Pode parecer contraditório. Não é raro sermos confrontados com a pergunta: “Porque continuam no X depois de tudo o que escrevem sobre as redes sociais corporativas?”. É uma questão legítima. Os nossos textos, na sua maioria, criticam o modelo das grandes plataformas: a lógica do engajamento a qualquer custo, o monopólio sobre o discurso público e a transformação da comunicação numa mercadoria. A conclusão mais imediata seria praticarmos aquilo que defendemos e abandonar o X (e agora também as aplicações da Meta), mas o equilibrio é mais difícil do que isso.
Para começar, ao contrário do que acontece com as nossas contas pessoais – e mesmo assim não a 100% – não estamos nas redes sociais para nos divertirmos, nem porque achamos que são a melhor plataforma para comunicar. Estamos nas redes sociais porque sendo um órgão de comunicação social precisamos de leitores, e sem uma grande máquina de distribuição o que nos resta são estas plataformas com todos os seus defeitos. Foram as redes que nos permitiram existir e que fizeram com que a maioria dos que são nossos leitores e subscritores hoje chegassem até nós. E é com o intuito de aumentar esta lista que continuamos em todas as plataformas onde sintamos que há um número suficiente de potenciais interessados.
Apesar de alguns grandes grupos de media terem abandonado o X, uma atitude que tem a sua parte de louvável, é preciso não cair na falácia de equivaler todos os meios. Tudo é uma questão de equilíbrio, neste caso entre a vontade de marcar um ponto e a capacidade de continuar a distribuir o nosso trabalho. Neste caso, com a agravante de parte do nosso trabalho ser em reflexão crítica sobre estas plataformas – que faz especial sentido junto de quem ainda usa estas plataformas e não se predispôs a pensar sobre os seus efeitos nocivos.
Uma espécie de Síndrome de Estocolmo
À falta de melhor comparação, podemos relacionar aquilo que se passa com as redes sociais com uma espécie de Síndrome de Estocolmo contemporâneo. Sabemos que são o nosso raptor, que condiciona aquilo que podemos ver, fazer e dizer, que nos mantém em cativeiro para proveito próprio (recolha de dados) e que o futuro do cativeiro depende mais da sua vontade do que da nossa, mas ainda assim desenvolvemos uma ligação que nos mantém por perto. Neste caso, não é de empatia, muito menos de amor, mas de dependência que não temos armas para contrariar.
Ao contrário dos grandes grupos de comunicação que abandonaram a plataforma que, na sua maioria, têm estruturas que lhes permitem compensar o abandono de uma rede social com um maior esforço e investimento noutras estratégias de distribuição, a nossa estratégia é distribuir o máximo possível, mas a margem para investimento é nula (operamos em prejuízo, muitas vezes), pelo que todos os números contam.
Podem dizer-nos que esta é uma decisão que privilegia o negócio e o dinheiro, e nós assumimo-lo, mas infelizmente essa tem de ser a prioridade de um projecto que ao longo de mais de uma década nunca teve nenhum financiamento estrutural, que há mais de 2 anos que não tem qualquer anúncio e reduz ao máximo o número de cookies e trackers invasivos, privilegiando a privacidade do utilizador e o respeito pelos direitos digitais no conteúdo produzido e na experiência de leitura. Ou seja, se ao longo dos últimos 10 anos, e de forma transversal a toda a nossa prática, optámos por seguir os nossos valores acima de tudo, no que toca à distribuição do conteúdo, neste momento sensível, não nos podemos dar a esse luxo.
Abandonar o X poderia ser um gesto simbólico poderoso, mas gestos simbólicos têm um alcance limitado se não forem acompanhados de estratégias que garantam continuidade na comunicação e no impacto. Não estamos interessados em sair para o vazio. Estamos interessados em criar pontes para algo melhor. E abandonar a plataforma significaria também menos uma voz crítica do rumo que está a tomar, reforçando ainda mais a tendência vigente.
Construir alternativas
Tudo isto não significa que não achemos que está na hora de migrar para outras redes. Apenas não achamos que o mais correcto seja um media precário e crítico da tecnologia ser o primeiro a fazê-lo (embora em termos reputacionais isso pudesse dar um bom post no Instagram, que ainda é visto com simpatia). Afinal de contas, no momento em que reflectimos sobre isto, as instituições portuguesas, por exemplo, continuam com conta activa em todas as redes sociais e mais uma. Literalmente — uma vez que acabaram de se registar no TikTok. Uma demonstração da clara da pouca reflexão crítica que há sobre as redes.
Estes dilemas podem ser vistos por alguns como problemas supérfluos, e textos como este como um verdadeiro exagero. Mas como dissemos no último artigo que publicámos, está na hora de deixar de ver as redes sociais com a inocência que caracterizou a perspectiva até aqui. Mas essa mudança tem de ser plural e cultural, e é fundamental que mais do que abandonar uma rede, criemos redes (sejam elas hábitos ou infraestruturas) onde nos possamos re-ligar. Esse não é um desígnio que esteja ao alcance de um media como o Shifter. É preciso um esforço colectivo, onde as instituições devem dar o exemplo, e a reflexão é o primeiro passo – para o qual estamos convictos de dar contributo significativo, não só no que publicamos mas também no que recomendamos na newsletter para subscritores.
Posto isto, e especialmente para aqueles que estão a migrar do X ou das aplicações da Meta também, queremos dizer-vos que existem várias formas de seguir o Shifter sem estar dependente destas plataformas. A primeira é o feed RSS. Ao contrário de muitos sites, nunca descontinuámos o nosso feed RSS por isso podes subscrevê-lo em qualquer aplicação de RSS ou até seguir o nosso bot no Telegram ou no Discord onde tudo é publicado automaticamente. A segunda é o e-mail (que podes subscrever no fundo da página). Todos os nossos artigos são enviados por e-mail, via newsletter. E se ainda não subscreves com receio de receber spam, fica sabendo que não enviamos nenhum e-mail sem pelo menos um artigo novo para leres e que não enviamos mais do que um e-mail por semana. Por último, e se tiveres preferência por redes sociais, também estamos a explorar novas possibilidades, tendo para já uma presença assídua no Bluesky, onde nos podes seguir pesquisando o endereço do site como handle da rede social.
Não poderíamos terminar sem ressalvar algo que é para nós um ponto assente – reforçada por esta nossa reflexão sobre o BlueSky: enquanto não concebermos novas formas de propriedade e governança de redes sociais, e estivermos dependentes de soluções corporativas e financiadas por capital de risco, toda a nossa presença numa dessas plataformas é circunstancial. Se agora estamos a migrar para o BlueSky sabemos que com o seu crescimento as coisas podem seguir o mesmo caminho do X. É também por isso que queremos continuar a estar no máximo de plataformas que nos for possível, para minimizar a dependência e para que o único ponto central da experiência seja o nosso site.
Se o que te prende às redes são os contactos próximos, de amigos ou família, mas a vontade de sair existe, que este seja o pretexto da vossa próxima conversa. Sem jogos de culpas, sem acusações gratuitas, sem paranóias; esta altura é um teste à resiliência das nossas redes sociais que não dependem de tecnologia e da sua capacidade de moldar o mundo, numa altura em que as forças que moldam o mundo pretendem influenciar as nossas relações.