Lynn Conway pode bem ser a recordista para o maior período entre ser despedida injustamente e ter recebido um pedido de desculpas por isso. Em 1968, a IBM – empresa que agora cobre o seu logótipo com o arco-íris da bandeira LGBT durante Junho, o mês do Orgulho – despediu Conway quando esta expressou a sua intenção de fazer a sua transição de género. Lynn morreu a 9 de Junho de 2024, com 86 anos. A IBM acabou por pedir desculpa à agora afamada especialista em computação, mas só 52 anos depois, quando Conway já tinha 82 anos.
Embora o início de Conway como mulher trans na IBM tenha sido pouco auspicioso, rapidamente encontrou um novo emprego com o seu nome e identidade pós-transição na prestigiada Xerox PARC e, durante muitos anos, escondeu o facto de ser trans dos seus empregadores para evitar voltar a ser despedida injustamente. Ao fazê-lo, Conway livrou-se de se tornar um alvo para a cobertura noticiosa sensacionalista e perigosa sobre as pessoas trans que dominava os media mainstream durante o século XX. Ao mesmo tempo, contudo, isto significava que não podia contar a sua história completa.
Ainda hoje, a cobertura mediática das pessoas trans nos meios de comunicação social posiciona-as frequentemente como vítimas infelizes ou questiona o direito das pessoas trans a existirem.
Através do seu trabalho pioneiro na concepção de chips, Conway juntou-se a uma longa linha de ilustres mulheres na computação no século XX que fizeram dos computadores as ferramentas poderosas e flexíveis que são hoje em dia. A co-invenção de Conway da integração em muito grande escala, ou VLSI, fez disparar a conceção de chips para o futuro. A VLSI permitiu que a gravação de circuitos na superfície de um chip de computador fosse tão eficiente quanto possível em termos de espaço, garantindo o número máximo de transístores num chip.
Maximizar o número de transístores num chip significava que o computador resultante da utilização desse chip poderia ser tão rápido e potente quanto possível. Por esta inovação, Conway recebeu o reconhecimento da indústria e do mundo académico. No entanto, esse reconhecimento tardou muito a chegar.
O ‘Efeito Conway’
No entanto, tal como muitas outras mulheres na área da informática, Conway sentiu que lhe tinham negado o merecido reconhecimento devido à forma como o seu co-inventor masculino do VLSI, Carver Mead, recebeu repetidamente mais crédito e foi incorretamente considerado o líder do projeto que conduziu a esta importante inovação. Apesar de Mead não ter necessariamente procurado virar os louros injustamente para si mesmo, o que Conway batizaria de ‘Efeito Conway‘ fez com que na maioria das vezes ele ficasse com mais ou mesmo com todo o crédito.
O ‘Efeito Conway’ é uma versão ligeiramente modificada do que ficou conhecido como ‘Efeito Mathilda’: as contribuições científicas das mulheres são frequentemente atribuídas ao homem mais próximos que trabalham no mesmo tema. O ‘Efeito Conway’ afirma que as pessoas que são “excluídas” na informática, incluindo mulheres e pessoas racializadas de todos os géneros, formam um grupo que a sociedade não espera que faça grandes avanços e, por isso, não lhes é dado todo o crédito quando o fazem, porque são literalmente ignoradas.
Conway salientou que, após um reconhecimento inicial em conjunto, Mead recebeu prémios individuais pelo seu trabalho conjunto e foi celebrado juntamente com outros homens no Museu de História do Computador em Silicon Valley. Ela e outras mulheres que tinham feito o mesmo trabalho, mesmo quando estavam em posições de liderança, não foram convidadas ou reconhecidas da mesma forma.
Conway escreveu sobre a sua experiência no ensaio em que introduz o “Efeito Conway”:
Em 2009, o meu desaparecimento foi total após a gala do Museu de História do Computador que celebrou o 50º aniversário do circuito integrado. Dezasseis homens foram descritos pelos meios de comunicação social como “os pais fundadores do Vale”. Foram introduzidos no National Inventors Hall of Fame pelas suas contribuições para a microeletrónica. Gordon Moore e Carver Mead foram dos mais destacados. Eu não fui convidada para o evento e nem sequer sabia que estava a acontecer.
Conway foi adicionada ao Museu de História do Computador em 2014, 12 anos depois de Mead. E até a forma como a área da informática se refere à sua inovação como o “método Mead-Conway”, com o nome de Mead em primeiro lugar apesar de não ser o primeiro na ordem alfabética, mostra este efeito infeliz.
Fora e num novo papel
Conway trabalhou e viveu discretamente durante a maioria da sua carreira, dando passos importantes que remodelaram o campo da computação, ao mesmo tempo que tentava não se dar a conhecer como uma mulher trans que trabalhava numa indústria conservadora. Mais tarde, apercebeu-se de que o perfil discreto que tinha procurado manter seria insustentável se a sua carreira entrasse para os livros de história, o que acabou por acontecer. Ela também queria receber o crédito pelas suas inovações anteriores, antes da transição.
Como resultado disso, em 1999 ela assumiu-se publicamente como trans e tornou-se uma apoiante dos direitos trans e de outras pessoas trans na área da alta tecnologia. Mantinha um site detalhado que falava sobre a sua experiência trans para tentar ajudar outras pessoas trans, especialmente mulheres trans à beira de se assumirem, a sentirem-se menos sozinhas. Chegou mesmo a participar numa versão de “The Vagina Monologues” em 2004, protagonizada por mulheres trans.
Apesar do primeiro revés na carreira de Conway, que quase lhe custou o seu sustento e da sua família, ela continuou a ter uma carreira ilustre na informática. A avaliação do seu lugar e do lugar de outras mulheres na área continua a ensinar-nos uma importante lição sobre género e computação – tal como a arquitetura de chips que ela co-desenhou continua a moldar o que é possível fazer com os computadores que moldam o nosso trabalho e a nossa vida pessoal.
Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation.