No meio das últimas tendências sobre o mercado laboral, há uma que tem sido particularmente badalada: a substituição de empregos por Inteligência Artificial. Sucedem-se os artigos sobre este assunto, por iniciativa própria ou alimentados por afirmações de quem vende serviços de IA, como o fundador da OpenAI. Na verdade, esta não é uma promessa nova; tem-se reavivado depois de a comercialização de modelos de Inteligência Artificial ser uma realidade viável para as big tech.
No artigo Economic Possibilities for Our Grandchildren, publicado em 1930, o economista John M. Keynes dizia que, dado o progresso tecnológico que a humanidade havia atingido no início do século XX, seria previsível que “o problema económico pode ser resolvido, ou pelo menos com uma solução em vista, em cerca de 100 anos.” Por problema económico, entendia-se, nas palavras de Keynes, “a luta pela subsistência” (…) que descrevia como “o mais importante problema da raça humana”, algo que a evolução tecnológica permitiria resolver, lançando a humanidade numa espécie de “colapso nervoso” ao romper com o propósito tradicional da sobrevivência da espécie.
O economista inglês ia mais longe nas suas previsões: “Serão as pessoas que mantêm vivo e cultivam na perfeição a arte da vida e não se vendem a si próprios pelos meios da vida que poderão usufruir da abundância quando esta chegar.” Traduzindo, defendia propostas para “fazer do trabalho que houver para fazer o mais largamente partilhado possível (…) turnos de três ou quatro horas, ou semanas de trabalho de 15 horas”, e que o restante tempo pudesse ser dedicado ao lazer e à realização pessoal.
Considerando que os primeiros modelos de IA surgiram há cerca de 70 anos, já depois da publicação do trabalho de Keynes, os desenvolvimentos para que haja menos trabalho no futuro não são uma surpresa, nem necessariamente maus. Há, no entanto, uma diferença principal no que tem sido veiculado na imprensa relativamente a Inteligência Artificial: se o britânico considerava que a mudança se aplicaria principalmente a trabalhos produtivos, resultando numa reformulação positiva do trabalho no espaço de cem anos (até 2030), os estudos atuais não partilham do mesmo sonho de bem-estar generalizado e usam tons mais alarmantes para falar do fim de empregos específicos e altamente especializados: aqueles onde muita gente procura a sua realização pessoal, para além do seu meio de subsistência.
Alguns mencionam que empregos como jornalista e professor estão em perigo de extinção, outros citam estudos que colocam em causa o futuro de juízes, magistrados, professores universitários de disciplinas como filosofia, sociologia, história, literatura, e há quem arrisque dizer que médicos também têm os dias enquanto profissionais contados. O elemento constante entre todas estas profissões é serem de alguma forma baseadas na manipulação de informação. E se alguma dessa informação é demasiado sensível de deixar nas mãos de um modelo cuja natureza desconhecemos, algo que nos deve criar algumas reservas, o mais curioso é que, no meio de tudo isto, poucos mencionam outro tipo de profissões que também lidam com informação em alguma medida, como gestores, consultores, ou mesmo CEOs. Tendo em conta que o GPT-3 chegou a propor a um paciente (a fingir) que estava com ideação suicida que de facto terminasse com a sua vida, a implementação deste tipo de modelos de forma lata e sem considerações éticas é altamente problemática, e o mais provável é que as empresas geridas por estes modelos acentuaram ainda mais o sentido extrativista das grandes empresas. Contudo, e de uma forma exploratória, deixemos de lado essa questão e perante a hipótese de substituir de algumas profissões, perguntemo-nos: porque não?
O argumento da eficiência e da produtividade — por que não substituir os CEOs ou os “bullshit jobs”?
Idealmente, terá ficado claro que os grandes modelos de linguagem não vão cumprir a promessa que os fundadores da OpenAI estão a tentar vender— pelo menos para já. Simplesmente não é possível fazê-lo sem provocar um colapso social generalizado e baixar a qualidade do trabalho que é prestado – como exemplifica o estudo que indica que o uso de assistentes de código, como o co-pilot, baixa a qualidade do código produzido, ou que 60% dos outputs do GPT contém indícios de plágio.
