A 20 de Janeiro de 2025, durante a cerimónia de tomada de posse de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América, o multibilionário Elon Musk chocou o mundo ao pontuar a sua intervenção desconexa e confusa com duas saudações fascistas assumidas e descaradas. Musk não é simplesmente um empresário ou um político: trabalha activamente para se tornar uma figura da cultura popular, um personagem, isto é, um ícone. Esse sieg heil surge depois de meses de tentativas pouco subtis para seduzir os gamers e os jovens neo-fascistas da extrema-direita. Qual é o significado cultural e histórico deste gesto?
Outros multibilionários, como o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, foram recentemente convertidos ao trumpismo. A sua profissão de fé anti-woke e a sua apologia da masculinidade tradicional, declaradas ao microfone do podcaster conservador Joe Rogan, no rescaldo da vitória eleitoral do candidato republicano, parece-se mais com uma operação oportunista do que uma experiência de conversão. Tanto Zuckerberg como Musk ainda ontem eram democratas. Mas enquanto Zuckerberg muda de lado ao sabor dos ventos eleitorais, Elon precipitou-se rapidamente, e longe demais para que possa algum dia fazer marcha-atrás sem acidentes. Não só doou largas somas a organizações de extrema-direita europeias, como a AfD alemã, ou a Reform UK, no Reino Unido, como demonstra regularmente o seu apoio a figuras mais radicais — tendo, por exemplo, tornado o hooligan britânico Tommy Robinson num dos seus protegidos. É, portanto, incontestável que as convicções políticas do autor dessa saudação não são incompatíveis com um programa fascista, uma vez que apoia activamente, financeiramente e mediaticamente vários movimentos de extrema-direita contundentes em todo o ocidente.
Uma das reacções mais frequentes nas esferas progressistas foi dizer que o gesto do bilionário era menos importante ou menos significativo do que a apatia inquietante da grande imprensa. É verdade que essa imprensa foi o palco de uma denegação sistemática e desconcertante. Para quem Musk ter-se-ia limitado a oferecer o seu coração à multidão, ter-se-ia deixado levar pela emoção, entre outras interpretações insólitas. No entanto, logo na manhã seguinte à tomada de posse, ao microfone da rádio inglesa LBC, o jornalista James O’Brien oferecia aos seus ouvintes cépticos um teste confiável para que pudessem avaliar o mérito de uma tal defesa. Com todo o pragmatismo característico do empirismo britânico, O’Brien propunha aos defensores de Musk que repetissem o seu gesto nos seus locais de trabalho, no meio da escola dos seus filhos, ou no meio de uma loja cheia de pessoas, e que observassem as reacções em redor, preparando-se para assumir as devidas consequências. Da mesma forma, os jornalistas que correm a socorrer Musk deveriam começar a sua próxima peça televisiva fazendo eles mesmos esse gesto com a mão, e certificando-se de que o repetiam uma segunda vez. Imaginá-lo parece suficientemente convincente para estabelecer a materialidade dos factos: Elon Musk fez efectivamente uma saudação nazi. Mas aquilo que os defensores de Musk recusam perceber é o fascismo subjectivo, pessoal, existencial de Musk. Desse modo, adoptam uma estratégia cultural comprovada, apesar de ser mais familiar no underground de géneros musicais extremos como o punk hardcore ou o metal do que no coração do aparelho de Estado da primeira potência mundial.
Nesse caso, é bastante comum que certas bandas musicais que mobilizam um imaginário fascista e colaboram com artistas abertamente fascistas, e que são produzidas ou distribuídas por editoras discográficas com contactos fascistas, declarem ainda assim o seu «apolitismo». Bill Peel conta que, para não se fecharem as portas a certas oportunidades comerciais, é de bom tom «dissimular estrategicamente a orientação política de um grupo, mesmo quando esta é absolutamente evidente».[1]
A partir do momento em que crescemos num espaço cultural que não é neutro (i.e., que não é susceptível de arbitrar a conflitualidade política), mas antes que se torna neutralizado (i.e., que se abre activamente contra a expressão de toda a conflitualidade política), as provas evidentes de uma adesão ideológica e de uma participação num tecido social fascista não bastam. Apenas uma declaração verbal, irrevogável e com a devida forma pode servir como testemunho de fé. Assim, enquanto Musk não proclamar em alto e bom som o seu amor por Adolf Hitler e a sua admiração pela destruição dos Judeus da Europa, a sua saudação hitleriana permanecerá passível de todas as interpretações por parte dos moderados, com excepção daquela que se destaca a olhos vistos e faz o minimo sentido.
