A moda como uma consequência da vida, uma conversa com Derek Guy

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Ilustração que serve de avatar de Derek Guy no Twitter.
Ilustração que serve de avatar de Derek Guy no Twitter.

A moda como uma consequência da vida, uma conversa com Derek Guy

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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Alex Couto falou com o menswear guy, a autoridade de moda imposta pelo algoritmo de Twitter capaz de conquistar os corações sartoriais (um thread de cada vez). Uma conversa sobre moda e a forma como podia ser uma consequência da vida, em vez de um fim em si mesmo.

Derek Guy protege a sua identidade no vasto mundo digital, através do uso de um avatar ilustrado de um homem branco com óculos sofisticados. Ligou-me da Califórnia, uma informação que só sei porque o meu telemóvel fez um doxxing súbito por baixo do número. E que se revela útil para perceber algum do colorido local nos exemplos de Derek. Para já, é importante sabermos também que passou muito tempo em fóruns de menswear na década passada, algo que informou o conteúdo que agora oferece a meio milhão de seguidores (só no Twitter).

Basicamente, isto é tudo o sabia sobre Derek Guy. Ainda assim, achei relevante conversar com ele enquanto uma das vozes com maior audiência no tema do menswear a nível global. Sim, porque hoje em dia, um podcaster ou um influencer pode competir com a audiência de instituições mediáticas, como uma revista ou jornal. E foi precisamente por aí que começámos.

A relação de Derek com as publicações focadas em moda não é a melhor. Diz-me isso como uma espécie de alerta, mas são precisamente esses porquês com que nos debatemos que dão direção à conversa.

D.G.: Tenho uma relação muito difícil com os media de moda. Penso que a idade de ouro dos media de moda foi no início do século XX. A Apparel Arts era uma publicação feita e entregue a vendedores e lojas de roupa, uma precursora da Esquire e da GQ. A publicação limitava-se a dizer como nos devíamos vestir para diferentes ocasiões, ambientes e estações do ano, etc. E não se falava de celebridades, nem de quanto custavam as coisas, nem de que marca; nada disso. A Apparel Arts acabou por se transformar na Esquire, que por sua vez também se transformou na GQ. E as primeiras edições da Esquire e da GQ eram muito boas. Também nos diziam não só como nos vestirmos, mas também como organizar um cocktail ou qualquer outra coisa.

Há uma reflexão histórica no seu regresso à Apparel Arts, mas também há um propósito. Serve para contrastar de imediato com o nosso momento, onde o aconselhamento de uma publicação de moda pode misturar-se com os interesses dos seus anunciantes.

D.G.: Ao longo do tempo, com a explosão do número de opções de vestuário, estas revistas também tiveram de acompanhar as mudanças no vestuário masculino. Mas também se tornaram muito comercializadas, onde se falava do fato Zegna para a estação. E, claro, duas páginas depois, vê-se o anúncio da Zegna.

Hoje vemos podcasters, influencers e bloggers acumularem dezenas, milhares ou milhões de seguidores. A procura na internet por informação acerca de moda – e a criação de plataformas de socialização com base na imagem – levou a uma explosão de conselhos e personas em plataformas digitais. E esta mudança de paradigma para a indústria da moda, onde vozes reais se tornaram mais cativantes, parecia dar também agência aos seguidores, convictos do influencer certo para si. Mas Derek Guy já não acredita nessa realidade.

O ceticismo de Derek Guy em relação a estes novos tastemakers torna-se evidente, sobretudo pela forma como lhe parecem ser igualmente corrompíveis. De certa forma, ressuscitando o problema das revistas de moda, mas de forma ainda menos mediada.

D.G.: Dá muito trabalho fazer um blogue, dá muito trabalho fazer um blogue de estilo pessoal, até dá muito trabalho fazer uma conta influente no Instagram. Sendo alguém que reconhece isso e tem de lidar com isso, é preciso encontrar formas de o transformar num modo de vida. Mas isso também significa que os influenciadores acabam por fazer colaborações e publicações pagas, promovendo conteúdos patrocinados. Uma pessoa passa a ser um vendedor.

É muito claro que a nova geração de entusiastas por moda, mesmo capazes de disputar a atenção das pessoas através do seu conteúdo, não foram a solução para termos um acesso mais transparente ao produto e à sua qualidade: informação em vez de propaganda. Derek Guy está ciente disso, mas mesmo enquanto empatiza com os desafios que os criadores digitais estão a viver não deixa de articular a sua crítica.

D.G.: Uma vez que a imprensa de moda se afastou, deveria ser o trabalho do influenciador informar. Mas os influenciadores também foram completamente cooptados pela indústria, por estas colaborações. Porque eu percebo, percebo perfeitamente, que eles precisem de ganhar a vida e pagar rendas absurdas nas cidades cosmopolitas onde estão sediados.

Só gostava que tivéssemos melhores meios de comunicação sobre moda, onde as pessoas não fossem tão cooptadas pela indústria e pudessem dizer “não, na verdade esta marca não presta”. As pessoas só fazem isto com a fast fashion porque é um alvo fácil, mas deviam fazê-lo mesmo com as marcas de luxo. Esta camisola de caxemira que estou a usar custa 2.000 dólares e pode comprar-se uma camisola de caxemira melhor por 500 dólares. Por muitas razões, as pessoas não fazem isso.

A postura de Derek Guy torna-se clara. Tem uma visão diferente do que um influencer de moda deve fazer, ditar ou promover. Talvez a sua postura esteja relacionada com a forma como navegou por uma era de entusiasmo estético, quando os fóruns dedicados a estes temas não tinham segundas intenções. Quando influenciar não era uma indústria por si só.

D.G.: Os blogues de moda começaram a surgir online no início dos anos 2000. As pessoas começavam um blogue no WordPress ou no Blogspot, publicavam sobre coisas de que gostavam. Os blogues de estilo urbano começaram a surgir na mesma altura. As pessoas tiravam fotografias de pessoas na rua e diziam: “Vejam como esta pessoa se veste”. E, para mim, foi um momento muito bonito, porque era movido por puro entusiasmo. Era apenas alguém que adorava roupas.

Como acontece aqui e vai continuar a acontecer ao longo da entrevista, Derek Guy sustenta as suas respostas com uma contextualização histórica da sua percepção dos acontecimentos. Acredito que esta informação seja enriquecedora, vamos debruçar-nos sobre ela.

Sobre o fenómeno dos blogues, acho que todos nos lembramos de uma época em que O Alfaiate Lisboeta era hotspot digital, capaz de fazer o dia de qualquer pessoa que fotografasse. Quando a Pepa disse que o seu sonho era ter uma mala Chanel, o país caiu-lhe em cima pela falta de noção das dificuldades que se viviam nessa época. A honestidade, mas talvez a ingenuidade também, mostrou que a sinceridade era volátil, muito antes de chegar a monetização. Hoje talvez tenhamos de substituir este termo por sell out, mesmo que não o explique na sua totalidade.

Who the f*** is Derek?

Para caracterizar o Derek Guy, uma figura anónima mas longe de ser desconhecida online, procurei saber mais sobre o seu interesse em estilo.

Já tinha lido em entrevistas que estava dedicado a participar em fóruns desde que se apaixonou pela sua ideia de moda: aquilo que as pessoas vestem de acordo com a história das suas vidas. E também sabia do seu fascínio pelos entusiastas de Ralph Lauren, auto-intitulados Lo-heads. Pergunto-lhe sobre este grupo, numa tentativa de tentar captar quando se começou a interessar por moda.

D.G.: Bem, eu diria que na altura não pensávamos nisso em termos de moda. É uma das coisas interessantes que penso que aconteceu ao vestuário nos últimos cem anos. Obviamente, eu não era vivo há cem anos. Mas, ao longo do tempo, a moda tornou-se mais dissociada do estilo de vida das pessoas.

Vamos enquadrá-lo no sentido de que, no início do século XX, as pessoas vestiam-se de acordo com o tempo, o lugar e a ocasião. E depois, em meados do século, as pessoas vestiam-se de acordo com diferentes identidades aspiracionais.

Assim, podiam ir à Ralph Lauren para construir um look preppy ou podiam ir à Levi‘s para um look de trabalho ou podiam ir à Armani para um look italiano. E, no final do século, as pessoas vestiam-se de acordo com as diferentes subculturas em que se inseriam.

Este pivot não é segredo nenhum, mas deixou-me feliz. A verdade é que as nossas escolhas estéticas são sempre um somatório com cálculos falhados entre o que nos rodeia, o que sonhamos para nós próprios e o quanto somos capazes de – ou queremos – arriscar.

Entender a percepção do Derek Guy é entender a grande mudança do mundo — já não nos vestimos de acordo com a profissão que temos ou com o apelido da família que carregamos. Os mundos onde nos inserimos podem fazer-nos rejeitar ou desejar certos elementos de estilo.

