10 livros para te dar que pensar neste verão

15 Julho, 2025 /
Entre as opções podes encontrar livros que te permitem perder por universos de ficção emocionantes e desligar um pouco do que te rodeia, como outras opções que te permitem aprofundar a ligação ao mundo real e discernir os próximos passos.

Seja por que os dias (ainda) estão maiores, porque o tempo convida a passar as manhãs numa esplanada na companhia de um livro ou porque tens direito a umas férias mais prolongadas nesta altura, é unânime que o verão é uma boa altura para pôr as leituras em dia ou descobrir novas obras. Por isso, e porque queremos continuar a dar-te que pensar para além do algoritmo, convidámos um grupo de leitores a quem reconhecemos um dedo curatorial criterioso a partilhar connosco as suas sugestões de leitura.

O resultado é uma lista eclética que conta com livros de ficção e não ficção, clássicos e contemporâneos, manifestos e investigações, uns publicados em português e outros não, e até um livro praticamente fora de circulação comercial (que podes encontrar numa biblioteca próxima de ti). Entre as opções podes encontrar livros que te permitem perder por universos de ficção emocionantes e desligar um pouco do que te rodeia, como outras opções que te permitem aprofundar a ligação ao mundo real e discernir os próximos passos. Feita a introdução, só nos resta desejar: boas leituras.

Enemy feminisms: TERFs, Policewomen, and Girlbosses Against Liberation, de Sophie Lewis | Sugestão de Carolina Flores, filósofa e professora

O “feminismo” transfóbico costumava parecer-me uma apropriação do feminismo pela direita vinda de lado nenhum. Este livro mostrou-me que estava profundamente errada e desafiou-me a repensar radicalmente a história do feminismo.

Com uma escrita mordaz e deliciosa e baseando-se em investigação rigorosa, Sophie Lewis guia-nos por um arquivo pouco conhecido do que chama “feminismos inimigos”: desde feministas a favor do imperialismo britânico no XIX ou ex-sufragistas que se tornaram (literalmente) fascistas e criaram polícias próprias, até feministas islamófobas, pornófobas, ou transfóbicas dos nossos dias. A lição: a defesa dos direitos das mulheres, quando isolada de consciência política mais alargada, facilmente se transforma na defesa do estatuto social elevado de algumas mulheres.

Não se pense que o livro odeia o feminismo ou o vê como fraco, no entanto. Pelo contrário, Lewis argumenta ferozmente por um feminismo centrado na construção de afinidades com as pessoas que o capitalismo transforma em monstros, na comunitarização dos cuidados e na libertação do prazer. Leitura obrigatória não só para qualquer feminista como para qualquer pessoa que queira compreender o nosso momento político ou que esteja a precisar de uma injeção de ambição utópica.

Martyr!, de Kaveh Akbar | Sugestão de Marta G. Franco, jornalista e escritora

Este é o romance mais emocionante que li em muito tempo. Apesar de estar construído à volta da demasiado usada e aborrecida premissa de um escritor emergente à procura do seu primeiro e pretensioso livro, consegue ser refrescante, divertido e cativante.

Se calhar é porque o tal escritor é um protagonista não tão comum: um jovem bisexual que explora a sua origem iraniana em ambientes culturalmente snobs mas monetariamente precários dos Estados Unidos, enquanto não se consegue safar de vícios e melancolias absurdas. Se calhar é porque, apesar disso, é um romance coral narrado desde diversos pontos de vista, e cheio de personagens diversos e situações imprevistas. Se calhar é porque está tão bem escrito que cada um dos seus capítulos, sempre breves e ágeis, pode ser lido por si como um conto redondo. Ou se calhar é porque ninguém pode ficar indiferente perante tal estapafúrdio de sentimentalidade e celebração da vida e do amor. Simplesmente delicioso.

Rejection, de Tony Tulathimutte | Sugestão de Miriam Sabjaly, jurista e ativista anti-racista

Nem romance nem contos, ou um romance em contos – dependendo do ângulo, Rejection é a segunda obra publicada pelo autor Tony Tulathimutte, em 2024. O livro reúne, para mim, duas características essenciais para que uma leitura de verão seja verdadeiramente satisfatória: é compulsivo e devastadoramente cómico. Consome e deixa marcas, como se tivesse dentes. Descrito como o primeiro “romance incel”, Rejection ultrapassa o retrato da experiência individual da rejeição para se tornar numa meditação sobre o que fazemos com essa experiência; um estudo sobre as consequências chocantes, violentas ou repugnantes de magnificar uma vivência individual (ainda que amplamente partilhada, facto frequentemente obscurecido pela vergonha) e torná-la numa visão totalizante do mundo. As pessoas em Rejection são millenials ou zoomers. São autocentradas, cronicamente inseguras, até patéticas, consumidas pela linguagem da identidade e do privilégio. Não são delas próprias; as suas realidades são inteiramente mediadas pela Internet. A sua autoconsciência é gerada e alimenta-se de uma era digital que expande e achata, que ridiculariza a nuance e não acredita em proporções. A sua solidão é particularmente trágica, porque é autorreforçada. As personagens de Tulathimutte vivem numa constante busca por atenção (a sua única ideia de afeto), mas só a recebem do autor. Tulathimutte observa, disseca, e expõe, sem compaixão ou contenção. E resulta. É como ver, sob uma lupa, as piores partes de nós. E não poder desviar o olhar.

