Em agosto de 2013, o filme Gaiola Dourada chegava a Portugal e tornava-se num sucesso de bilheteira. Com mais de 100 mil espetadores na semana de estreia, o filme de Ruben Alves foi o filme mais assistido desse ano. A Gaiola Dourada colocava na tela um casal português emigrado em Paris, composto por um trabalhador da construção civil e uma empregada doméstica. Ao longo de 90 minutos retratava-se uma realidade em desaparecimento. A emigração em massa para a França parecia algo do passado, enquanto os filhos dos portugueses em Paris não se limitavam às profissões dos seus progenitores.
O duro ano de 2023 representava um regresso da emigração ao debate nacional, todavia com mudanças. Nesse período o desemprego oficial chegou quase aos 19%, e superou os 40% entre os jovens. O Reino Unido tornava-se no maior destino de emigração, ultrapassando os destinos tradicionais como a França, a Suíça e o Luxemburgo; Angola e outros países da CPLP ganhavam uma importância impensável anos antes. A emigração de jovens diplomados em grandes números era a novidade e dominava a narração. Os enfermeiros a emigrar para o Reino Unido tornaram-se a imagem desta vaga.

Com a economia a recuperar nos anos seguintes e menos pessoas a emigrar, a cobertura mediática foi-se mutando. As duras histórias de separação familiar foram gradualmente trocadas. Os horários nobres passaram a ser pautados pelas vidas dos portugueses diplomados pelo mundo, onde relatos de sociedades quase utópicas mostram benefícios impensáveis em solo nacional. Entre as histórias apresentadas, era feita nas entrelinhas uma investigação sobre os porquês da sociedade portuguesa não ter atingido as suas aspirações – o nível de vida dos países mais prósperos da Europa.
Figuras como Mafalda Rebordão – antiga trabalhadora da Google – passavam a ser convidadas para explicar o que impede a “geração mais qualificada de sempre” de ficar em Portugal. Outros, como o eurodeputado e ex-líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, iam mais longe e afirmam que o país proporcionava melhores oportunidades de emprego aos jovens diplomados no “seu tempo” (aqui e aqui) – ignorando ter sido uma pequena minoria da sua geração.

Entre os diagnósticos, eram geralmente apresentados os efeitos nocivos de uma tirania fiscal (do trabalho à habitação). Em resposta a este clima, foram-se criando isenções fiscais para jovens (aqui e aqui) e para aqueles que regressam (aqui).
No meio de todas estas transformações reais e comunicacionais, os trabalhadores sem diplomas acabam ignorados no discurso mediático. São os primeiros a cair no desemprego, continuam a ser os que mais emigram e os que menos beneficiam dos programas para “jovens” e para “retornar”. Um grupo bastante heterogéneo, tanto do ponto vista regional como étnico, que mistura o “interior” do país e as periferias das áreas metropolitanas.
É nestes emigrantes, maioritários e ainda assim invisíveis, que o filme “On Falling” se foca. Como Daniel Ribas assinala, o filme faz parte de uma onda do cinema português com pontos de contacto com o realismo social inglês, que inclui Listen (2020, Ana Rocha de Sousa) e Great Yarmouth – Provisional Figures (2022, Marco Martins). Os três filmes, ao colocarem no centro do ecrã os emigrantes portugueses empobrecidos no Reino Unido, eternizam aquilo que a comunicação social dominante perdeu o interesse em reportar.
O filme de Laura Carreira e da produtora de Ken Loach (Sixteen Films) mostra-nos a face dos novos emigrantes portugueses, num mundo cada vez mais dominado por gigantes tecnológicos, métricas de produtividade e dispersos no multiculturalismo das periferias.
Realismo Social com características portuguesas
“On Falling” mostra a vida de Aurora (Joana Santos), uma emigrante portuguesa na Escócia que trabalha como picker num armazém de distribuição. O filme captura o vaivém entre o local de trabalho e o seu quarto. Por um lado, é exposto o autoritarismo laboral do século XXI: silencioso, digital e onde as chefias intermédias são apenas capatazes das ordens recebidas por email – um trabalho atomizado, em que trabalhar num escritório é visto como um luxo difícil de alcançar. Do outro lado, está a casa partilhada com emigrantes de outros países da periferia europeia, demasiado próximos para serem desconhecidos, mas distantes para se tornarem companheiros de jornada. Nesta tensão, o telemóvel é o refúgio inevitável nos momentos vazios, ao mesmo tempo que se torna uma prisão que perpetua a solidão.
Ao contrário do realismo social dos últimos filmes de Ken Loach, Laura Carreira não sinaliza uma nostalgia por um passado onde se quer regressar. Esta diferença é mais do que uma questão de estilo cinematográfico. Os seus trabalhos simbolizam o seu próprio momento histórico. A millennial portuguesa mostra que a sua geração não tem um local feliz para onde voltar.
Mais do que nos levar a denunciar o modo dominante de produção e organização social, On Falling transmite o vazio e o sentido de impotência das suas vítimas. As encomendas que Aurora organiza no armazém tornam-se num constante lembrete da sua situação.
Acima de tudo, este é um filme sobre a dureza de sofrer a sós fora do nosso lugar de origem. Todos os pequenos momentos de alívio projetados na tela, por vezes com algum otimismo, são feitos coletivamente – cumprindo a ideia, que Mark Fisher eternizou, de que necessitamos de combater a ideia do stresse e da depressão como problemas do indivíduo e torná-lo um assunto político.
O que é retratado sobre Aurora talvez seja mesmo a maior novidade dos novos migrantes portugueses, semi-invisíveis para a nossa comunicação social: dispersos em cidades que nunca tinham ouvido falar; vítimas da atomização laboral; demasiado isolados da sociedade onde trabalham.
No fundo, sem uma comunidade para chamar de sua e demasiado inconvenientes para a história que se quer contar sobre o país na última década. Certamente não serão estes os emigrantes que serão debatidos na campanha eleitoral que agora arranca.
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