É comum dizermos que não gostamos de nos ouvir a nós próprios, mas será que valorizamos a nossa voz, ou seja, será que damos o valor devido por termos uma voz perfeitamente limpa ou uma capacidade de fala sem deficiência? Ser gago ou ter dificuldade em pronunciar determinados sons, letras ou palavras é mais comum do que se possa pensar, e quem tem essas condicionantes é obrigado a viver com elas, a aceitar aquele gozo fácil mas a procurar mecânicas que ajudem a superar tais limitações.
A verdade é que, na maioria das vezes, ninguém quer saber, porque o interlocutor e aquilo que diz é mais importante que a forma como diz; e temos de ser capazes de tolerar que outros podem não ter as mesmas capacidades de fala que nós, da mesma forma que já toleramos outro tipo de deficiências, que são talvez mais visíveis na nossa sociedade.
As deficiências de fala podem ser, contudo, difíceis porque podem tornar a mensagem difícil de se perceber; podem servir de distracção (ou de desculpa), fazendo-nos nem sequer ligar ao que alguém está a dizer. E se, em muitos contextos, é possível optar-se pelo discurso escrito em vez do oral, noutras situações, como o Parlamento, tal não é possível e Joacine Katar Moreira sabe-o bem. A deputada recém-eleita pelo Livre é gaga e, quando se está nervoso, a gaguez torna-se mais evidente do que quando se está num ambiente confortável – entre amigos ou no nosso lar.
É normal: mesmo quem não tem qualquer deficiência de fala se engasga mais em situações que são fora da sua zona de conforto; imagine-se ter problemas de dicção e termos de falar com alguém que não conhecemos tão bem e/ou que admiramos – vamos estar nervosos já pelo contexto em si e o facto de sabermos que não temos uma “dicção normal” pode ainda deixarmos mais nervosos; afinal de contas, queremos fazer a melhor figura.
No caso de Joacine Katar Moreira, é visível a diferença ao nível da gaguez entre os discursos que faz em ambientes mais intimistas, como pequenos eventos do Livre, e quando tem de falar num debate televisivo para “todo o país” ou na Assembleia da República para “toda a gente”. Mas com os memes e a troça que se vai fazendo a Joacine, o público em geral é capaz de saber mais sobre a sua gaguez do que sobre as suas ideias – o que defende a deputada do Livre e o que propõe o seu partido?
Foi para tornar a mensagem de Joacine mais clara que um jovem internauta, João de Sousa, decidiu criar o Sem Gaguez, um portal onde se propõe a publicar os discursos de Joacine Katar Moreira, que não ficam imediatamente disponíveis no site oficial do Parlamento. “Pode parecer o nome de um projecto saído de alguém que quer achincalhar a Joacine Katar Moreira mas, pelo contrário, é uma projecto que quer dar palco aos seus discursos”, explica João num e-mail enviado espontaneamente ao Shifter. “O objectivo deste projecto é, com a maior celeridade possível, publicar os discursos e intervenções da Joacine Katar Moreira para que o eleitorado possa discutir as suas intervenções através do seu conteúdo e não da sua forma.”
João diz que o Parlamento demora a fazer o tratamento e publicação dos discursos e intervenções dos deputados no seu site, algo que diz ser “compreensível” por existirem muitos deputados mas o jovem refere que a existência do Sem Gaguez passa a fazer ainda mais sentido. “Para referência, hoje, 6 de Novembro, ainda estão por publicar os discursos do debate de apresentação do Programa do Governo, de 30 de Outubro.”
João diz que, desde que divulgou o Sem Gaguez pela primeira vez, através do Reddit português, recebeu algum feedback positivo que já teve impacto na estrutura do site e promete continuar a melhorá-lo, querendo que ele se torne mais “uma ferramenta para apoiar a discussão democrática no nosso panorama político”.
Sem Gaguez – os discursos e intervenções de Joacine Katar Moreira por escrito. from portugal
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