If We Burn: The Mass Protest Decade and the Missing Revolution, de Vincent Bevins | Sugestão de Guilherme Rodrigues, economista e membro da República dos Pijamas

Depois de O Método Jacarta, uma obra focada nas campanhas de terror anticomunistas da Guerra Fria, Vincent Bevins foca o seu segundo livro no período entre a crise financeira e a pandemia.

O jornalista, que enquanto correspondente do Los Angeles Times cobriu os protestos de 2013 no Brasil e o seu desenrolar, argumenta que houveram “revoluções perdidas” na ressaca da crise financeira e tenta entender os porquês. Num estilo caótico, que captura a velocidade e volatilidade da década, Bevins narra os acontecimentos em dez países, com recurso a um longo trabalho de entrevistas àqueles que foram os seus protagonistas.

Uma leitura essencial para todos aqueles que querem entender como uma onda de protestos em massa – como A Primavera Arabe ou As Jornadas de Junho de 2013 – desembocaram em fenómenos como o golpe militar de Abdul Al-Sisi no Egito e a eleição de Jair Bolsonaro.

Liberdade, de Angela Merkel e Kaput – O Fim do Milagre Alemão, de Wolfgang Münchau | Sugestões de João Murta, economista e membro da República dos Pijamas

Com ênfase nos 16 anos que esteve na frente da maior potência da Europa e na sua juventude do lado de lá da cortina de ferro, na República Democrática Alemã, Merkel faz uma defesa do seu legado. As memórias políticas da única mulher a ter ocupado a chancelaria da Republica Federal da Alemanha contam com pontos naturalmente contestáveis, em episódios como a crise das dívidas soberanas da Europa e Israel. Recomenda-se uma leitura crítica, a que o livro abaixo recomendado auxilia no que toca à política económica alemã.

Enquanto ao longo de boa parte deste século a Alemanha foi vendida como um modelo a seguir, com ênfase em estereótipos como a pontualidade e a competência, os últimos anos mostram um país débil e sem soluções fáceis para os desafios que enfrenta, especialmente agudos desde a invasão da Ucrânia por parte da Rússia. Münchau mostra que boa parte dos problemas já eram latentes, em especial na indústria automobilística, central para toda a sociedade germânica. Com muitos dos acontecimentos e personagens a intercalarem-se com o período narrado por Merkel, a leitura de Münchau oferece um contrapeso ao legado que Merkel tenta marcar.

The Dictionary People: The Unsung Heroes Who Created the Oxford English Dictionary, de Sarah Ogilvie | Sugestão de Rafaela Ferraz, escritora e investigadora independente

Tenho andado a pensar no livro The Dictionary People: The Unsung Heroes Who Created the Oxford English Dictionary, de Sarah Ogilvie. O título é bastante descritivo: é um livro sobre os cerca de 3.000 voluntários que trabalharam na primeira edição do Oxford English Dictionary (OED) ao longo de quase três décadas, de 1857 a 1884. Não eram académicos de renome, mas leitores comuns, donas de casa e prisioneiros, cavalheiros e damas e padeiros e tecedeiras, que responderam ao apelo da Universidade de Oxford para contribuir para o dicionário–o que implicava ler livros, selecionar palavras que interessasse definir, copiar citações onde essas palavras surgissem, e enviar cada par, uma palavra e uma citação, para os editores do dicionário, que compilariam depois uma entrada para cada palavra. Para além de ter concluído, uma vez mais, que as obras monumentais se fazem graças a e à custa de trabalho invisível, deixei esta leitura com uma questão: o que é isso de “ler”, o que significa ter uma prática de leitura? Para os voluntários do OED, ler era um ato tão quantitativo como qualitativo: esperava-se que lessem muito e de forma muito variada, mas também que lessem com atenção, rigor, com um foco absoluto nas nuances de cada palavra a dicionarizar. Já por várias vezes me perguntei se estaria à altura da tarefa.