Vemos, então, que esse sieg heil surge no espaço público como uma dupla Gestalt: uma espécie de ilusão indecidível, à imagem do famoso pato-coelho que Ludwig Wittgenstein comenta nas suas Investigações Filosóficas.
Longe de tais pudores, pelo contrário, a extrema-direita da internet entregou-se à exultação. Nick Fuentes repetiu várias vezes o gesto durante a emissão do seu canal, comentando cada detalhe, encantado pelo entusiasmo e honestidade do multibilionário. Um fascínio semelhante tocou Andrew Torba, fundador da rede social Gab, a pequena torre de Babel da extrema-direita plural. E até as milícias nacionalistas brancas como os Proud Boys se juntaram à emoção na rede social do seu novo guia. Longe de demonstrar qualquer sombra de dúvida relativamente à autenticidade e sinceridade do gesto, todas as sensibilidades racistas e grupusculares brancas que povoam o ciber-espaço acolheram imediatamente a saudação nazi de Musk como sua colectiva, clara e incontestável vitória.

Vemos, então, que esse sieg heil surge no espaço público como uma dupla Gestalt: uma espécie de ilusão indecidível, à imagem do famoso pato-coelho que Ludwig Wittgenstein comenta nas suas Investigações Filosóficas. Ainda assim, é preciso esmiuçá-lo. Os meios de comunicação do centro e da direita veem apenas um inocente aceno de mão, o resultado descontrolado de uma salganhada de gestos autistas (Musk tem, segundo se crê, síndrome de Asperger). Por outro lado, os principais especialistas, os infatigáveis praticantes do levantamento de braço, que são os bros da extrema-direita, os neo-fascistas e outros supremacistas brancos, não deixaram de reconhecer na tribuna uma impecável execução do seu movimento de assinatura. Permitam-me, então, com toda a prudência e cepticismo, fiar-me no saber dos especialistas.
Seja como for, não partilho da opinião geral segundo a qual é nesse cocktail de êxtases e de negações da direita que se joga toda a relevância do evento. Apesar do interesse dessa nuvem de reacções mediáticas e sócio-mediáticas em massa, aos olhos da História, os comentários parecem infinitamente menos decisivos do que o simples facto de que o homem mais rico do mundo, o novo membro do governo norte-americano, tenha mobilizado um acontecimento político de uma influência considerável, bem como o seu estatuto incomparável e a sua reputação, ao serviço de uma tentativa de trazer de volta a saudação fascista. À primeira vista, esta última expressão pode parecer incongruente, na medida em que as questões de tendências e estilo podem sugerir uma banalização da ameaça fascista ou um desarmar da seriedade que esta impõe. No entanto, uma análise das últimas evoluções ideológicas de Musk e da sua entourage, juntamente com as posições neo-fascistas da Internet que procura seduzir (com um sucesso inegável), demonstram o quanto a questão estética é central para compreender este assunto.
No seu texto A Obra de Arte na Época da Sua Possibilidade de Reprodução Técnica, Walter Benjamin descrevia a emergência do fascismo original como um esforço para regimentar as massas do início do século XX, cada vez mais mortas para a proletarização e cada vez mais educadas.
«O fascismo tenta organizar essas massas proletarizadas recentemente formadas sem tocar nas relações de propriedade para cuja abolição elas tendem. (…) As massas têm o direito de exigir a transformação das relações de propriedade; o fascismo procurava dar-lhes expressão conservando intactas aquelas relações. Consequentemente, o fascismo tende logicamente para a estetização da vida política.»[2]
Nas circunstâncias presentes, essa dimensão estética talvez seja ainda mais decisiva do que há um século atrás. Não é raro ouvir hoje os comentadores e os jornalistas confessar a sua perplexidade face ao carácter composto e aparentemente incoerente do eleitorado trumpista. Fundado sobre a defesa e o aprofundamento das inquietações próprias do status quo racial e capitalista, a política fascista não tem base material, e a sua expressão depende, por isso, inteiramente de mitos, de um imaginário. No fundo, de um aglutinante estético.[3] Trump e Musk compreenderam-no admiravelmente, e procuraram produzir públicos, mais do que sujeitos colectivos.
