Porquê um ‘fablab’ dentro de uma escola?

Porquê um ‘fablab’ dentro de uma escola?

6 Outubro, 2019 /

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Em Benfica há um fablab dinamizado por dois professores dentro de um contexto académico. Fomos conhecer este projecto.

De acordo com a plataforma FabLabs.io, existem cerca de duas dezenas de fablabs em Portugal. Alguns deles são municipais, outros estão localizados dentro de centros de investigação ou de ambientes académicos. É o caso do FabLab Benfica, criado no final de 2017 na Escola Superior de Educação (ESELx), integrada no Politécnico de Lisboa. À frente dele estão dois professores que se conheceram no curso de Artes Visuais e Tecnologia. Procuram equilibrar as actividades lectivas com o fablab, cruzando os dois e simultaneamente construindo uma comunidade além da ESELx.

Um fablab é basicamente um laboratório onde se pode criar quase tudo. Geralmente está equipado com máquinas capazes de imprimir objectos 3D, por exemplo, ou cortar peças a laser, mas também com outras ferramentas que permitem trabalhar manualmente materiais. O ingrediente que é mesmo necessário é a criatividade e, claro, tem de existir propósito e uma comunidade, que não tem de ser profissional, pode ser mera curiosa.

O FabLab Benfica foi sendo construído aos poucos. Primeiro uma impressora 3D que André pediu uma vez à ESELx para comprar para uma cadeira de fabricação digital, depois uma fresadora CNC que, no final de 2016, Nuno adquiriu no âmbito de um projecto de investigação. Não fazia sentido as máquinas ficarem paradas ou serem usadas só uma vez; então, começaram à procura de uma sala disponível na ESELx para montar aquilo que seria mais tarde formalizado como fablab. “Havia uma sala lá em baixo que servia de arquivo. Era onde ia parar tudo o que era monos e trabalhos velhos dos professores e alunos da escola, e inundava regulamente sem ninguém se aperceber”, explica Nuno. “Fomos esvaziar a sala e numa semana tínhamos aquilo habitável com a impressora 3D e a CNC.”

É nessa sala, sem janelas e na cave da escola, que o FabLab Benfica ainda está localizado, apesar de hoje ter uma segunda sala no piso térreo enquanto a lá debaixo aguarda obras de fundo, que ampliarão o FabLab, criarão um acesso directo para o exterior e resolverão alguns problemas estruturais do edifício. As duas salas do FabLab Benfica são aquilo que se espera que um fablab seja: um caos organizado, máquinas e ferramentas por todo o lado, restos de materiais pelos cantos, trabalhos em exposição em prateleiras ou amontoados, livros e catálogos espalhados…

“Vamos fazer dois anos agora”, refere Nuno. “O projecto foi crescendo, fomos tendo mais alunos voluntários, mais professores a colaborar connosco, mais máquinas a ser compradas, mais projectos a ser desenvolvidos cá dentro e para fora.” Nuno Monge e André Rocha não têm pressa ou uma agenda para seguir escrupulosamente, vão fazendo e o FabLab Benfica vai crescendo. Alguns trabalhos, ainda que pequenos, para empresas ou a realização de workhops em escolas ajudam-nos a ganhar receita para investir no espaço e no projecto. “Vamos fazendo quando temos tempo para isso também, Temos de gerir o tempo do fablab com o das actividades lectivas. Mas vamos sempre fazendo”, esclarece Nuno.

Ao contrário do que o nome pode sugerir, na Escola Superior de Educação não se lecciona apenas disciplinas de educação. O curso de Artes Visuais e Tecnologias, que Nuno e André leccionam, por exemplo, “é o chamado curso banda larga em que o aluno sai com conhecimentos avançados de escultura, pintura, design… e no design falamos do design de interacção, do design de produto e também do design de comunicação”, descreve André. “Mais directamente relacionado com a utilização do fablab, para já, é a disciplina de design de produto, embora achamos que existe um potencial enorme nas artes generativas, artes digitais, etc. Tem tudo a ver e, aliás, vamos ter um exemplo aqui ao lado com o Reboot. Além disso, nós próprios também começámos a leccionar outros cursos e pode ser que surjam alunos de outras áreas interessados, nomeadamente de Mediação Artística e Cultural e de Animação Sociocultural.”