Outside – Notas à Margem, de Marguerite Duras | Sugestão de Carolina Franco, jornalista e diretora do Shifter

“Não há, de facto, jornalismo objectivo. Consegui desembaraçar-me de muitos preconceitos dos quais este é, na minha opinião, o principal.” É com este alerta que Marguerite Duras abre o livro Outside: Notas à Margem, uma coletânea de crónicas e entrevistas que foi escrevendo para vários jornais e revistas. Fê-lo por dois motivos: para se obrigar a sair do quarto e escrever sobre assuntos que lhe davam a volta à cabeça, e por uma questão de subsistência. O livro foi publicado originalmente em 1981 e a tradução portuguesa, assinada por Maria Filomena Duarte e editada na DIFEL, já só se vai encontrando por alfarrabistas e em bibliotecas. Recomendá-lo-ei sempre que tiver uma oportunidade para o fazer, mas escolho-o para esta lista porque acredito que é uma leitura essencial para os tempos que vivemos. Duras vai para as ruas de Paris ouvir operários argelinos que têm medo de sair à rua, crianças que estão a descobrir o mundo, uma freira carmelita. Mas também escreve sobre Jeanne Moreau, Margot Fonteyn e Maria Callas. Há qualquer coisa rara no olhar de Duras e na forma como escreve sobre o que há de belo e de terrível no mundo; talvez seja esse lugar de quem está de fora, sem uma agenda ou uma obrigação informativa. Lê-la é voltar a ter curiosidade pelo mundo.

Terra Queimada, de Jonathan Crary | Sugestão de João Ribeiro, ensaísta e editor do Shifter

No que toca a livros de verão, há pelo menos dois tipos de pessoas. Os que gostam de uma leitura imersiva que lhes tire a cabeça dos problemas do dia a dia ou os que aproveitam a folga para pôr o dedo na ferida sem arriscar o colapso nervoso que pode ser provocado por ler um manifesto revolucionário a caminho do trabalho. Este livro é definitivamente para o segundo tipo de pessoas. Terra Queimada de Jonathan Crary é, dito pelo próprio, um livro escrito numa linguagem panfletária, que se lê como uma denúncia à destruição provocada pelo complexo internético nas sociedades contemporâneas. Lançado uma década depois do ensaio 24/7, que se tornou numa referência ao expôr o carácter totalitário do capitalismo sobre o nosso tempo, Terra Queimada prolonga essa reflexão e denúncia a internet como “uma máquina implacável de vício, solidão, falsas esperanças, crueldade, psicose, dívida, vidas gastas, corrosão da memória e desintegração social”. Uma denúncia que com um tom acessível a qualquer leitor se revela assente numa enorme teia de leituras e referências e que, por isso, se lê como um ponto de partida.

Ética, de Baruch Spinoza | Sugestão de Pablo, Livraria Trama 

Num primeiro momento, hesitámos. Pensámos em Direito de Fuga (Tigre de Papel, 2019), em Resident Foreigners. A Philosophy of Migration (Polity Press, 2020). Por razões óbvias, e nas quais muito está em causa. Pensámos em Catastrophe Time (Strange Attractor, 2023), em In the Shadow of the Silent Majorities (Semiotex(e), 1983) ou em The Twittering Machine (Verso, 2019). Pela paisagem. Em Late Fascism (Verso, 2023), claro, ou no mais recente de Brian Massumi, Toward a Theory of Fascism for Anti-Fascist Life (Minor Compositions, 2025). Diagnóstico e proposta. Acabámos por nos decidir por algo diferente, mas não totalmente, pois neste livro cabe o universo inteiro. Poucos livros lhe poderão oferecer mais neste verão, sub specie aeternitatis, do que este meteorito surgido postumamente, mas que já circulava entre o reduzido círculo dos seus amigos nas turbulentas e liberais Províncias Unidas do século XVII — a Ética de Spinoza. Passado o momento do libertinismo político, temperado na decantação do marranismo ibérico, Spinoza, o ateu virtuoso, essa novidade blasfema, propõe-se nesta obra inesquecível oferecer um guia para nos libertarmos — dentro dos nossos limites (já que continuaremos, inevitavelmente, a ser corpos e mentes, modos finitos) — das nossas servidões desnecessárias, alcançando assim a beatitude ou felicidade através do conhecimento da ordem necessária e da natureza das coisas, e do uso inteligente e estratégico dos nossos afetos. Para tal, constrói um mecanismo filosófico-literário de precisão, more geométrico, apoiando-se e torcendo o cartesianismo em que se formou — e que fez saltar pelos ares a partir dos seus próprios princípios —, estabelecendo os parâmetros ontológicos e epistemológicos de uma vida feliz e racional. Que passa necessariamente por compreender a natureza relacional da nossa precária autonomia, sempre em constante processo de composição e recomposição. Terá isto alguma relevância para uma revista dedicada à reflexão teórica sobre os media e o mundo digital? Sem dúvida, e não é o menor dos prazeres do estudo da Ética ser capaz de ver, nos problemas e debates contemporâneos, o rasto e o sorriso do polidor de lentes de Amesterdão. Veja-se, por exemplo, no Livro II, o esboço da questão de Gaia e da cognição planetária. Se a obra se revelar árdua, pode acompanhar-se a sua leitura com Expressionism in Philosophy: Spinoza (Zone Books, 2005). Feliz verão!

Autor:
15 Julho, 2025
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