Se a previsão de Keynes falhar (faltam 6 anos para o prazo e a semana dos 4 dias ainda é o máximo com que conseguimos sonhar), não foi porque a inovação parou, mas porque provavelmente não temos vindo a tentar automatizar o que é possível, ou desejável, de automatizar — que é, por oposição, o que se tem verificado com esta nova corrente, para o bem e para o mal. Voltando ao estudo acima citado sobre os empregos que podem mais facilmente ser substituídos, por entre as profissões especializadas destacadas há uma série de empregos que destoam e que, provavelmente, ninguém se importaria de ver obliterados, como é o caso de telemarketers (que surgem bem no topo da tabela). Um tipo de empregos que, juntando aos gestores, middle-managers e CEOs e nos remete a análise para uma série de categorias propostas em 2018 pelo antropólogo David Graeber, no seu livro Bullshit Jobs: a theory (recentemente traduzido e publicado pela Edições 70).
O antropólogo americano propõe que “um trabalho de merda é uma forma de emprego remunerado que é tão completamente inútil, desnecessário ou pernicioso que nem o próprio trabalhador consegue justificar a sua existência.” Estes trabalhos distinguem-se dos “trabalhos merdosos”, que o autor define como aqueles “que tipicamente envolvem tarefas que precisam de ser feitas e que têm um valor claro para a sociedade. Acontece que os trabalhadores que desempenham essas tarefas são mal pagos ou mal tratados.”
Nesta última categoria incluem-se os tais trabalhos que provavelmente desejamos ver automatizados, como é o caso dos cantoneiros de limpeza, varredores de rua, operários de chão de fábrica, encarregados de limpezas – trabalhos altamente precários, sublinhe-se – mas em que não se tem investido tantos recursos. Portanto, é nos outros, ditos trabalhos de merda, que vamos focar atenções.
No livro de Graeber, há uma série de categorias que o autor define, e que subdividem o universo de trabalhos de merda: goons, flunkies, duct tapers, box tickers e taskmasters. Tratam-se de categorias cujas funções se traduzem em características específicas, com alguns exemplos paradigmáticos: goons (rufias em português) refere-se aos exércitos militares e de telemarketers, apenas necessários porque a concorrência os tem; flunkies (cúmplices) dão corpo ao conceito de séquito, ou seja, desempenham funções que existem para validar a importância de outra; os duct tapers, como o caso de programadores que trabalham em softwares permanentemente inacabados, tem como principal função corrigir erros; box tickers são auto-explicativos e passam por funções puramente burocráticas; e taskmasters, os que basicamente existem para passar trabalho a outros, ou para inventar tarefas inócuas (e criar mais box tickers).
Esta teoria é particularmente interessante, porque assenta num pressuposto que deve servir de contexto aos Large Language Models: o da prevalência social das profissões ligadas à informação, conforme o que foi identificado pelo cientista de dados Robert Taylor em 1992. Olhando para a economia do seu tempo, Taylor não encontrou um crescimento significativo no setor dos serviços, mas sim no setor que haveria de definir como de Informação, tipicamente está compreendido no setor quartenário e em tudo o que este inclui, nomeadamente finanças, seguros e sector imobiliário – tendência que se mantém e se acentua a cada desenvolvimento tecnológico.
Neste sector, ao contrário do que acontece com um profissional do sector da investigação, da educação, ou similar, a manipulação de informação é uma constante, mas a geração de novos conhecimentos é menor. No estado actual de desenvolvimento social, estas tarefas resumem-se muitas vezes a análises de dados, repetição de processos, e tomadas de decisão mais ou menos previsíveis – como temos visto por exemplo por parte da OpenAI –, e é nesse sentido que podemos especular que parte dessa informação podia ser previamente identificada, etiquetada e incluída numa base de dados de um modelo de linguagem abrindo espaço à automação.
Para bem da discussão que se pretende iniciar aqui, é importante notar que a proposta de Graeber, ainda que elaborada de forma robusta no que respeita a bibliografia e teoria, assente numa série de referências que vão da direita à esquerda da economia e da sociologia, não surgiu sem críticas nem dúvidas. É o caso do estudo empírico conduzido em 2021 pela analista de bem-estar e qualidade do trabalho Magdalena Soffia, onde se propõe que na realidade há um decréscimo dos ditos Bullshit Jobs, ainda que seja feita uma seleção bastante clínica dos pontos da teoria do norte-americano para chegar a tais conclusões, nomeadamente com recurso à percepção que os trabalhadores têm da utilidade das suas funções — é improvável que se admita a uma analista de trabalho que se acha a sua profissão inútil, mais não seja pelo medo das consequências de se admitir isso.