D.G.: Cada cena tinha o seu próprio tipo de vestuário — essa era a cena em que eu estava metido. E havia outros tipos diferentes de cenas e de subculturas. Se gostavas de música punk, vestias-te de uma certa maneira. Se gostavas de skate, vestias-te de uma certa maneira. Portanto, na altura, o vestuário estava ligado a uma subcultura e não era considerado o elemento mais importante. Gostavam de roupa e sabiam o que deviam vestir se fizessem parte de uma cena.

Eu tenho de parar aqui. Esta ideia de que o estilo e a moda são consequências secundárias de uma determinada forma de vida é essencial para mim.

As minhas primeiras percepções estéticas foram marcadas pelo universo piscatório à minha volta em Setúbal — as mesmas camisolas de flanela usadas pelos pescadores para sair a meio da noite eram também usadas pela vizinhança de profissões terrestres. O maior orgulho do meu pai era o seu fio de ouro, fruto de uma realidade local em que um fio de ouro é a garantia de uma moeda de troca para dias difíceis. Há uma frase do Derek Guy que capta precisamente este estado de espírito.

D.G.: Não eram as roupas a ditar a cena, as roupas eram parte da cena.

Para ele, esta consequência natural, a moda como uma resposta à vida, é uma parte importante de como devemos entender a moda, de como podemos tornar a moda um assunto que vai interessar mais gente. Em vez de tendências, peças quentes da estação ou, no pior dos casos, o que alguém vestiu e não devia ter vestido.

D.G.: Quando as pessoas lêem sobre a mala de 5.000 dólares que é suposto ter, ou que celebridade usou o quê, torna-se muito difícil relacionarmo-nos com isso.

Torna-se até uma piada, seca, que reduz a moda ao nível de ridículo de que muita gente se aproveita para a considerar desnecessária. Uma visão que acaba por ter um papel redutor na nossa compreensão da moda.

D.G.: Não é que eu ache que seja mau. Apenas não estou interessado. Disse a um editor do Washington Post que acho que se pode escrever sobre moda como qualquer outro tipo de história de interesse humano. Podemos escrever sobre os caminhantes californianos da década de 1970. Podemos escrever sobre os pescadores do Mar do Norte. O aspeto humano que ganha uma especificidade estética, acho eu. Isso é muito mais humano.

É de grande beleza esta percepção do Derek, um ajuste das prioridades onde as pessoas e as suas necessidades são postas à frente das tendências do momento e de todos os negócios imperdíveis em época de saldos.

O problema é como, na moda, ser assunto parece ter-se tornado o assunto em si mesmo. A moda é capaz de gerar meta-conversas num loop quase infinito, de tão ruidosas que se tornam. O apogeu das redes sociais também parece virado para repetir vezes sem conta as mesmas imagens através de páginas e utilizadores em busca do assunto com maior capacidade de gerar engajamento.

D.G.: A cena atual é a moda. Comecei a interessar-me por roupa porque me interessava por música e dança e havia um certo tipo de roupa que combinava com isso. Mas, na altura, não pensávamos nisso em termos de moda. Não se dizia às pessoas: “Oh, eu gosto de moda.” Dir-se-ia: “Oh, eu gosto de dança.” Ou até podíamos dizer: “Gosto de Polo.” Naquela altura, havia pessoas que obviamente gostavam de roupa, mas não se pensava nisso como moda.

Havia marcas quase exclusivas de determinadas tribos urbanas, sobretudo quando era adolescente durante os anos zero. O meu interesse pela antiga loja lisboeta Big Punch vem sobretudo de um lugar de fascínio pela forma como uma só loja podia apelar a entusiastas do hardcore, do graffiti e do skate.

Uma espécie de gramática

Ao trazer-nos estas reflexões sobre este universo, é impossível não pensar no trabalho de Derek Guy como uma amplificação do vocabulário da moda (não só as palavras, como as referências), para um público cada vez maior. Com ou sem interesse prévio, há dificuldades em navegar esta realidade caótica, sobretudo nesta era de capitalismo tardio e onde qualquer imagem se torna uma projecção.

Pergunto-lhe se vê estes assuntos como uma linguagem, com a ambição de ensinar a audiência a falar de acordo com os termos da moda e da estética.

