A robô Sophia não é assim tão inteligente

A robô Sophia não é assim tão inteligente

12 Novembro, 2017 /

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O robot sensação do Web Summit é um avanço falso de inteligência artificial.

Vivemos num mundo cada vez mais rodeado por inteligência artificial, mas ainda não temos noção do impacto real dessa tecnologia nas nossas vidas. Percebe-se isso quando ficamos maravilhados com um robô como a Sophia. É certo que a concessão de cidadania pela Arábia Saudita a esta Sophia significa que, pela primeira vez e de um ponto de vista legal, uma máquina é equiparável a um ser humano (o que levanta um debate sócio-político pertinente), mas a primeira robô-cidadã é também uma demonstração muito básica do que a inteligência artificial é capaz de fazer. E não vai levar, de todo, ao fim da humanidade.

Inteligência artificial é a ideia de que um computador consegue pensar e executar tarefas segundo uma determinada lógica. Se aplicada ao conceito de aprendizagem automática, os computadores não só são capazes de pensar como de aprender, agindo em conformidade com o que sabem de experiências passadas e/ou de uma infinidade de exemplos. A concretização mais imediata da inteligência artificial e da aprendizagem automática chama-se redes neurais artificiais – são como as redes neurais do nosso cérebro, permitindo processar dados e estabelecer relações de forma a criar determinadas conclusões práticas. Tal como as humanas, as redes neurais artificiais podem ser treinadas. Por exemplo, uma aplicação de fotos tem algoritmos capazes de identificar as fotos de praias que tirámos com o nosso telemóvel, porque foi previamente treinada com inúmeras imagens de praias.

Actualmente, muito do software à nossa volta já usa redes neurais para executar e grande parte dele está nos nossos bolsos. Além do Google Photos (exemplo anterior), temos as assistentes pessoais como a Siri, o Google Assistant, a Alexa e a Cortana, que tornam os nossos telemóveis mais inteligentes e úteis. São capazes de nos alertar para sair para aquela reunião a determinada hora por causa do trânsito ou avisar que temos de comprar pão quando passamos perto do supermercado. Executam tarefas por nós e respondem às nossas perguntas.

Estes sistemas, que não estão só disponíveis nos smartphones mas que também se materializam em colunas, têm sido desenvolvidos ao longo dos últimos anos por algumas das tecnológicas com mais recursos – Apple, Google, Amazon e Microsoft – e são hoje, provavelmente, mais avançadas que a Sophia. Afinal, a robô criada pela empresa Hanson Robotics, liderada pelo especialista em inteligência artificial David Hanson, representa um falso avanço desta tecnologia.

Sem tirar o mérito ao produto, a Sophia é uma execução básica da inteligência artificial – é apenas um robô que tem um corpo humano mas que, tecnicamente, não é mais capaz que uma coluna como a Alexa ou o Google Assistant. Tal como estas colunas, a Sophia responde a determinados comandos pré-estabelecidos (como os que podem ser encontrados aqui), não tendo as capacidades de aprendizagem que esses assistentes pessoais, mais desenvolvidos, já têm. Até os sorrisos são respostas escritas e programadas.

A diferença substancial é que, pela primeira vez, a inteligência artificial assume uma forma humana, o que nos pode deslumbrar, por um lado, e fazer pensar sobre o futuro, por outro. Não existem, contudo, razões para nos preocuparmos. A inteligência artificial, seja na forma de robô ou noutra, não vai anular a humanidade, tomando conta do mundo. O maior perigo desta tecnologia é a ignorância – é ainda permitir às máquinas agir erradamente por não conhecerem algo/não serem capazes de aprender. Outras das nuances importantes da inteligência artificial como agora se revela tem a ver com a replicação que a máquina acaba por fazer dos preconceitos e ideias base de quem a programou.

É benéfico o desenvolvimento da inteligência artificial, de forma a que as máquinas sejam cada vez mais inteligentes e capazes de executar operações que actualmente escravizam milhares de pessoas em todo o mundo. Em contraponto não é necessariamente benéfico que a aplicação dessa inteligência em máquinas assuma a forma humana.

É certo que, ao contrário da Alexa, a Sophia tem direitos humanos pelo menos num país do mundo – Arábia Saudita. É o primeiro humanóide (se assim lhe podemos chamar) com enquadramento legal e político, com mais direitos, por exemplo, que as mulheres na própria Arábia Saudita e entrevistas nos principais órgãos de comunicação social portugueses. A decisão deste país de conceder cidadania a um robô pode ser vista como uma tentativa conseguida de despertar a atenção internacional, através de sucessivos destaques na imprensa e em eventos como o último Web Summit, em Lisboa. Numa era que começa a caminhar para o pós-petróleo, a Sophia ilude-nos sobre uma Arábia Saudita inovadora, disruptiva, atenta ao futuro. Em sentido inverso, a encenação da autonomia da Sophia passa por sua vez uma ideia errada da sua independência e capacidades.

O caricato robô que fez as maravilhas do primeiro dia de Web Summit apresenta-se assim mais como uma potencial questão ética do que tecnológica. O próprio sentido da sua evolução, procurando sintetizar e replicar expressões próprias do seu humano, é questionável, uma vez que nenhuma destas características será necessariamente útil na sua relação ao serviço da humanidade. Várias são as vozes críticas na direcção deste invento que o apontam mais como uma bizarria criativa do que como o avanço científico que diz ser.

Autor:
12 Novembro, 2017

Jornalista no Shifter. Escreve sobre a transição das cidades e a digitalização da sociedade. Co-fundador do projecto. Twitter: @mruiandre

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