Para saberem ao que vieram, eu descobri recentemente que status, estilo, moda e cultura estão mais ligados do que pensava, mesmo quando sempre tive interesse neste assunto. A forma como a palavra cultura significa 1001 cenas não ajuda, e o grande fantasma que paira sobre o estatuto social dá vontade de rir. É por isso que estamos aqui hoje reunidos (naquele sofá Pierre Paulin do Frank Ocean), para batermos o léxico.
Talvez não seja muito claro como o penteado, o tipo de calças, o consumo cinematográfico, ou até a decoração do apartamento, sejam decididos com uma certa preocupação social por detrás. No entanto, se fizermos um esforço por perceber as motivações de todas estas escolhas (que vão do gosto pessoal ao alinhamento com os outros à nossa volta), é fácil percebermos que não navegamos num vácuo.
A originalidade irreprimível pode trazer-nos ganhos ou perdas de estatuto pela rebeldia (ou génio) que revela, mas quase ninguém funciona nesse ângulo de risco — preferimos organizar a arbitrariedade das convenções de estilo num conflito entre velho e novo, rico e pobre, bonito ou feio, ao levarmos para a arena da decisão a carga cultural de que dispomos.
“As fashion spreads, it gradually goes to its doom. The distinctiveness which in the early stages of a set fashion assures for it a certain distribution is destroyed as the fashion spreads, and as this element wanes, the fashion also is bound to die.”
É Georg Simmel que nos apresenta, logo em 1905, a moda (um termo problemático como veremos abaixo) como um conjunto de tendências cíclicas que são arremessadas entre frescura e mofo.
Apesar dessa discrepância, no seu ensaio “Fashion” parece sugerir uma ambição por parecer algo que se é, que não se é ou que se pretende ser. A ideia de que a moda nos permite demarcar a nossa pertença numa determinada escala social, revelando quem são os nossos pares.
W. David Marx parte deste princípio para nos mostrar que mesmo dentro de grupo há uma necessidade de individualidade, que muitas vezes justifica como dentro de uma estrutura social macro, há movimentos micro e tentativas de expressividade até dentro deles.
No jogo da imitação e da distinção, erguem-se barreiras, expressam-se pontos de vista, mas tanto se escondem, como se tornam óbvias, as reflexões sociais que revelam as referências de cada um. Talvez a ideia de usar longas correntes de diamantes pareça algo desligada da nossa realidade onde o pai usava um fio de ouro sobre o pelo do peito e o ocre do bronzeado, mas para um rapper de Atlanta a subir a pulso no mundo da música norte-americano, talvez essa corrente seja a forma mais fácil de contar a sua história.
Não é preciso ir tão longe. Famílias felizes revelam-se em cães felizes como Pastor-alemão ou Retriever Dourado, os mais chungas precisam de raças ameaçadoras como Pitbull terrier ou Dogue Argentino. A ideia de imitação ou distinção que Simmel expõe no seu ensaio parece continuar na história que W. David Marx nos conta acerca do penteado dos Beatles. Os humanos fazem tudo o que podem para se enquadrarem, porque sabem que conforme o seu grupo social, podem ter uma vida melhor.
Sendo assim, como é que navegamos a era mais barulhenta no que toca a referências visuais e estilísticas, numa espécie de modo vibração da qual não conseguimos desligar (a internet), enquanto tentamos expressar quem somos e aquilo que gostamos?
Um passo de cada vez, claro, com alguma ansiedade entre o que somos e como o expressamos, mas sempre com uma certeza. As escolhas em termos de comportamentos estéticos e formas de estar podem estar a ser secretamente guiadas por intenções de estatuto social.
Por agora, só temos de ter em conta a seguinte premissa, por mais dolorosa que seja de ver por escrito: Um estatuto social superior traz vantagens em termos de acesso a recursos, estima por parte dos nossos pares e, claro, serotonina. Obrigado W. David Marx, eu devia mesmo ter percebido isto sozinho.
Quando pensamos numa óptica de extremos, o acesso a estatuto pode trazer uma saúde mais forte e menos ameaças sociais. Não me admira que tanta gente esteja preocupada com isto — só não faz muito sentido que seja um tema tabu.
