Embora nem sempre surjam no espaço público com uma voz activa na discussão dos fenómenos, os arquitectos têm uma tendência e uma capacidade particular para pensar e criticar a forma como vivemos. Pelo seu amplo conhecimento e experiência com a forma como as coisas são feitas, em primeira instância, e experienciadas, em segunda, desenvolvem o seu sentido apurado para detectar a forma como os nossos ambientes modelam os nossos comportamentos. Como dizia anteriormente, durante a inauguração da sua última exposição no Guggenheim, Rem Koolhaas reconhece como a sua profissão está intimamente relacionada com “os valores, os desejos e as necessidades dos seres humanos” e, por isso, tem uma palavra a dizer sobre a forma como actualmente nos organizamos.
Num artigo da Time, o arquitecto holandês, autor do projecto da Casa da Música, no Porto, partilhou alguns pensamentos sobre o momento em que vivemos e só por piedade poupou os leitores a um sintético e cáustico “eu avisei”. Countryside é o título da sua última exposição, entretanto suspensa pelo surto de coronavírus, e um convite à reflexão sobre os espaços deixados vazios por uma população que se concentrou de uma forma massiva. Conforme explica, 50% das pessoas ocupam 2% do espaço nas metrópoles e, se essa problemática se apresentava como perfeitamente casual e praticamente inofensiva, o vírus e a sua correlação com a densidade populacional mostraram o cenário inverso. Para Koolhaas, o problema não é necessariamente o culto das cidades, mas aquilo em que elas se tornaram e em que tornaram as zonas rurais: num espaço negligenciado que agora se torna apetecível por ser mais vazio, propício a modos de vida mais simples e ao cultivo do próprio alimento.
Para o arquitecto holandês, a arquitectura materializa as transformações que o mundo vai vivendo e, para si, é preocupante a perda de identidade a que as cidades estão a ser sujeitas pela pressão crescente do mercado criado pelo turismo – Koolhaas aponta neste capítulo para o surgimento, nas últimas duas ou três décadas, de cidades sem propósito a não ser a atracção de visitantes estrangeiros como um mau sinal dos tempos a que pouco se tem prestado atenção.
Noutra crítica, já habitual no seu repertório, o arquitecto debruça-se sobre um importante marco da vida contemporânea, os aeroportos, criticando a forma como se deixaram moldar, mais do que pela sua função, por uma lógica de maximização das oportunidades de consumo, em que somos obrigados a mergulhar num percurso que nos leva a passar por um sem fim de lojas.
No mesmo tom, Koolhaas desafia os seus pares a focar o seu pensamento e a reiterar a importância de um pensamento crítico sobre o espaço e as relações que este contempla, atendendo às evoluções que o mundo vai vivendo, para que a evolução da cidade não seja acrítica e, de certo modo, alienada, não respondendo aos desafios do tempo. Nesse particular, refere a importância de ir pensando o futuro; o arquitecto fala tanto do espaço de que a crescente digitalização da tecnologia precisará – sobre a forma de centros de dados –, como da forma como humanos e robôs podem conviver em cidades contemporâneas e em relações igualitárias, sem cultivarem múltiplas dependências ou imposições. Koolhaas reflecte sobre o habitual carácter destas relações, com a tecnologia rectangular e hermética, sugerindo que esta relação deve ser repensada com o crescimento da importância e da centralidade do universo digital no nosso modo de vida contemporâneo.
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