A saudação nazi de Musk pode ser entendida como um acontecimento metapolítico, no sentido atribuído a esse termo pela Nouvelle Droite francesa no século passado, largamente retomado pela extrema-direita globalizada. Um dos seus promotores históricos, Alain de Bensoit, retomou recentemente o conceito, sublinhando que este se funda sobre a convicção de que «o poder cultural, quando está ideologicamente bem estruturado e vem influenciar o Zeitgeist de uma determinada época, pode ter um efeito de alavanca em relação a certos acontecimentos ou situações políticas».[4] É um tipo de política imediatamente ajustada à viralidade e ao gosto pelo efeito surpresa próprios da Internet. «A metapolítica é uma política na qual predomina um esforço para transformar a cultura e difundir informação.»[5] Devemos portanto interpretar este sieg heil altamente viral como uma intervenção cultural que tem lugar num contexto económico, político e teórico particular.
Num ensaio influente de 2012, intitulado The Dark Enlightenment (O Iluminismo das Trevas), a filosofia neo-reaccionária e doutrinária do aceleracionista tecno-capitalista Nick Land antecipa o essencial das questões ideológicas nas quais Musk está a apostar. As Luzes obscuras ou a neo-reacção são a metapolítica segregada pela extrema-direita de Silicon Valley. Os seus dois principais arquitectos são o próprio Land e o blogger Mencius Moldbug (alias Curtis Yarvin), que se destacam de entre outros pela sua convicção de que os negros são mais propensos a adaptarem-se à escravatura do que à vida moderna.[6] A reflexão de Land toma como ponto de partida um outro texto que, apesar da sua brevidade, deve ocupar um lugar central em toda a interpretação das orientações filosóficas presentes na elite capitalista pós-moderna norte-americana.
A crença ética que definiu a corrente neo-reaccionária na sua totalidade é que a preservação do capitalismo e a mobilização do progresso tecnológico são infinitamente mais importantes do que um qualquer número de vidas humanas (a fortiori a das raças inferiores).
A viragem autoritária do pensamento de Silicon Valley por volta de 2020 teve origem num questionamento (diga-se, numa crise) próprio do pensamento libertário, que constitui a tendência hegemónica desse meio social. O artigo «A educação de um libertário» publicado em Abril de 2009 na revista Cato Unbound, do think tank hiper-capitalista Cato Institute.[7] O seu autor é Peter Thiel, investidor multimilionário de origem alemã, e co-fundador da PayPal, empresa na qual o seu caminho se cruzara com o de Musk. Estes dois traficantes de influências nazis têm também em comum terem crescido no contexto do apartheid negrófobo sul-africano.
Logo nas primeiras linhas de «A educação de um libertário», imediatamente antes de evocar o seu diploma em filosofia na Universidade de Stanford, Thiel coloca as cartas na mesa: «já não acredito que a liberdade e a democracia sejam compatíveis». Neste caso, Liberdade é sinónimo de capitalismo – Thiel não conhece outra definição a não ser esta. Ora, depois dos anos de estado de graça que se seguiram à queda do muro de Berlim, esse sistema económico outrora inatacável parecia estar a perder a sua popularidade no final dos anos 2000. Segundo o próprio Thiel, a franca radicalização do seu pensamento surgiu em resposta à crise do subprime de 2008: os grandes capitalistas temiam já não contar com o consentimento pleno e absoluto das sociedades civis para as suas operações económicas. Na sua opinião, as dispendiosas operações de resgate de bancos empreendidas pela administração Obama esconderam um esforço para reafirmar o indispensável papel regulador e segurador dos governos numa economia neoliberal. E tal interferência parecera-lhe inaceitável: . «Hoje, a grande tarefa dos libertários é escapar à política em todas as suas formas, desde as catástrofes totalitárias e fundamentalistas até ao demos pouco inteligente que guia a dita ‘social-democracia’».