Iluminações acerca de status ao longo do meu percurso
Ao longo dos anos, tenho praticado um apreço pelo estilo enquanto característica pessoal. Fiz amigos à pala disso, conversei sobre ténis, casacos e decoração. Apesar dos tabus associados à moda, o poeta da minha terra é o Bocage — o mesmo que “usava um tecido ao ombro, à espera da última moda”. Sinto que é limitador, só chatear os meus amigos com o assunto do status. Não podem ser só eles a ouvir as correlações que tenho conseguido fazer entre intenções de ousadia e contra-sinalização, mas para isso é preciso o tal vocabulário.
Quando cheguei todo lampeiro com o meu primeiro par de skinny jeans ao Bairro dos Pescadores, o meu amigo Fábio Batata teve uma reacção de tragédia grega, no sentido de só existirem duas hipóteses: “Ou és gay ou deixaste de ser original.” O original era vestir-me tão à chunga como os meus vizinhos.
Aprendemos cedo que há aquele chunga, o estilo, e aquele chunga que é só pobre. Triste, mas a hierarquia do status dita a lei (quer estejamos a par dela ou não). O meu interesse por estilo iniciou aí, numa certa cultura basofe, com vontade de compreender o que tornava alguém realmente chunga (no sentido de tribo urbana em Setúbal e restante margem sul, uma espécie de mitras em Lisboa e gunas no Porto).
Era fácil ver o boné da Lacoste, a bolsa, as argolas de ouro, idealmente com conta di odjo — apesar de ter apreciado a versão pérola que vi em força no Iminente do ano passado. Era mais difícil perceber a diferença nos modelos de Nike Air Max, sobretudo quais eram os verdadeiros e os falsos. Um dia chegou o Marroquino com a bagageira cheia de ténis e camisolas de futebol e eram mesmo reais, da fábrica. Eu comprei dois pares, o meu amigo Johnny comprou dez.
Ter uns Air Max frescos sempre foi um clássico de rua que ainda se mantém para os verdadeiros. Eu é que tive de variar a um ponto que o Batata ficaria surpreendido. Conforme saí de Setúbal também deixei de querer parecer basofe, queria era arranjar dinheiro e ainda fazer mais por fora, nem percebia o quanto essa fúria de capital estava relacionada com status.
O meu caminho importa pouco para este assunto, só queria dar um contexto geral para ser o vosso guia ao longo de um conjunto de conceitos que vos vão deixar equipados para perceber a profundidade de estatuto social que escolhas algo superficiais permitem. Na universidade, tive a sorte de ler o The Coolhunt do Malcolm Gladwell, que me permitiu perceber que existia uma relação entre tendência e moda, mas também entre comércio e percepção psicológica, talvez com uma dose de originalidade? Era complexo.
Havia uma suspeita minha de que as ruas podiam ser o epicentro do estilo, o local certo para a transgressão (calculada ou não) e com a cultura confirmei isso. Só descobri que havia imensa facilidade em tornar ícones de classe alta algo que era apropriado pelo povo — havia a hipótese de que os clássicos fossem apenas o que conseguia sobreviver a isso.
Bem mais complexo do que esperava, os anos passaram-se e com o meu cimentar na indústria criativa também veio um dia a certeza de que ambicionava praticar a sofisticação. Foi a minha palavra do mês e tudo, sempre que pensava nela achava-a cristalina, de um azul diamante. Havia tanto de sofisticado no mundo para descobrir — restaurantes, cidades a visitar, marcas de roupa decerto desconhecidas, jovens escritores, até eu próprio com perfume. Talvez seja uma prova de burrice, mas nesta altura eu continuava a não perceber que tudo isto estava relacionado com status.
Em Portugal, parece ser um tabu enorme falar de estatuto social — fala-se primeiro dos ricos e pobres do que dos conceitos de sinalização, álibi ou cachê. Fala-se do que os outros têm, mas não se entende que a soma do que os outros têm é o seu estatuto social. Desde que li o Status & Culture (que me ajudou a bater com o nariz nestes conceitos), tenho-me apercebido que falta nomenclatura para ser capaz de adereçar estes assuntos.