Na proposta de Graeber, são os taskmasters e os flunkies quem melhor incorpora esta dinâmica. E olhando ao universo das start-ups, rapidamente percebemos as diferentes faces com que se expressam. É possível ver algumas destas funções a surgir olhando apenas à própria própria descrição: “Head of Future”, “Reputation Lead”, “Investment Alchemist”, “Global Head of Customer Success”, ou outras funções que encontram durante um scroll pelo LinkedIn, mas que mais parecem tirados do próprio Bullshit Job Generator.
Apesar de alguns estudos apontarem o seu decréscimo, culturalmente e contra a tendência de substituição, estes empregos de merda continuam a ganhar importância de forma galopante, ou pelo menos a escapar ao mesmo questionamento radical que assola as demais. Um artigo publicado pela McKinsey em Julho de 2023, onde se propõe destacar a importância destas posições intermédias, afirma-se que “sempre que um departamento, ou uma equipa, se destaca dos demais, muito frequentemente é porque têm uma super-estrela na liderança.” O exemplo proposto para ilustrar esta ideia foca-se nos líderes de um restaurante, negócio com uma importância difícil de contestar no que a valor a acrescentado diz respeito — afinal, todos comemos. A parte curiosa dessa metáfora é a de que se aplica pouco a outros contextos, nomeadamente em setores mais tecnológicos, ou no dito setor quartenário.
No mesmo artigo, destacam-se duas ideias curiosas: por um lado, que os gestores intermédios devem ser mantidos nessas posições de liderar equipas; por outro, que quando se mantêm nessas posições, veem-se repetidamente agrilhoados por questões administrativas impostas por líderes que não lhes dão autonomia. De alguma forma, parece que estas estrelas encaixam bem no conceito de flunky ou de taskmaster, criando uma espécie de paradoxo da (in)utilidade. Em maio passado, o jornal inglês New Statesman fez uma pergunta semelhante à que nos trouxe a este artigo, e cita o exemplo curioso de Christine Carrillo, conhecida como a CEO das 20h, twittou sobre a importância que a sua assistente tinha para o seu trabalho e cujo desempenho lhe permitia escrever e surfar todos os dias. Ao descrever que o trabalho da sua assistente lhe salvava 60% do seu tempo, Carrillo pode ter admitido de forma surpreendentemente franca, e involuntária, pertencer à categoria dos taskmasters, isto é, daqueles cujo trabalho é só validar o trabalho de outro e receber bem por isso.
De outra forma, este exemplo também é ilustrativo de outro ponto defendido por Graeber no seu livro: “Há uma classe de pessoas que genuinamente não se apercebem de que os seus trabalhos são treta.” Graeber chega ao ponto de considerar completamente inútil grande parte da força de trabalho da nossa sociedade (admite que possa chegar aos 60%), mas nós vamos ser muito mais conservadores. Não se trata de estas serem funções fúteis, mas da possibilidade de terem aspectos automatizáveis e de como isso pode ajudar a re-enquadrar o pensamento sobre automação. Mesmo em relação aos CEOs, o antropólogo admite que é difícil considerá-los totalmente inúteis, e pode-se considerar “que o trabalho dos CEOs não é realmente treta.” Pelo contrário, e para Graeber, o impacto destes no mundo é praticamente insofismável. Nas palavras do próprio: “Para o pior e para o melhor, as suas ações fazem uma diferença no mundo. São, no entanto, pessoas que simplesmente não vêem toda a treta que criam.”
Alguns estudos, como é o caso do “State of Work” de 2023, preparado pela S&P Global, prevê uma revolução em curso no trabalho e na forma como este é encarado. Um dos desafios sublinhados pelo estudo foca-se no facto de as “lideranças esperarem mudanças, mas não saberem como conduzir essa mudança.” “A maioria dos inquiridos considera que os superiores hierárquicos não estão a providenciar as tecnologias certas para apoiar o trabalho diário, não demonstram consideração pelo bem-estar das suas equipas, não distribuem o trabalho corretamente, e não são transparentes nem proporcionam clareza em relação a responsabilidades e metas”. Também em destaque, no mesmo estudo, está o crescente desejo por autonomia entre os mais de 800 inquiridos, em que 75% afirma querer ter mais capacidade para decidir quais os seus objetivos e metas, como executar as suas tarefas, e ter mais liberdade para decidir fora das estruturas hierárquicas.