Thiel considera então três rotas de fuga pós-políticas que desde então têm alimentado a imaginação futurológica e a prática social dos oligarcas do Valley. Em primeiro lugar, para o o ciber-espaço, a Internet, dado que a Internet não é totalmente regulada pelos Estados. Em segundo lugar, o cosmos, essa imensa terra de ninguém, aberta à conquista e à captura, que a breve trecho se tornou o foco de Musk ao lançar a sua empresa SpaceX para conquistar o planeta Marte. E, por fim, os oceanos: um espaço imenso não-regulado, no qual a instalação seria certamente dispendiosa, mas cujos resultados fariam valer os esforços; também aqui os empreendimentosnão têm nada de inimaginável, uma vez que o riquíssimo presidente da companhia de videojogos Valve, Gabe Newell passou a crise sanitária de 2020 em águas internacionais, acompanhado da sua frota de super-iates. Thiel conclui o seu texto com um prometeísmo capitalista, claramente inspirado pelas empresas heróicas e extravagantes dos romances de Ayn Rand, a sua leitura preferida de juventude: «Fazemos parte de uma corrida mortal entre política e tecnologia. (…) Ao contrário do mundo da política, no mundo da tecnologia, as escolhas individuais ainda têm alguma importância. O destino do nosso mundo pode depender do esforço de apenas uma pessoa que constrói ou propaga a maquinaria da liberdade, e que torna o mundo seguro para o capitalismo».
A crença ética que definiu a corrente neo-reaccionária na sua totalidade é que a preservação do capitalismo e a mobilização do progresso tecnológico são infinitamente mais importantes do que um qualquer número de vidas humanas (a fortiori a das raças inferiores). É altamente provável que o próprio Musk tenha abraçado o projecto filosófico sumariamente definido por Thiel. Mas só com o aparecimento da alt-right nas zonas não regulamentadas do ciber-espaço, e com os sucessos políticos de Trump, que canalizaram essas aspirações para a arena política, é que se abriu uma nova possibilidade para o neo-reaccionarismo: a conquista em vez da mera fuga. Porquê contentar-se com o céu, com os mares e com servidores, quando se tornava possível para o Iluminismo Obscuro pós-libertário vislumbrar o estabelecimento de um novo nomos para a terra?
Como escreve Land, se os neo-reaccionários aprenderam que o Estado não pode ser simplesmente abolido, consideram ainda assim que pode ser seguramente purgado da democracia. Protegendo-se assim da ininteligência do demos. «A democracia consome o progresso. Considerada do ponto de vista do Iluminismo Obscuro, o tipo de análise apropriada ao estudo do fenómeno democrático é a parasitologia geral.»[8] Land encoraja a uma mudança de perspectiva sobre a realidade política: o Estado não pertence aos cidadãos, mas pertence, efectivamente, aos governantes que o dirigem, bem como aos capitalistas que patrocinam estes últimos. O objectivo é então o de cumprir essa lógica, evitando toda e qualquer farsa democrática, e encaminhando-se para uma privatização absoluta e integral de cada função do Estado. Idealmente, o poder não deveria ser atribuído a um qualquer representante do povo, mas sim ao melhor CEO.[9] Na era das moedas privadas (as cripto-moedas), das companhias militares privadas, das forças policiais privadas, das agências espaciais privadas, uma tal perspectiva inspirada por ficções especulativas cyberpunk nunca pareceu tão real, para não dizer evidente. Mas, para chegar aí, é indispensável fazer prosperar um novo tipo de narrativa relativamente ao papel do Estado e do governo.
Neo-reação implica uma mudança de uma narrativa em que o bilionário é visto como um modelo e um exemplo alcançável para uma em que o multi-bilionário se senta no trono da soberania absoluta e actua como um guia oferecido para a adoração das massas.
A concepção elitista do poder, que visa estabelecer a soberania das mega-empresas, ao protegê-las contra a ininteligência e a selvajaria das massas democráticas, talvez seja menos desejável, no imediato, do que a aliança entre uma economia laissez-faire e a clareza imutável das regras estabelecidas e mantidas pelo Estado que esteve na fundação do liberalismo clássico. Esta organização social surgia então como uma avenida mental, na qual cada cidadão era convidado a projectar-se como self-made man, ou como empresário de si mesmo; cada americano percorria essa avenida como um milionário em potência, na esperança do momento propício para passar ao acto. Neo-reação implica uma mudança de uma narrativa em que o bilionário é visto como um modelo e um exemplo alcançável para uma em que o multi-bilionário se senta no trono da soberania absoluta e actua como um guia oferecido para a adoração das massas. E o caminho mais seguro (por ser o mais testado) para obter o consentimento para esse novo acordo consiste em ressuscitar os instrumentos afectivos do fascismo, que já deram provas da sua eficácia.