Apesar do meu gosto em crescendo, tudo isto se relaciona com bem-estar. Um estatuto social elevado traz recompensas maiores e a verdade é que não funciona só por intervalos, é gradual ao ponto de se tornar óbvio. Com a minha mudança do Bairro do Viso para o Bairro da Lapa, ganhei uma série de confortos sociais (polícia sempre a tomar conta de nós, menos gritaria entre vizinhos), quando comparado com o meu passado. No topo da escala há restaurantes de fine dining e hotéis como os do White Lotus.
Foi desde o Pierre Bordieu, e daquele gráfico interactivo que chegou do Diogo Duarte via João Ribeiro quando ainda não tinha Twitter, que encontrei o habitus. Nesse gráfico, era possível navegar nas classes sociais para encontrar os seus consumos culturais padronizados, onde é possível perceber como os comportamentos mudam colectivamente conforme se progride nos diferentes capitais que é possível conquistar.
Óbvio, eu partilho muito mais significadores de status com os meus pares da indústria criativa, do que com os portugueses da minha idade. Quem é que vai reconhecer a minha sweatshirt da Braindead? A minha mãe acha os meus New Balance iguais aos que têm o “N” gigante. Há umas semanas uma amiga comprou o iPhone 14 para ferramenta de trabalho — não era necessário, se trabalhas em agência ou em comunicação, tens Apple. Se eu sabia isto, como é que não sabia de status?
Eu sei, é idiota. E é precisamente por essa burrice que agora estamos a ler isto. Porque entender dinâmicas de status é crucial para conseguirmos compreender o mundo em que vivemos e o nosso próprio plano de vida. Porque todos aqueles que acham que não estão a ligar, talvez só estejam a responder tarde demais. Era ideal que estivéssemos todos a par.
Tipo, se tu me disseres que estás a par do grande ciclo de tendências que se torna a cultura, e que escolhes usar hoodies para te esconderes dessa grande ostentação de egos, pronto, eu respeito. Mas preciso que me oiçam na ideia de que se tu estiveres a par do que estão à espera de ti (ou do que não estão à espera), a surpresa estética nem sequer tem de o ser — a sua possibilidade, a sua reflexão, é infinitamente mais interessante e conceptual.
Em suma, deixamos o estatuto social percebido, tudo acerca de nós é atirado para um cocktail que significa o nosso valor social. Triste, mas é verdade. Podes ser de classe média, mas alto engenheiro e o teu capital profissional vai-se transformar em capital económico e, se fores engraçado, em capital social. Como esta etimologia de status é meio bizarra, vamos ter de apresentar este conteúdo em glossário (o que por si só é algo com que simpatizo).
Antes do João Pedro George me apanhar na curva, eu vou já desbocar-me todo: eu não consegui encontrar a tradução de vários dos termos que trouxe do Simmel, nem do David Marx, muito menos do Pierre Bordieu. Se me virem a tropeçar ao comprido no português sociológico mandem só aquela mensagem para da minha calinada se criar diálogo, ou se quiserem, discurso.
E conforme inalo do pulso as últimas partículas do perfume Mojave Ghost da Byredo, penso nos sofás da Hay, na poltrona Togo, na tela do Tom Wesselmann. Capital e cultura, totalmente embrulhados — e a culpa é toda do capitalismo. Agora tenho noção disto: durante anos, achei que o cultivo do meu gosto era o cultivo do meu próprio charme, mas isso foi uma cilada comercial, a minha carreira como publicitário abrandou esta triste conclusão.
A partir de agora vamos navegar em conceitos, para que nas vossas próximas abordagens ao real, possam levar convosco ou reavivar já, formas de nos expressarmos acerca do que parece ser a maior das banalidades, a existência corrente.
“A minha colecção de primeiras edições de literatura portuguesa veio também de uma vontade de ler os textos (digo eu, para disfarçar).“
Um Glossário Possível
Álibi: Eu estou fascinado com o conceito de Álibi — talvez por achar que nunca precisei de um, até ter percebido a sua aplicação no que toca a significadores de estatuto social.
