Parece contraditório, mas o maior financiador mundial de combustíveis fósseis divulgou a semana passada um documento para alertar os seus clientes de que a crise climática ameaça a sobrevivência da humanidade e que o planeta está numa trajetória insustentável.
O relatório da JP Morgan sobre os riscos económicos do aquecimento global causado pelo homem afirma que a política climática tem mesmo de mudar ou que o mundo enfrenta consequências irreversíveis. O jornal britânico The Guardian, que teve acesso e divulgou o documento, refere que o estudo condena implicitamente a estratégia de investimento do próprio banco norte-americano e destaca preocupações crescentes entre as principais instituições de Wall Street sobre os riscos financeiros e de reputação do financiamento contínuo de indústrias de carbono, como petróleo e gás.
A JP Morgan forneceu 75 mil milhões de dólares em serviços financeiros para as empresas que se expandem mais agressivamente em setores como fracking (ou fraturamento hidráulico, um método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo) e exploração de petróleo e gás no Ártico desde o acordo de Paris, segundo uma análise compilada pelo Guardian no ano passado.
O The Guardian revela ainda que o relatório foi obtido por Rupert Read, um porta-voz do grupo activista Extinction Rebellion e académico de Filosofia da Universidade britânica de East Anglia.
Segundo a BBC, o banco já tinha alertado os seus clientes para as consequências das alterações climáticas outras vezes, mas nunca com termos tão fortes como os usados agora. A pesquisa dos economistas da JP Morgan, David Mackie e Jessica Murray, diz que a crise climática afetará não só a economia mundial, mas a saúde humana, o stress hídrico, a migração e a sobrevivência de outras espécies na Terra. “Não podemos descartar resultados catastróficos onde a vida humana como a conhecemos está ameaçada”, observa o artigo, datado de 14 de janeiro.
Com base em extensa literatura académica e previsões do Fundo Monetário Internacional e do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o artigo observa que o aquecimento global está a caminho de atingir 3,5°C acima dos níveis pré-industriais até ao final deste século. Os autores urgem a ação dos responsáveis políticos, escrevendo que as decisões precisam de mudar de direção porque uma política climática business-as-usual iria levar a Terra a “um ponto em que não a vemos há muitos milhões de anos”, com resultados que podem ser impossíveis de reverter.
Imposto Global
O banco de investimentos diz que as mudanças climáticas “refletem uma falha no mercado global no sentido de que produtores e consumidores de emissões de CO2 não paguem pelos danos climáticos resultantes”. Para reverter isso, destaca a necessidade da criação de um imposto global sobre o carbono, mas alerta que tal “não acontecerá tão cedo” devido a preocupações com empregos e competitividade.
Sem nomear nenhuma organização, os autores dizem que mudanças estão apenas a acontecer a um nível “micro”, envolvendo alterações no comportamento de indivíduos, empresas e investidores, mas é improvável que isso seja suficiente sem o envolvimento das autoridades fiscais e financeiras.
No ano passado, uma análise compilada pela Rainforest Action Network (uma organização ambiental dos EUA) para o The Guardian, revelou que a JP Morgan forneceu mais financiamento ao sector de combustíveis fósseis entre 2016 e 2018, que qualquer outro banco do mundo.
Rupert Read, o professor responsável por divulgar o estudo ao The Guardian, comentou que o banco é “considerado por alguns o maior financiador de combustíveis fósseis do mundo” e que se os próprios investigadores da instituição dizem “que o futuro da raça humana está em jogo”, o próprio banco deve mudar de direção. “É bom que eles [os investigadores] estejam a dizer a verdade – não é bom que eles [o banco] continuem sendo um forte financiador de combustíveis fósseis”, disse ele. “Toda a gente tem de ter responsabilidade pela mudança, sejam eles gestores de ativos, investidores institucionais, executivos ou acionistas“, acrescentou.