Nas páginas que evocam irresistivelmente ao leitor francês a linhagem política do «semanário da oposição nacional e europeia» Rivarol, Land ataca a religião servilmente democrática que considera ser a rejeição cega do legado de Hitler. . «O ódio a Hitler está tão consagrado como as “coisas primeiras” da teologia», lamenta-se. O sistema educativo e mediático da democracia liberal escolheu o Führer (mais do que Estaline, que seria apesar de tudo melhor candidato para os neo-reaccionários) como a mais incontestável encarnação do mal sobre a terra. Land não se poupa ao sarcasmo para denunciar essa fé progressista, que tem o mérito de reconciliar o entusiasmo religioso e a pretensão de uma razão esclarecida: «a Igreja da Sagrada Abominação Hitleriana acabará por suplantar os seus predecessores abraâmicos, e tornar-se-á na primeira fé ecuménica triunfante do mundo».[10] É perturbador ver Land martelar tais metáforas e comparações religiosas para fazer definhar o antifascismo e o anti-racismo, quando ele próprio se deixa levar por êxtases místicos ridículos, quando aborda a questão do progresso tecno-capitalista nos seus ensaios aceleracionistas. Por fim, se Land reverencia Deleuze mais do que Hegel, não é preciso ser um virtuoso da dialética para detectar algo de afirmativo escondido na sua tão pouco subtil negação da negação. É muito fácil ver concretamente onde quer chegar esse anti-anti-hitlerianismo. É o princípio do programa que Musk já subscreveu: fazer com que o fascismo volte a estar na moda.
No dia 5 de Novembro de 2024, na noite da segunda vitória de Trump, Musk celebrou o seu triunfo ao partilhar na sua página da plataforma X um vídeo estranho, do utilizador @Esoviz, acompanhado pelo comentário: «Dark MAGA Assemble!» (Dark MAGA uni-vos!).[11] A sigla MAGA designa o intemporal slogan de campanha «Make America Great Again», ao qual Musk acrescentou o seu toque pessoal ao aparecer regularmente na tribuna do candidato a usar um boné preto, em vez do habitual vermelho. «Não sou apenas MAGA, sou Dark MAGA!», declara orgulhosamente. Melhor ainda: «Sou Gothic Dark MAGA!» anuncia novamente, apontando o dedo para a fonte gótica inscrita no chapéu. Esta insistência evoca tanto o Iluminismo Obscuro de Land e Moldbug, a dark web, como as fantasias de um super-vilão de desenhos animados que parecem habitar a alma de Musk. O conteúdo do clip em questão mais do que confirma esta expetativa.
Dark MAGA Assemble!
— Elon Musk (@elonmusk) November 5, 2024
pic.twitter.com/JGqFQ1DTGO
A banda sonora é um remix EDM do famoso hit HARD FM dos anos 80, «The Final Countdown», do grupo sueco Europe. A paleta dominante de tons violetas e avermelhados, tal como a pompa e grandiloquência da montagem, evocam inevitavelmente a estética fashwave popular entre a alt-right.[12] As imagens sucedem-se a um ritmo quase estroboscópico, uma cavalgada eclética de várias sequências curtas. O essencial é ocupado por excertos de discursos de Donald Trump. É a sua voz que anuncia logo desde o início o grande tema do vídeo: «Dark MAGA». Ao jeito de patriarca benevolente, Trump assegura o ouvinte do seu amor eterno. A vitória é total; a América, salva; o futuro, radiante. Trump é apoiado por duas figuras de peso: o próprio Elon «Dark Gothic MAGA» Musk e o lutador de wrestling Hulk Hogan, que, na sua voz rouca, grita a seguinte frase, no momento-chave da canção: «This is Donald Trump’s house, brother!» («Esta é a casa de Donald Trump, irmão!»), na introdução do drop.