Conhecem o termo das séries policiais e forenses que durante largas décadas habitaram a produção televisiva norte-americana e que por isso mesmo encheram os nossos canais como a Fox e o AXN? O álibi aqui serve mais ou menos no mesmo sentido, são as razões que justificam alguém fazer uma compra orientada para estatuto.
O álibi é particularmente importante para compras de estatuto elevado, mas também de preço alto, onde ninguém quer parecer o parolo que acabou de enterrar uma fortuna para demonstrar riqueza. A ideia de que a casa com vista para o mar foi herdada, é um álibi válido para agora estar tão bem-instalado.
Quando enterrei parte dos lucros do meu primeiro livro independente num relógio Omega, fi-lo por saber que era uma marca de alta joalharia cujo preço não desvaloriza a pique, mas também porque o lançamento de um primeiro livro parecia justificar com uma compra que ficaria para o resto da vida.
A minha colecção de primeiras edições de literatura portuguesa veio também de uma vontade de ler os textos (digo eu, para disfarçar).
Cachê: O W. David Marx tem o cuidado de nos dar uma definição de cachê que é muito melhor do que alguma vez podia dar. São associações com alto estatuto de um determinado produto, gosto ou estilo de vida. Pode até confundir-se com um certo conceito de cool (desculpem, não posso traduzir para fixe porque não significaria a mesma coisa).
Cachê são bens ou comportamentos que sabemos estarem associadas a grupos de acesso exclusivo. Eu posso tentar dar um exemplo fixe, como fazer umas férias em São Lourenço do Barrocal. Acho que também se aplica a ter uma colecção de edições Contraponto quando sou jovem escritor. O cachê significa um elevado custo de sinalização, onde está investido tempo, dinheiro, capital cultural, inovação ou exclusividade.
Da soma das sensibilidades, parece resultar um cachê. Então porque é que tende a ser tão ilusório? O cachê parece estar sempre a ser sugerido por classes que consigam definir o cool, deixando a tendência anterior cair no desuso daqueles que não estão a par da cena nova e fresca para qual já se está a saltar. É esta a natureza da mudança, torna-se difícil encontrar o status quo.
O que acho interessante neste conceito de cachê, é que prova como as tendências estão constantemente a serem ajustadas, elevando alguns comportamentos e desprezando outros, conforme a sua cotação sobe ou desce. Esta é uma prova de que o ciclo está sempre em andamento, fazendo o cachê andar com ele.
Quando o meu amigo aristocrata me contou a presença das suas salvas de prata nos maiores banquetes da realeza europeia ao longo dos séculos, eu senti-me na presença de cachê, muito antes de sequer perceber este conceito.
Agora informado, percebo que não era só cachê, também era pátina — uma alusão ao conceito com que ainda se vão deparar e não ao possível verdete de uma prata tão antiga.
Capital: Numa sociedade capitalista, o capital é o principal conceito diferenciador de classe. Só que na nossa era pós-moderna, o capital já não é só dinheiro, investimentos financeiros e posições em conselhos de administração.
O próprio dinheiro sempre arranjou forma de se emaranhar ao longo de outros capitais, para garantir que a própria perda do capital financeiro não ia garantir perda de estatuto. Daí resulta uma variedade tremenda, onde o capital financeiro resulta em capital social, académico, cultural.
Numa viagem por estes diferentes capitais, podemos ter o exemplo de como o capital social se relaciona com todos os outros. Esta relação capta a ideia de que uma pessoa está bem conectada dentro da sociedade em que está inserida e que esse capital social facilita o seu acesso a outros tipos de capital.
Feliz ou infelizmente, ainda temos o capital cultural para equilibrar a balança, mesmo quando sabemos desde o Bordieu e do seu conceito de habitus que quem tem capital financeiro tem muito mais possibilidades de adquirir um gosto mais elevado. As Distinções do Bordieu dividem logo os gostos em classe baixa, média e alta.