André e Nuno negam a ideia de fablab “nascidos por decreto”, seja porque é moda ou porque existe uma oportunidade de financiamento à qual uma estrutura pública se candidatou. Para os dois professores de design, é essencial existir uma comunidade. “Os fablabs nascidos por decreto acabam por se sobrepor a uma organização comunitária que, se calhar, estava ali ao lado mas ninguém ligou”, explica André. “Aqui existiu uma oportunidade de financiamento mas foi para uma máquina apenas que ia responder a um trabalho de investigação e que depois se quis rentabilizar. O FabLab Benfica nasceu de um encontro de vontades.”

“Um fablab é um espaço que tem de estar aberto à comunidade. A comunidade são os estudantes agora mas existe uma vontade de abrir o FabLab Benfica à comunidade geral do bairro”, comenta André, referindo que é um trabalho genuíno que se vai fazendo de ano lectivo para ano lectivo, “que são as unidades de tempo pelas quais nos orientamos”. “Mas têm de haver um hábito de criação da comunidade também. Não faz sentido que venham cá imprimir bonecos por imprimir, tem de haver uma necessidade criada, um propósito”, entende.

A Lisbon Maker Faire, cujo regresso o FabLab Benfica decidiu organizar, é mais um passo nesta abertura do projecto além do campus do Politécnico de Lisboa. Depois deste evento, que será gigante para uma organização pequena e humilde como o FabLab Benfica, André Rocha e Nuno Monge vão retomar os dias abertos, tanto para o público em geral (que são inteiramente gratuitos, só precisam de trazer materiais ou de os adquirir no fablab a preço de custo) como para a comunidade do Politécnico – tanto docentes como estudantes. “Temos alguns colegas da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) que já vieram cá, do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) também, apesar de eles lá terem uma oficina semelhante, ainda que não tão aberta como a nossa porque não terem recursos humanos suficientes.” André e Nuno orgulham-se de ter um fablab com “bastante dinâmica a nível nacional” e com dias abertos todas as semanas, apesar de reconhecerem que o seu trabalho pode não estar suficientemente divulgado no bairro de Benfica ou na cidade.

Certo é que a existência do FabLab Benfica dentro de uma escola, ao invés de fora dela mas em Benfica, por exemplo, lhe confere uma identidade diferente. “Acho que o que é mesmo importante é que nasça onde exista uma comunidade ou potencial de criação de uma comunidade. Aqui havia eu, havia o Nuno, há colegas que se vão juntando, alunos que se vão juntando, uma ligação com o bairro que se vai estabelecendo aos poucos… e uma comunidade vai agregando-se”, explica André. Para os dois responsáveis do FabLab Benfica o encaixe do projecto dentro da ESELx permite complementar a oferta educativa da instituição, explorando as intersecções entre educação, design, arte e novas tecnologias. Alimenta-se a utopia de ‘escola-laboratório’, onde alunos podem aprender fazendo, isto é, onde o ensino é baseados casos práticos, que permitem aos alunos resolver problemas com os quais são confrontados e perceber a teoria geral a partir desses casos particulares. “O fablab pode ter um papel relevante nestas novas tendências de ensino.”

O FabLab Benfica vai organizar nos dias 11 e 12 de Outubro o regresso da Lisbon Maker Faire, que acontecerá no campus do Politécnico, ao ar livre, e que reunirá fazedores de vários cantos do país. Simultaneamente, no Palácio Baldaya, a poucos metros dali, realizar-se-á o Reboot, um encontro dedicado às artes digitais. Será mais ou menos nos mesmos dias, entre 10 e 13 de Outubro. Podes saber mais sobre estes eventos aqui.

Fotos de Mário Rui André/Shifter

Autor:
6 Outubro, 2019

Jornalista no Shifter. Escreve sobre a transição das cidades e a digitalização da sociedade. Co-fundador do projecto. Twitter: @mruiandre

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