Para além de uma série de imagens do presidente majestosamente em frente a um fundo de panejamentos que se agitam ao vento, o vídeo acumula excertos heróicos de desenhos animados e videojogos japoneses: Ataque dos Titãs, Berserk, Demon Slayer, Elden Ring, Akira, etc. Com a ajuda dos efeitos especiais, a própria figura de Musk torna-se incandescente com a sua energia vital, imitando um personagem de Dragon Ball Z. Como se se tratasse de uma realização total do futurismo de Marinetti, as referências à hiper-velocidade e à guerra total encadeiam-se freneticamente: caças, motas de corrida, explosões, naves espaciais, rajadas de enormes metralhadoras, tempestades de chamas que saem de foguetões quando estes descolam… Entre tantas outras referências à cultura pop, a silhueta omnipresente de Trump é constantemente intercalada com imagens de animais ferozes ou de eclipses solares, imagens de ataques de guerreiros medievais e animações de anjos benevolentes gerados por IA. Este vídeo é o decalque perfeito do turbilhão febril que varre actualmente o fundo do inconsciente colectivo nacionalista branco — e convida os espectadores a reconhecer o mais puro e concentrado do seu ideal, e a fruir dele, em alto e bom som e sem constragimentos. Este imaginário proliferante ecoa as promessas frequentemente feitas por Musk, nas suas intervenções de viva-voz como nos posts na plataforma X: no caso da vitória de Trump, «the future is gonna be amazing!» («o futuro vai ser incrível!»).
Os neo-reaccionários pretendem purificar a raça branca do seu ressentimento e culpabilidade relativamente aos crimes raciais do passado, voltando a fazer proliferar livremente os símbolos e os códigos da era fascista.
Apesar da sua denominação inquietante, Dark Gothic MAGA não apresenta nenhum resquício da negatividade inquietante característica da literatura gótica. Pelo contrário, tudo aqui é ferozmente afirmativo e absolutamente seguro de si. A estética Dark Gothic MAGA é profundamente arqueofuturista. O arqueofuturismo dita ao mesmo tempo a sua forma e conteúdo. Para o inventor deste conceito, o ideólogo da Nouvelle Droite, Guillaume Faye, trata-se de uma crença na convergência entre as tecnologias do futuro e os valores do passado, fundada sobre uma interpretação do destino da raça branca, segundo a qual só com a inspiração nas fontes míticas do Ocidente os europeus se tornarão capazes de enfrentar os desafios do futuro. «As conquistas actuais e futuras da tecnociência estão em contradição com a ética da modernidade (resultante do Cristianismo), e virão recuperar uma ética prometeica do desencadeamento e do risco, própria da mentalidade pagã antiga», adianta Faye, antes de acrescentar ainda: «Essa contradição entre a lei natural e o prometeísmo só poderá ser ultrapassada por uma superação do igualitarismo: uma humanidade que funcione “a duas velocidades”».[13]
Como nos recorda Jordan Carroll, essa filosofia da humanidade a duas velocidades está actual e amplamente presente no discurso da alt-right: «Apenas os brancos, dizem, ainda têm a capacidade de se voltar para o futuro, e uma disposição para o progresso. (…) Mais do que tudo, a branquitude aparece como uma tendência inata para transcender o presente».[14] No meu entender, fora essas deflagrações de petulância futurológica e de auto-erotismo racial, o arqueofuturismo significa na realidade a convergência entre, por um lado, uma fascinação inculta e imoderada pelo progresso tecnológico avançado (IA, armamento, telecomunicações, etc.) e, por outro lado, um ódio visceral aos efeitos do progresso sobre a moral, os direitos individuais, a mundialização e as liberdades colectivas.[15]
Os encontros, as procissões e os discursos fascistas fazem doravante parte das referências culturais pop, indispensáveis para a concepção do futuro promovido pelo Iluminismo Obscuro. Se a explosividade racial da estética Dark MAGA não resiste à tentação de se apropriar da saudação hitleriana, não é tanto pelo que ela significou, mas antes pelo que ela sugere e pelo que permite actualmente. A contestação daquilo a que Land chama «a Igreja da Sagrada Abominação Hitleriana» é indispensável para o surgimento do cesarismo ciber-fascista, porque o projecto neo-reaccionário precisa dos seus votos. A questão central dessa estética é a reconquista de uma peça fundamental da subjectividade do período entre Guerras: o que, em Les Sept Couleurs, o romancista colaboracionista Robert Brasillach descrevia como «alegria fascista». Os neo-reaccionários pretendem purificar a raça branca do seu ressentimento e culpabilidade relativamente aos crimes raciais do passado, voltando a fazer proliferar livremente os símbolos e os códigos da era fascista. Todos esses símbolos revoltantes que, tal como a saudação hitleriana, ainda ontem eram objecto de vergonha, devem tornar-se hoje objectos lúdicos, na esperança de que se voltem a tornar objectos de alegria amanhã. Nos anos 80, esse programa tinha sido nomeado a partir de uma banda rock neo-nazi emblemática: No Remorse (sem remorsos).