Contudo, parece cada vez mais fácil perverter estas lógicas. Um bom exemplo disto é a cultura popular também desequilibrar esta balança, porque podemos ter alguém equipado apenas com televisão e internet a tecer comentários cultural bem mais fáceis de compreender do que alguém que recorra aos seus estudos sobre cânone literário europeu. A cultura digital traz o mesmo tipo de águas turvas que a cultura popular.
Óbvio que a realidade do comentário vai ser inquinada face aos gostos e experiências prévias, mas é bom saber que o capital cultural se pode transformar em capital multi-cultural, se esse for um desejo nosso.
Classe: A classe social onde crescemos, assim como a classe social onde pertencemos de momento, são dois dos elementos centrais da nossa luta por estatuto. O Bordieu relembra-nos isso, quando coloca os consumos tipos de cada classe e a forma como oscilam consoante subimos ou descemos no elevador social.
Quando nos organizamos em classes, estamos a garantir que o estatuto social é algo um bocadinho mais democrático do que quando nos organizamos em castas (maior mobilidade social, em teoria), mas não deixa de ser um empecilho à partida.
Classes mais altas como Dinheiro Novo ou Dinheiro Velho têm mais possibilidades de encontrar formas de expressarem a sua individualidade do que quem tiver prioridades na gestão do orçamento familiar.
Face à suposta competição entre esses dois dinheiros, a luta promete ser até à eternidade. Se o dinheiro novo tem as novidades mais luxuosas para provar um ponto de vista, o dinheiro velho tem os séculos dos seus costumes, a mão bem-enluvada pelas instituições adentro e o facto de ainda olharmos para as “famílias” como uma fonte de classe e prestígio (um disparate tão legítimo como qualquer outro).
Depois destes surgem as classes profissionais que, para nossa surpresa, têm uma vantagem ao seu lado: Depois de décadas a servirem mais ricos e mais pobres que eles, tem mais relações sociais, assim como certezas do que querem e do que gostam, porque têm a experiência e os anos a esbarrarem contra diferentes gostos. Para somar a essa experiência, têm também os resultados financeiros dos seus trabalhos, que apesar do capitalismo tardio estar a dar luta, devia ser suficiente para concretizarem alguns dos seus sonhos de consumo.
À parte de todas estas classes estão aqueles que não têm poder financeiro, nem capital cultural, para tomarem as rédeas do seu próprio estatuto na verticalidade desta hierarquia. Isso leva a que encontram significadores culturais próprios, assim como estéticas de nicho.
Por muito incoerente que isso seja, é precisamente daqui que vêm grandes inovações e exemplos de originalidade, que depois são apropriadas pelas classes com fundos para serem mercantilizados, no que muitas vezes é apropriação cultural.
Também é importante percebermos o outro lado destas classes, porque nos demonstram que para além de uma hierarquia geral da sociedade, as classes que a compõem se dividem em hierarquias próprias. Às vezes, ser o centro de um mundo pequeno é muito mais importante que ser um figurante no centro do mundo.
“Vale a pena pensar no quanto agimos com uma falsa sensação de individualidade na hora das escolhas de consumo, quando muitas vezes estamos apenas a preservar o nosso patamar de status ou a tentarmos dar o pulo para a classe seguinte (o alpinismo é justificado pelos deleites da estação seguinte).”
Convenção: Outro dos conceitos que me fez perceber que demoro anos a chegar ao óbvio, foi esta ideia de convenção que descobri no Status & Culture.
“What makes us so attached to the arbitrary practices of our community in times when other choices are available? The answer is conventions—well-known, regular, accepted social behaviors that individuals follow and expect others to follow.”
Quando W. David Marx me iluminou este pedaço de conhecimento, fiquei a sentir que tanta da tensão entre ser conservador ou progressivo se dava neste campo de “até onde é que os meus amigos vão” que fiquei parvo de não ter chegado lá sozinho mais cedo. Quanto do posicionamento social é que não é manutenção de estatuto? Quantas convenções é que não servem sobretudo como rede debaixo do trapézio?