D.G.: Penso na moda como semiótica. Uso muitas vezes a frase de Noam Chomsky, aquela pela qual ele é famoso: – As ideias verdes e descoloradas dormem furiosamente. Este é um exemplo de uma frase que é gramaticalmente correcta, mas semanticamente absurda.

Não tem qualquer significado. Se a disséssemos numa frase ou numa conversa, as pessoas não saberiam do que estamos a falar. Quando fazemos um coordenado de sucesso não foi porque pegamos em coisas aleatórias e colocámo-las no corpo.

Talvez até possamos pensar, qualquer que seja a combinação — Oh, bem, o verde combina com o azul, por isso vou usar um pólo verde com um chapéu azul e calças de ganga brancas ou assim.

O que realmente faz um conjunto de roupas funcionar em conjunto é algo que não é apenas gramaticalmente correto, mas que comunica algo. O que é que significa comunicar algo? Isto é muito óbvio quando se estuda a história do vestuário e se pensa na forma como o vestuário é utilizado na sociedade.

É evidente que a leitura do Status & Culture do W. David Marx se integra perfeitamente com este tópico. Uma certa ideia de constelação, aquilo que faz sentido no meio dos outros elementos onde é mais natural, parece bater certa aqui.

Mas também há um elemento de gramática que é importante — até um dia aprendermos o que são bainhas, não temos exigência em relação a isso. Podemos dizer o mesmo acerca de lapelas e botões de punho. É bom termos presente que o que nos parece bom gosto, é fruto de séculos de acumulação de percepções. Navegamos esta realidade durante a era da internet (uma espécie de tempestade para quase todos os assuntos).

D.G.: As pessoas utilizam o vestuário para projetar ideias sobre o género, a classe, as aspirações, a identidade e a pertença a um grupo. Aliás, não só a pertença a um grupo. Podemos vestir-nos para comunicar que somos punks, mas também podemos vestir-nos para comunicar que somos um indivíduo dentro desse grupo, de modo a pertencermos a um grupo, mas também a sermos um indivíduo único.

Por vezes, as pessoas perguntam-me: “Quem criou estas regras? Como é que surgem novos estilos?” Para mim, tudo se resume à linguagem. É como perguntar a alguém quem inventou as regras da língua. Ela emerge da sociedade. Como é que surgem os novos estilos? É como perguntar a alguém: “Como é que surge o calão?” O calão pode surgir de muitas maneiras.

Este cuidado que Derek Guy tem em dar a conhecer as particularidades do todo que compõe a moda também me desperta outra dúvida. Ao informar acerca da moda, terá também uma intenção de proteger as pessoas das decepções reservadas aos consumidores menos informados?

Uma certa frase do David Foster Wallace parece adequar-se a este momento da história do consumo e decido partilhá-la — Há uma certa tristeza acerca dos confortos materiais quando se tem acesso a muitas coisas. Mais uma vez, o Derek Guy leva-nos de volta à história, para que o nosso olhar sobre o presente a consiga enquadrar.

D.G.: Actualmente, temos esta dissociação entre vestuário e estilo de vida. No início do século XX, os homens usavam sobretudo fatos e camisas sociais e sapatos de couro. Depois, em meados do século, houve um aumento de vestuário desportivo. Não é que tenha sido inventado em meados do século XX, mas houve uma explosão de diferentes estilos de vestuário desportivo e de estilistas. Depois, no final do século, surgiram todas estas subculturas juvenis e diferentes tipos de identidades que foram criadas. Agora, há um bilião de estéticas diferentes.

Como navegar esta realidade? Bem, o truque é decidirmos rápido se queremos arriscar e colher os trunfos da nossa ousadia estética, ou se queremos ser mais contidos e garantir que nunca fazemos figuras lamentáveis. Entre estes dois pólos, tudo está a valer como opção.

Fica difícil tomar qualquer tipo de decisão deste género porque parece que nos estamos a projectar a nós mesmos. Na verdade, estamos a fazer isso.

Face a esse peso, a ironia surge como uma camada possível para blindar as nossas intenções e projecções.

D.G.: Sim, toda a minha vida, mesmo nos anos 2000, quando a ironia teve outro grande momento, sempre desgostei muito porque acho a sinceridade melhor.

Não sei se as pessoas hoje em dia usam o vestuário de uma forma irónica. Para dar um exemplo, quando vemos alguém a usar uma t-shirt de heavy metal e não sabe nada sobre heavy metal ou sobre a banda, não acho que o esteja a fazer de forma irónica. Penso que estão simplesmente a gostar. Gostam da estética e vestiram-na.