A tecnologia enquanto a resposta de Keynes para esta autonomia esbarrou na hierarquia em que se organiza o trabalho. Mas porque é que ainda não considerámos a sua implementação nesse sentido?
O argumento da inovação e da eficiência económica
Um exemplo, algo irónico e curioso, de como a IA pode ajudar a automatizar algumas destas funções vem do próprio contexto das empresas tecnológicas. É o caso português da AIsthetics Apparel, uma empresa co-criada com o chatGPT por João Ferrão dos Santos. Colocando de parte o óbvio (se a grande promessa da Inteligência Artificial é produzir mais roupa com design duvidoso, a fraude deveria ser clara para todos; para não mencionar o quão desalinhada com o futuro é a decisão de adotar um dos mais poluentes modelos de negócio), é interessante ver que o papel executivo do insubstituível CEO foi desempenhado de forma simples pelo modelo da OpenAI, com bons resultados financeiros. Podemos, também, considerar o caso de quando a Uber foi bolsa sem CEO, após demissão da equipa gestora.
Perante estes exemplos torna-se claro que parte dos problemas nascem directamente da própria definição do trabalho de um chief executive officer, ou de um(a) diretor(a) executivo(a). De forma muito lata, o CEO é apontado por uma administração, tem como objetivo definir uma estratégia de implementação dos objetivos estipulados pela mesma e cabe-lhe liderar os funcionários no cumprimento das métricas que traduzem os ditos objetivos em algo tangível. É sintomático que a própria administração de uma empresa não o possa fazer, mas ainda assim ouçamos quem, de forma mais prática, poderá dizer qual a essência desta posição: “Todos os CEOs tomam decisões, e essas decisões são baseadas na probabilidade alta ou baixa de algo acontecer”, explica Mark Cuban a propósito da queda do Silicon Valley Bank em Março de 2023. O que nos leva a perguntar: se estas decisões fossem tomadas com base em modelos probabilísticos ou em modelos de IA semelhantes ao ChatGPT, será que situações como a do SVB aconteceriam? Haveria investimentos em projetos como a FTX de Sam Bankman-Fried? O que poderia mudar? O que ganharíamos em abdicar dos CEOs, ou em automatizar em grande medida as suas funções?
O que temos visto com as propostas de substituição de empregos por grandes modelos de linguagem é reflexo de uma outra coisa: “A pressão das grandes empresas em diminuir a estrutura e aumentar a eficiência tem crescido enormemente desde os anos 80. Mas esta pressão tem sido dirigida exclusivamente para as pessoas no fundo da pirâmide, os que de facto estão a fazer, manter, arranjar e a transportar bens. (…) Quando os gestores começaram a tentar chegar a estudos científicos sobre os meios mais eficientes de aplicar o trabalho humano em termos de tempo, energia e gastos, nunca chegaram a implementar as mesmas soluções neles mesmos”, diz-nos Graeber. Não seria isto preocupante, tendo em conta que as consequências das decisões tomadas pelos grandes gestores produzem resultados proporcionalmente impactantes?
Abordemos esta questão do ponto de vista financeiro. O foco todo da automatização está a ser dirigido principalmente para trabalhos de baixa remuneração, mas cargos ditos de decisão, com características tão ou mais probabilísticas, ficam de fora da discussão. No entanto, atendendo aos valores auferidos nestas posições, surge a pergunta óbvia: será responsável não ponderar esta hipótese? Vejamos: a CEO da SONAE auferiu em 2021, entre remuneração fixa mensal e prémio, acima de €1,5 milhões. Não olhando a mais ninguém da administração do grupo, mas focando nos custos com pessoal que a holding do grupo teve, a rondar os €900 milhões no mesmo período de tempo, distribuído por cerca de 47 mil funcionários, percebemos que a distribuição de remunerações pela dito capital humano está, naturalmente, focado no topo da pirâmide.