As convenções podem ser específicas de um grupo — como os bonés Lacoste para miúdos dos subúrbios, mas também há convenções bem mais açambarcadoras. Ir de fato a um casamento parece ser transversal na sociedade portuguesa, mesmo quando variam de custo e até de corte. Por exemplo, eu nunca usei o saiote dos betos — salvo erro chamam-lhe fraque.
A prova está aí, as convenções são indicadores que nos permitem perceber onde encaixar quem. Esta citação de Max Weber parece torná-lo claro: “Status groups are specifically responsible for all ‘conventions’: all ‘stylisation’ of ways of life, however expressed, either originates with a status group or is preserved by one.”
Vale a pena pensar no quanto agimos com uma falsa sensação de individualidade na hora das escolhas de consumo, quando muitas vezes estamos apenas a preservar o nosso patamar de status ou a tentarmos dar o pulo para a classe seguinte (o alpinismo é justificado pelos deleites da estação seguinte).
Constelação: Já alguma vez repararam como há certas fotografias de produto que trazem sempre um universo genérico com elas? Ou como em certas estéticas de Instagram, parecem abundar os mesmos objectos? O mesmo espelho, o mesmo sofá?
Segundo o W. David Marx, isto são constelações. São produtos que ficam bem juntos, que aprendemos a reconhecer em conjunto com uma certa harmonia adicional. Quando queremos um deles, geralmente queremos o conjunto. Se não o quisermos, temos de afinar com combinações únicas nossas que não nos embaracem.
Porquê? Estamos obcecados com congruência. Numa óptica pessoal, parece-me que estamos obcecado com o conceptual. Não precisas de um alfinete de gravata se andares sempre de fato de treino, a percepção de um estilo é feito pelo seu todo. As t-shirts também não levam botões de punho. Talvez por funcionarmos todos neste ângulo conseguimos perceber quem está realmente dentro das regras (nós lemos as pistas e os sinais a toda a velocidade, alguns de nós nem notam quando o fazem).
Já dizia Bordieau: “Every established order tends to produce the naturalization of its own arbitrariness.”
Tendência: Um agrupamento de comportamento que dá a ilusão de um comportamento adoptado por uma população muito maior. Talvez não seja, mas hoje em dia é o que parece. É daquelas palavras que considero amaldiçoada, não pelo seu significado, mas pela forma como foi brutalizada pelo capitalismo tardio para servir de desculpa a comprarmos o novo blazer com ombreiras.
De novo, as convenções sociais e a sua mudança perante um novo comportamento, quer seja uma crítica ou uma aceitação, gera uma nova onda de posicionamentos. As pessoas escolhem o que fazer em relação a uma tendência e podem ter o seu próprio estatuto social em mente quando o fazem.
Os mesmos portugueses que vi colocarem, no Facebook, uma bandeira de Portugal negra com esfera armilar para criticarem a solução governativa da geringonça, seriam provavelmente os mesmos que me criticariam se colocasse a esfera armilar sobre outra proposta de bandeira qualquer.
Hoje em dia parece-me muito difícil não associar o termo à sua versão mais monstruosa, prestes a abocanhar a nossa atenção com a força máxima da banalidade: o hype. Um termo que podia ter morrido com o swag, mas que ficou serviu para definir uma rara tribo social que se caracteriza pela adopção em massa de tendências — os hypebeasts.
É W. David Marx que nos diz algo que já suspeitávamos:“In their willingness to accept expensive new products for signaling wealth, parvenus are often attracted to novelties—the latest and greatest styles, gadgets, and fashions.”
Consumo desmesurado e vontade de provar o seu sucesso da forma mais espalhafatosa possível, leva as pessoas a entrarem nas tendências como se a vida dependesse disso, não percebendo a grande maquinaria por detrás do que parece ser arbitrário.
O verdadeiro drama do pós-modernismo é relembrar-nos que toda esta anedota é real.
“Num momento em que dinheiro de famílias compete com dinheiro de qualquer empreendedor com sorte, não será fixe fazer o património de séculos, com a sua camada de sujeira natural, provar um ponto de vista?”
Moda: Outra palavra, coitada, que sofre cargas monumentais de porrada na sociedade contemporânea.