Para além de partilharem um gosto pelo racismo e pelo fascismo, o último ponto em comum que une Peter Thiel e Elon Musk é a sua comum aspiração transhumanista à vida eterna. Esse sonho milenar pode servir de alegoria para o estranho paradoxo que assombra a integralidade da visão de futuro do Iluminismo Obscuro: porque promete todas as maravilhas e todos os desenvolvimentos, mas contenta-se em desfiar as consequências previsíveis de premissas já estabelecidas. Como observa Carroll, «a alt-right vê o amanhã como o desenvolvimento de possibilidades que já existem em estado latente na raça branca. Para os nacionalistas brancos, o futuro já chegou».[16] O porvir é ainda mais amazing e explosivo, porque é um futuro que Musk, Thiel, o capitalismo e até mesmo Trump vão habitar para sempre.
Certamente, o futuro Dark Gothic MAGA oferece-se como um último refúgio neo-reaccionário: o paraíso dos brancos de elite e dos super-homens, a única esperança do capitalismo autêntico. Mas, ao mesmo tempo, só propõe a intensificação e eternização do presente, excluindo à partida toda e qualquer possibilidade transformadora e, a fortiori, qualquer golpe revolucionário. Uma das propriedades incomparáveis da especulação futurista é esclarecer as múltiplas realidades que, numa miríade de futuros distantes, guerreiam para se tornarem no nosso presente. Interpelam-nos e imploram-nos que nos juntemos a partir de hoje à sua luta, para fazer triunfar o mais desejável. Ora, neste momento, não há futuro sustentável, quer dizer, verdadeiramente aberto à imaginação, a não ser na condição da aniquilação de Musk, Thiel e do mais modesto dos seus sonhos.
Tradução de Teresa Projecto / Originalmente publicado no jornal lundimatin#461, a 31 de Janeiro de 2025
Índice de Referências:
Bill Peel, Tonight it’s a World We Bury: Black Metal, Red Politics, Londres, Repeater Books, 2023, p. 4. ↑
Walter Benjamin, «A Obra de Arte na Época da Sua Possibilidade de Reprodução Técnica». Em A Modernidade, tradução de João Barrento, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 239.
12 Rules for what, Post-Internet Far Right, Londres, Dog Section Press, 2021, p. 27. ↑
https://www.revue-elements.com/quest-ce-que-la-metapolitique/ ↑
12 Rules for what, Post-Internet Far Right, Londres, Dog Section Press, 2021, p. 49. ↑
Elizabeth Sandifer, Neoreaction a Basilisk : Essays on and Around the Alt Right, Eruditorum Press, 2017, p. 16. ↑
https://www.cato-unbound.org/2009/04/13/peter-thiel/education-libertarian/ ↑
Nick Land, The Dark Enlightenment (2012), Perth, Imperium Press, 2023, p. 17. ↑
Elizabeth Sandifer, Neoreaction a Basilisk, p. 19.
Nick Land, The Dark Enlightenment, p. 43. ↑
Logan Macnair, « Understanding Fashwave : The Alt-Right’s Ever-Evolving Media Strategy », 2023, https://gnet-research.org/2023/06/28/understanding-fashwave-the-alt-rights-ever-evolving-media-strategy/ ↑
Guillaume Faye, « Les Titans et les Dieux », 2007, https://editions-hache.com/essais/pdf/faye1.pdf ↑
Jordan S. Carroll, Speculative Whiteness : Science Fiction and the Alt-Right, Minneapolis, University of Minnesota Press, 2024, p. 12. ↑
Norman Ajari et Laurent Dubreuil, Violences Identitaires, Paris, Mialet Barrault, 2024, p. 74. ↑
Jordan S. Carroll, Speculative Whiteness, p. 25. ↑
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