Saíram entre 30 de Novembro e 1 de Dezembro, pelo que não foram a tempo de quase nenhuma lista de balanço de 2009 nem da década passada. Dois clássicos absolutamente imprescindíveis da música nacional não só dos últimos dez anos, mas de sempre.
Samuel Úria – Nem Lhe Tocava
Há dez anos, Kanye West acrescentava mais um momento inconviente à sua lista entretanto todos os anos actualizada, entre 2010 a 2019, com melhores ou piores resultados discográficos pelo meio. No final de mais uma década, a questão que se colocava era: o que poderia fazer Kanye para lhe ser passado um definitivo atestado de loucura? Um disco cristão, claro.
Porque agora, como quase sempre nos casos em que os músicos assumem a sua fé, o álbum é visto como o menor da sua discografia. Não querendo assumir aqui uma posição, parece-me claro que Jesus is King não está ao nível do melhor de Kanye West, mas a verdade é que o melhor Kanye terá ficado na década anterior.
Serve esta introdução para contextualizar a estreia “oficial” de Samuel Úria, Nem Lhe Tocava, registo cristão, mas não assumidamente cristão no sentido em que Kanye West promoveu Jesus. Isto para dizer que há duas formas de fazer isto: assumir que é um manifesto cristão e conviver com a desconfiança imediata que isso acarreta ou não assumir rigorosamente nada, mas deixar implícito que o álbum é indissociável daquilo que é a fé de todos os dias. Samuel Úria não esconde nada, está lá tudo, mas não faz disso bandeira ou, como no caso de Kanye, show off.
Ao longo dos últimos dez anos fomos conhecendo melhor Úria e, por isso, conseguimos hoje contextualizar melhor este Nem Lhe Tocava. Algumas coisas avulso que estão metaforicamente aqui ou não: é fã de westerns, orgulhoso tondelense, dorme poucas (muito poucas) horas, não responde a 99 por cento das abordagens digitais.
Não sendo grande fã de análises canção a canção, parece-me fazer algum sentido colocar algumas considerações aqui: “Fel” é uma magnífica subversão e dica para quem o toma por baladeiro e afasta de vez esse chavão, faz sentido mencionar “Água de Colónia da Babilónia”, pois vem aqui a única citação direta à fé através de um excerto do Salmo 137. “Império”, impressionante, vai por metáforas certeiras não precisando citar as Escrituras e cria um hino que podia muito bem ser tocado na Igreja Baptista da Graça. “Teimoso” é uma espécie de “Losing My Edge” , mas bem mais directa.
Numa entrevista ainda disponível na net, diz ser apreciador de uma “sonoridade rasca típica de um tipo imperfeito” como ele (e não será por acaso que chamou ao EP anterior Em Bruto), mas que teve que sacrificar aqui porque surgiu a oportunidade de gravar em estúdio, com Tiago Cavaco na produção. E peguemos em Cavaco/Guillul precisamente: embora dê ideia de ter aberto caminho a Samuel Úria, a verdade é que o tondelense acabou por reclamar um lugar só seu.
B Fachada – B Fachada
Se Samuel Úria menciona uma ideia de som crú que teve que abdicar, o mesmo se pode dizer do som de B Fachada, pois a espontaneidade já só se manifesta nestas letras que talvez hoje, dez anos depois e com a poeira assente, possam conhecer o crédito que merecem, principalmente da parte do público (a crítica aclamou-o) que entretanto já não tem aqui um fenómeno para combater. Em 2019 é mais Conan Osiris e, por estes dias, Greta.
Basta passear por estas canções no YouTube para perceber o quão polarizador B Fachada era em 2009/2010. É ir ao link da magnífica “Desamor”, por exemplo. Vai de um “esta canção já é um clássico” até a sugestões de duetos com Zé Cabra. Sim, a Internet em 2009 já era assim.
Não valerá a pena estender demasiado este texto, pois já contextualizámos o que representou como artista quando há meses assinalámos Um Fim de Semana no Pónei Dourado. A questão é que não tínhamos como não assinalar o disco definitivo de Fachada.
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