O mesmo se pode dizer em relação à GALP e à Jerónimo Martins: no caso da primeira, em 2020 o CEO recebeu mais de €1,8 milhões, num universo de cerca de 6 mil funcionários que receberam no total €302 milhões; na segunda, €3 milhões, num universo de 118 mil funcionários que receberam cerca de €1800 milhões distribuídos entre todos. Para mais contexto, tenhamos em conta a forma como os valores auferidos pelos gestores se comparam aos ordenados médios de um trabalhador de cada uma das empresas: Jerónimo Martins são cerca de 186 vezes e de 82 vezes no caso da SONAE (valores referentes a 2022). A estes poderíamos, ainda, juntar todos os gestores intermédios (mais de 9500 numa amostra de cerca 171000 funcionários de que falámos acima, entre as três empresas).
Para uma perspetiva internacional, poderíamos voltar, ainda, ao artigo do New Statesman, onde se refere que um gestor britânico, em média, recebe 15 mil libras por dia. Olhando os números, não será de todo absurdo incluir todas estas funções nas discussões sobre o que e como poderá ser o futuro do trabalho.
O que esta automatização promete é uma poupança na ordem dos milhares de milhões e, se a promessa de o ChatGPT ser todo-poderoso alguma vez se confirmar, uma redução enorme no risco de incorrer em erros que levem a crises financeiras com desastrosas consequências sociais. Afinal, não será um computador melhor a avaliar risco com base em probabilidades do que um humano? Contudo, esta ideia não deverá ser nova para CEOs a quem as assistentes conseguem libertar tempo suficiente para ler livros como Thinking, Fast and Slow, onde o autor afirma que o processo de tomada de decisões das pessoas é baseado em preconceitos e assunções irracionais. O neurocientista Vinod Goel, especialista em cognição, não fica aquém desta ideia quando diz que “apesar de sermos animais racionais, explicar o comportamento humano do mundo real apenas em termos de racionalidade não nos leva muito longe. Temos de reconhecer que há sistemas não-racionais que também afetam o comportamento.”
A proposta deste texto é simples, e é, na verdade, a de não propor nada. Trata-se de pensar sobre possibilidade e de iniciar uma discussão que parece estar a ser constantemente adiada — se calhar, está a ser adiada há quase um século, pelo menos desde as previsões de 1930 de Keynes. Não haverá melhor forma de iniciar uma discussão do que com uma pergunta, também ela simples: se aplicássemos as profecias catastrofistas veiculadas pela imprensa ao contexto dos trabalhos ditos improdutivos, mais custosos, ou que lidam com probabilidade e não exatamente com informações factualmente certas? Os primeiros casos de aplicação desses mesmos princípios não estão a ser, evidentemente, entendidos pela informação empírica que nos proporcionam, mas apenas pelo factor novidade, como é o caso da AIsthetic Apparel.
Estes exemplos parecem dizer que os CEOs não são imunes à discussão em torno da Inteligência Artificial, de tal modo que um modelo altamente falível conseguiu desempenhar o seu papel com moderado sucesso, precisando apenas de uma representação humana e dos seus contactos, mas não da sua capacidade executiva; isto é, a sua função é automatizável na mesma medida que as demais, talvez até com mais experiências feitas — o que, feitas as contas, poderia representar uma imensa poupança para as empresas. Se isto é, de facto, uma possibilidade, porque razão não está a ser seriamente considerada? Automatizar parte destas tomadas de decisão poderia ser o caminho para uma maior redistribuição de trabalho e rendimentos dentro das próprias organizações. Estaria Graeber, de facto, certo quando diz que quem quer aumentar a produtividade dificilmente está interessado em fazê-lo se a solução começar em si?
Pensando na previsão de Keynes, que nos prometeu a abundância e a possibilidade de nos debruçarmos sobre a arte de viver, é importante entender o que nos leva, enquanto sociedade, a temer o tempo livre na era da automatização, não apenas de processos físicos, mas de toda a produção por via da Inteligência Artificial. Seria de esperar que com o acesso a esta tecnologia mais democratizado, que a sua possibilidade de implementação fosse seriamente ponderada e que as suas tentativas de implementação visassem toda a atual estrutura laboral, não apenas algumas frentes, deixando nos tempos de há 100 anos atrás uma série de funções.