Artigo 13 é “desnecessário e desproporcional”, alerta relator para Liberdade de Expressão das Nações Unidas

Artigo 13 é “desnecessário e desproporcional”, alerta relator para Liberdade de Expressão das Nações Unidas

12 Março, 2019 /
David Kaye (foto de ONU via Twitter)

Índice do Artigo:

"A falta de linguagem clara e precisa na Directiva vai criar ainda mais incerteza legal."

A reforma dos direitos de autor para o Mercado Único Digital tem sido polémico mas por muito que os movimentos cívicos façam barulho parece que faltam instituições que lhes dêem sequência. As manifestações são apelidadas de mobs, os activistas de piratas e com todo este esquema retórico vai-se desvalorizando a reacção dos cidadãos face, essencialmente, aos polémicos Artigo 11 e 13.

Foi sobre o segundo que David Kaye, relator especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, se expressou e as suas considerações não deixam margem para dúvidas. Segundo Kaye, o Artigo 13 e a necessidade por este imposta de que o conteúdo seja filtrado antes de ser tornado público não é necessário nem uma resposta proporcional às infracções de direitos de autor que têm sido praticadas online: “O Artigo 13 da proposta directiva parece destinado a levar as plataformas de internet a monitorizar e restringir o conteúdo gerado pelos utilizadores desde o ponto do carregamento. Tanta pressão para filtragem pré-publicação não é nem necessária nem uma resposta proporcional às infracções de direitos de autor online.”

David Kaye vai mais longe na sua exposição, fazendo soar os alarmes sobre o retrocesso que no seu entender a formulação dos artigos provoca. Para o especialista em Liberdade de Opinião e Expressão, é um facto que a Europa tem a responsabilidade de modernizar o regulamento dos direitos de autor, mas isso não pode ter como custo a liberdade de expressão de que os europeus gozam actualmente.

Kaye fala também sobre as excepções e a forma dúbia como aparecem inscritas na lei, alertando para o facto da última versão da directiva não salvaguardar as preocupações levantadas durante o trílogo e não ser completamente clara quanto às excepções. Para David Kaye, mesmo os advogados mais experientes terão dificuldades em distinguir uma violação de direitos de autor de uma das suas excepções, que, por sua vez, ficam dependentes de cada Estado-membro: “A falta de linguagem clara e precisa na directiva vai criar ainda mais incerteza legal.”

Por último, o relator das Nações Unidas aborda outras das questões fundamentais e mais debatidas em torno da directiva, revelando a sua desconfiança sobre a eficiência dos algoritmos. É que ainda que não esteja explicita na lei a necessidade de filtros pré-upload, esta parece uma condição implicita e sobre a qual nenhum político proponente foi capaz de dar esclarecimentos adicionais: Confiar nas tecnologias de filtragem para distinguir entre infracções de direitos de autor e usos legítimos de material protegido vai escalar o risco de erro e censura. Quem vai suportar todo o risco destas práticas? Geralmente os criadores e artistas a quem falta recursos para contestar estas alegações.”

David Kaye reforça a ideia de que a lei deveria ser debatida em convergência com as associações de defesa dos direitos digitais, artistas, jornalistas e outros representantes da sociedade civil.

https://shifter.sapo.pt/2018/12/algoritmos-falhas-exemplos/

 

O que se tem passado

O aviso de Kaye não surge sem contexto; apesar de não ter eco na imprensa nacional a reforma da directiva tem feito correr muita tinta. Um outro caso a merecer destaque e a crítica quer de activistas, quer de oponentes ao artigo, como a eurodeputada Julia Reda, foi o vídeo publicado pela conta de Twitter do Parlamento Europeu.

Nesse conteúdo, alegadamente explicativo sobre a reforma dos direitos de autor, o Parlamento Europeu acaba por implicitamente revelar uma posição favorável à sua aprovação, sem cumprir a equidistância exigida de um órgão político face uma lei ainda em processo de discussão, algo que deixou descontentes e atentos muitos dos interessados.

Julia Reda conduziu mesmo uma pequena investigação, descobrindo que a empresa responsável pelo vídeo, a AFP, já antes tinha feito lobby pela passagem do Artigo 11, algo que pode representar um conflito de interesses tendo em conta que se trata de uma gigante empresa de media, uma agência noticiosa.

Autor:
12 Março, 2019

O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

Ver todos os artigos
Partilha este artigo:
Recebe os conteúdos do Shifter, semanalmente no teu e-mail.

Apoia o jornalismo e a reflexão a partir de 2€ e ajuda-nos a manter livres de publicidade e paywall.