No início dos anos 2000, por exemplo, as pessoas usavam certas roupas que eram intencionalmente feias e faziam-no numa espécie de piscadela de olho para dizer: “Eu sei que isto é mesmo feio e acho que é feio, mas estou a usá-lo por uma questão de ironia”. Mas acho que as pessoas não fazem isso agora.

Acho que as pessoas não usam bonés de camionista porque acham que os bonés de camionista são feios. Enquanto que as pessoas no início dos anos 2000 faziam-no.

Mas não haverá uma ideia de ironia a actuar também no lado do design de moda? Uma certa tendência dos criadores para fazerem algo tão desligado de seriedade que acabe por ser um sucesso por isso mesmo?

D.G.: Penso que a ironia se manifesta no lado da indústria, onde alguém como Demna [Gvasalia, da Balenciaga], por exemplo, diz frequentemente em entrevistas: “Estou apenas a desenhar roupas para fins práticos e já não penso em moda”.

Ele contrapõe, mas penso que as suas criações são intencionalmente irónicas. Por exemplo, quando faz roupas como a t-shirt da DHL e as vende por mil dólares, ou quando faz estas peças intencionalmente feias e as vende por 5.000.

Penso que, do lado da indústria da moda, há uma componente em que os designers criam coisas que são intencionalmente feias para trollar as pessoas, porque percebem que vivemos numa era de redes sociais em que é mais provável que as pessoas partilhem e comentem as fotografias de uma coleção se esta as ofender e se gerar discurso e controvérsia.

Acho que isso é lamentável. Penso que os designers deviam lançar coisas que acham genuinamente bonitas e coisas que acham genuinamente que as pessoas deviam usar, em vez de lançarem coisas que são só clickbait.

Parece promover alguma ansiedade, algo que a moda tem o poder de fazer chegar às pessoas, mesmo quando tantas vezes se mascara de uma armadura para isso mesmo.

Face ao momento em que vivemos, pergunto-lhe também se tem algum interesse em body positivity, se é essa a razão pela qual escreve tanto sobre moda para corpos mais largos, mais altos ou mais baixos.

D.G.: Para ser sincero, não penso nisso em termos de body positivity. Penso apenas que há muitas formas de nos vestirmos bem enquanto homens maiores. Penso que, independentemente de se ser baixo, alto, magro ou grande, qualquer pessoa pode vestir-se bem. E não tem a ver com o corpo. Trata-se da forma como se pode usar a roupa para comunicar coisas. E isso aplica-se a qualquer forma. E não penso nisto como se estivesse a lutar contra imagens corporais negativas. Penso apenas que qualquer pessoa o pode fazer. É verdade. Há desafios quando se é um tipo maior ou um tipo mais baixo. E o desafio é que, se estivermos a comprar roupa numa loja, se tivermos uma forma corporal atípica, vamos ter algumas dificuldades em encontrar roupa que nos sirva. Mas é absolutamente possível.

Para acabar, gosto deste mindset que o Derek Guy partilhou connosco e que capta uma boa-onda que muitas vezes falta em círculos onde a moda chega a ter uma importância desmesurada.

D.G.: Penso que é perfeitamente normal que alguém não tenha qualquer interesse em vestuário. Penso que não há razão para que alguém tenha de se interessar por vestuário. Podemos vestir o que quisermos e viver a vida. Sempre acreditei que, independentemente da roupa que usamos, devemos ser tratados de forma justa e igual e ser considerados apenas pelas nossas acções e pelos nossos méritos. Para mim, isto é apenas um passatempo. Se por acaso quiserem vestir-se melhor, se por acaso gostarem de roupa, gostaria de pensar que tento descodificar o significado da roupa para que possa descobrir como escrever uma melhor frase através da roupa, essencialmente.

Torna-se claro que para Derek Guy, a moda é um efeito secundário da vida. Quer seja através de narrativas onde percebemos a sua origem, quer seja como um conhecimento necessário à mestria da nossa própria imagem. Esta abordagem é refrescante, sobretudo num mundo onde a moda tem uma carga publicitária sufocante e tem uma importância na definição de estatuto socioeconómico.

Face a todos estes factores algo asfixiantes, é bom voltar a olhar para a roupa como algo prático num determinado contexto, mesmo quando sabemos que utilidade e projecção vão andar sempre de mãos dadas, nesta era decerto candidata à mais confusa de sempre. Pelo menos, no que toca à estética, claro.

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