2009: o ano 1 para a Amor Fúria

2009: o ano 1 para a Amor Fúria

1 Julho, 2019 /

Índice do Artigo:

Se em 2018 dedicámos um texto aquele que foi o ano de explosão da FlorCaveira (2008), em 2019 é a Amor Fúria que merece uma reflexão sustentada naquilo que foi o seu primeiro ano de edições constantes (2009). Foram quatro: Os Quais, Os Golpes, os Smix Smox Smux e os Velhos.

Imagem do site da Amor Fúria via https://webindiept.home.blog/2019/01/28/amor-furia/

Os Quais

Se descontarmos As Aventuras do Homem Arranha, de Manuel Fúria, uma parceria com a FlorCaveira, este EP d’Os Quais, apropriadamente intitulado Meio Disco, é a primeira edição Amor Fúria. Há tempos, por alturas do famoso blackout do Myspace, Tiago Cavaco/Guillul, em declarações radiofónicas, referia que algumas edições FlorCaveira e Amor Fúria nasceram e morreram naquela plataforma. Não é o caso deste EP d’Os Quais, que graças a este canal, é possível ouvir no YouTube. Mas esta referência ao Myspace a propósito de uma recordação desses tempos em que, certa vez, numa visita à página de Myspace d’Os Quais, a­ escolha da foto (de perfil?) pareceu-me feliz: Eusébio e Pelé, Portugal e Brasil, certeira ilustração de apresentação para aquilo que é um dos mais singulares registos desse ano. Mas se a visão macro nos permite situar este som que, para todos os efeitos, é pop, a micro é mais desconcertante e avessa a arrumações: a presença de um omnicord, instrumento que este disco me deu a conhecer, o final de “Lero-Lero” e o improviso de Coltrane em “Caído no Ringue”, o single que vem na última posição do alinhamento, prova provada que as vendas não seriam tanto a prioridade.

Duas curiosidades. A primeira: começa aqui (julgo eu) uma troca de citações “inter-editoriais” entre Amor Fúria e FlorCaveira: em “A Rapariga da Caixa”, Jacinto Lucas Pires canta de forma triunfal: “No meu iPod oiço PONTOS NEGROS!”. Mais tarde, seriam os Capitães da Areia a citar Os Quais, em particular a “Bife no Chiado”. A segunda: também sobre “A Rapariga da Caixa”… qual seria a probabilidade de, no espaço de menos de um mês, serem editadas duas canções sobre raparigas da caixa… de supermercado? A outra é a muito mal amada “Queen of the Supermarket” do Boss.

Os Golpes

Destes quatro nomes, sem dúvida, os Golpes foram os que se levaram mais a sério, daí que Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco soe tão grandioso. O revivalismo pós-punk teve dificuldades em entrar em Portugal. E se descontarmos o cantado em inglês (cof cof, X-Wife), não sobrará quase ninguém. Mas reduzir a banda a uma coisa tão efémera e que na altura já definhava seria injusto. A banda, como boa parte das coisas editadas pelo tal eixo FlorCaveira-Amor Fúria, tem ambições de mexer com o país e eventualmente com o mundo. Há meses, no concerto de celebração de 10 anos de IV, de Tiago Guillul, Manuel Fúria brincava (ou não) com essa ideia de domínio global e faz sentido socorrer-nos do épico “A Marcha dos Golpes” para sustentar esta ideia. Canta Fúria: “golpe a golpe inventamos Portugal”. Em 2009, em tempos de crise global, o país já se tinha habituado a soletrar a palavra há décadas. E a crise não é só económica, também pode ser esendida à cultura, no geral, e à música, no particular: o país que quase só se expressava em inglês. Quem o ia entender? Como é que se exploram as histórias que esta gente explorou sem expressões como “canção de baile” ou “gerados por uma pátria ausente”? Ou ainda: “isto é folclore disfarçado de roque and role” que, vou arriscar, parece uma citação a “Isto é Folclore” de Guillul, cantiga de abertura do clássico IV. Esta constante partilha de citações não é por acaso já que esta gente andava enfiada nas casas e estúdios uns dos outros. Este é Jorge Cruz, que já preparava os Diabo na Cruz, quem produz. E, para além da tal espécie de revivalismo pós-punk em constante fusão com a tradição, há uma coisa/causa comum nestas duas bandas: uma vontade de, através das suas canções e metáforas, cantar um país em crise de valores. Virou! dos Diabo na Cruz parece-me gritante, mas esse fica para o último trimestre de 2019.

Os Velhos – Os Velhos EP

Honestamente não tenho muito para dizer em relaçao ao EP d’Os Velhos. Quase não está documentado na Internet, embora seja possível ouvi-lo no YouTube. Há uma ideia que se nota em todas estas bandas: conseguimos perceber a cidade que os alberga através das letras. A exceção serão Os Golpes cujos membros serão mais dispersos e que até nisso parecem explorar a ideia de país como um todo, das cidades aos bailes do interior. Os Velhos levam-nos à Feira da Ladra logo a abrir, em “A Era Moderna”. E depois há a versão portuguesa para “Heaven is a Place on Earth”.

Smix Smox Smux – Eles São os Smix Smox Smux

Se comecei o texto d’Os Golpes referindo que é a banda que mais se leva a sério, muito se deve aos Smix Smox Smux. Se a ideia-chave do texto dedicado aos Velhos é a de quem cada uma destas bandas mostra através da sua música a cidade que as alberga, muito se deve aos Smix Smox Smux. Em “Aquecimento Global”, a subversão de vários assuntos da altura que preenche o disco, leva-os a concluir que “finalmente há praia em Braga”, ou seja, enquanto mestres do jucoso e do politicamente incorreto, a banda é a favor de um dos maiores flagelos dos nossos dias. Talvez não o conseguissem fazer em 2019, no tempo das redes sociais e da crítica fácil. Mas em Braga, Porto, Coimbra ou Lisboa, estas canções dizem-nos coisas de um tempo específico: “Toques Polifónicos” e a transição para os smartphones, “Uísqui” e aquele amigo que quando saía à noite pedia sempre o uísqui-cola (infelizmente nunca conheci nenhum que misturasse com Chocapic). Um nonsense que merecia ter sido cantado em Braga, Porto, Coimbra, Lisboa e onde quer que haja uma festa académica.

 

Autor:
1 Julho, 2019

O Pedro Arnaut recua uma década no ano em que estamos para recordar músicas, discos e bandas que andavam por aí a rodar nessa altura. Porque 10 anos é muito tempo.

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