento. Há conceitos muito complicados em termos de narrativa e de estrutura, mas também há álbuns mais focados numa temática, em vez de ser uma história. E a ideia é tentar perceber o que veio primeiro e o que veio depois, para no final conseguir organizar o meu pensamento e saber como é que posso implementar a minha ideia nos meus próprios álbuns.

A inspiração para as letras veio de eu ter andado em busca de um bom tema para o disco e estava um dia no parque, vi um monte de folhas vermelhas e fiquei mesmo muito impressionado com o que vi. Fui para casa e comecei a fazer associações na minha cabeça e a tentar pensar se dava para fazer uma faixa à volta do tema, mas rapidamente concluí que era uma ideia demasiado grande para fazer uma só faixa, então decidi fazer o álbum à volta disso. Aliás, a primeira música foi a primeira que fiz tendo já este tema em mente e serve precisamente como um índice para o ouvinte.

A nível musical, houve todo um processo de maturação artística, desde que lancei o álbum anterior. Há um livro de entrevistas a Marcel Duchamp numa altura em que ele já estava velhote e num discurso leve e simples, expõe algumas questões que me deixaram a refletir e que me apontaram o caminho para o que tinha de fazer. Por exemplo, no rap há pouca dinâmica musical em comparação com uma sinfonia e isto foi das primeiras coisas que me decidi a experimentar na minha música. O outro elemento foi a estrutura. No rap a estrutura costuma ser muito quadrada e muito mecanizada e queria precisamente alterar essa estrutura de forma a que nem eu saiba onde começa e onde acaba uma parte.

Recorte da capa de Chão do Parque / Ilustração de Teresa Arega

P: Tendo em conta que o álbum é conceptual e anda muito em redor de um só tema, achas que isso mudou o processo de criação?

Z: O facto de ser conceptual dificulta um pouco as coisas, acima de tudo pela forma como decido implementar a ideia das árvores. A minha maior preocupação era que o álbum soasse repetitivo e a verdade é que acabo por dizer muitas vezes as mesmas palavras, mas pelo feedback que tenho tido, o público não tem ficado com essa ideia, talvez porque sujeito as pessoas a um conjunto de imagens diferentes e isso cativa as pessoas. O que me comprometi a fazer mesmo foi que a primeira e a última música sejam totalmente dentro do tema das árvores de folha caduca e as outras podem não ser totalmente dentro do tema e falo mais do que me apetece, umas com mais metáfora do que outras. Mas no final cada faixa tem de haver uma associação às árvores de folha caduca. Foi assim que resolvi implementar o conceito.

P: Podemos contar com uma edição física do disco?

Z: Podem sim! Tem inclusive uma característica interessante que é as músicas estarem ordenadas pela sua ordem de conceção.

P: No dia do lançamento do álbum, fizeste uma apresentação antecipada no cinema da Trindade no Porto. Como surgiu essa ideia?

Z: Essa ideia já tinha desde que comecei o disco. Não tem uma relação direta com o álbum, mas sim com a forma como se consome música. No cinema, por exemplo, temos as condições físicas ótimas para ver o filme como o realizador o quis, ou seja, não podemos parar a meio, não podemos falar alto, enfim, há um conjunto de condições sociológicas e comportamentais que impactam a perceção do filme. A música não tem nada assim porque num concerto o ambiente é muito mais relaxado e mais confuso do que num cinema. Para além disso, os artistas raramente tocam os seus discos na íntegra e na ordem pela qual foram lançados. A minha ideia era garantir que as pessoas consumam a minha obra da maneira que eu gostava que consumissem, pelo menos na primeira vez em que a ouvirem.

P: E podemos contar com concertos por Lisboa?

Z: Também podem sim! Quero muito dar concertos. Agora vou fazer um showcase no Porto, no Natal do Marginal, mas depois disso, em janeiro devo arrancar com concertos por outros sítios.

P: Quantas músicas ficaram para trás, no meio de todo o processo criativo?

Z: Olha, essa pergunta é muito fixe porque para ser sincero, desde o último disco só fiz 12 faixas, que são as faixas que acabaram no disco. Fiz mais beats claro, mas não são muitos mais. Sempre que me sentei a escrever alguma coisa, essa faixa ficou no álbum, portanto se agora quisesse lançar mais alguma coisa, não conseguia porque não tenho mesmo nada. (risos) Eu não gosto muito de ser uma máquina de produção em massa de músicas. Eu gosto de duvidar de tudo o que faço e o que fiz neste disco foi isso mesmo, o que foi exaustivo, mas acabou por resultar.

“Eu não gosto muito de ser uma máquina de produção em massa de músicas. Eu gosto de duvidar de tudo o que faço e o que fiz neste disco foi isso mesmo, o que foi exaustivo, mas acabou por resultar.”

 

P: Para terminar, que dica podes dar ao pessoal que quer entrar no mundo da música? Todos nós sabemos que é difícil, mas há alguma dica que queiras deixar?

Z: A primeira coisa que deixo é que não podem deixar que vos convençam que há fórmulas para fazer música. Não liguem às pessoas que dizem que tens de ter x views nas tuas faixas ou que tens de fazer y. Se querem mesmo saber de música, procurem a vossa linguagem, a vossa voz. Eu sinto que com este álbum cheguei a um ponto em que me sinto muito mais realizado do que anteriormente e acho que ainda tenho um longo caminho a percorrer. E tentem não ter muitos dogmas criativos: tentem ir quebrando um a um, por exemplo, num dia não fazem um dos elementos que fazem sempre e no dia a seguir, deixam de fazer outro. Pessoalmente fiz muito isso neste disco e gostei bastante do resultado. E para além disso, não se descuidem quando forem a lançar a vossa música. Posso não gostar de muitas coisas da indústria da música, mas tudo o que é press releases e comunicação com entidades que vos possam lançar, é importante e ajuda muito a subir. Muitos artistas bons ficam por descobrir por falta de comunicação e divulgação.

Conhecer Zé Menos nesta entrevista é conhecer um pouco mais das dúvidas que compõe o caminho de um artista na busca da sua voz; depois de Kap lançar as bases daquele que não queria ser apenas mais um rapper, no seu segundo disco o artista portuense abre as portas do seu parque pessoal, onde as dúvidas existenciais e as questões típicas do amadurecimento se revelam pelo esvoaçar das folhas em direção ao chão. O resultado é um disco pessoal e insubstituível por mais profunda que possa ser qualquer entrevista, definitivamente um disco que vale a pena ouvir num momento de contemplação.

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  • Pedro Caldeira

    Engenheiro Informático de profissão, Pedro Caldeira é um apaixonado por tecnologia e acima de tudo música. Escreve regularmente sobre temas relacionados com tecnologia disruptiva e sobre álbuns e artistas que o inspiram.

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