Moda não é só a arte de fazer roupas, apesar de poder ser exactamente isso. Pelo contrário, a moda acaba por estar presente na vida das pessoas como um sinónimo barato de tendência, para definir aquilo que agora se usa.
Sou amigo pessoal de um designer gráfico que diz à boca cheia que detesta moda, mas que adora estilo. Já perceberam? Eu também percebi logo. A definição dele implica que está acima do barulho das luzes das passarelas e dos conteúdos onde se entrevistam os maiores idiotas da Moda Lisboa.
No entanto, não será precisamente moda o facto dele preferir o desenho dos anos oitenta das calças Levi’s 501 à forma contemporânea, onde o capitalismo teve de estreitar a forma numa óptica de maximização de lucro? Não será a moda, o desenho?
Nós lemos os dois o Ametora e no fundo é esse o livro que eu continuo a recomendar a toda a gente que quer ter um conhecimento mais enternecido de como o gosto por camisas e calças de ganga pode tornar os homens até bastante meticulosos. Só que para mim o Ametora é um livro sobre tendências e moda em simultâneo, para ele não.
Procurar na moda respostas para o estilo, é perceber que a moda enquanto indústria tem outras preocupações — a ocupação de todos os quadrantes do mercado por opções assertivas para diferentes públicos. Um ecossistema problemático no que toca à sustentabilidade, porque a operação de produção, assim como as logísticas de transporte, parecem implicar aterros cheios de peças de forma sistemática.
Moda, o grande diferenciador social, talvez ainda mais notável pela forma activa com que as pessoas o abraçam ou tentam diferenciar-se dele. Muitos decidem dizer-se afastados, mesmo quando o corte das suas calças de ganga é reminescente de alguma inspiração em termos de desenho, por muito que o ignorem ou façam por ignorar.
A partir do momento em que andamos vestidos e sobretudo desde que oscilámos na órbita de uma cidade, somos criaturas da moda, por muito que a nossa relação seja de profunda dependência. Não conseguimos deixar de nos vestir — que tal vestirmos algo que diga algo sobre nós?
O Simmel neste ponto é particularmente cruel, garantindo que esta subjugação nos caracteriza e que só acontece em sociedades com classes estratificadas (ouch).
Pátina: Estão a ver aquele verdete que fica nas estátuas e nas pratas? Para além de ser um composto químico cobroso, também pode ser usado como conceito. A minha Maria aplicava sebo nos figurinos de época quando trabalhava em televisão e também lhe chamava pátina. Na verdade, entre este uso e aquele que eu pretendo sublinhar, já há alguma da intenção de credibilidade.
Pensem comigo — a grande vantagem do pessoal de famílias é ser de famílias. Fixe para vocês, eu à partida não julgo pela origem, o que me tem permitido colher distintas amizades. Num momento em que dinheiro de famílias compete com dinheiro de qualquer empreendedor com sorte, não será fixe fazer o património de séculos, com a sua camada de sujeira natural, provar um ponto de vista?
Num mundo movido a gosto, dizer que o nosso gosto se mantém inalterado há mais tempo, também sublinha que o nosso gosto é o gosto certo. Sobretudo se tilintar ideias de dinheiro antigo, de uma certa forma correcta de agir. A pátina prova-o, daí ser tão importante acená-la, como se fosse uma espécie de álibi em si mesma.
Sinalização: A ideia de ler um blogpost inteiro sobre contra-contra-sinalização seria bizarra há algum tempo, mas não agora. É o melhor momento para nos apercebermos das ciladas que nos estão a pregar quando nos dizem que não nos estão a pregar ciladas.
O caso era curioso. Face à necessidade extrema das universidades de apresentarem o seu lugar nos rankings académicos, as melhores universidades viram-se obrigadas a contra-sinalizar e a deixarem de dizer em que lugar é que estavam. Através desta estratégia estavam a poupar os seus candidatos altamente educados de informação redundante.
Este exemplo capta bem como certos posicionamentos pessoais são na verdade actos de sinalização ou de contra-sinalização. A sinalização ajuda-nos a darmos pistas do mundo a que pertencemos, mas também pode ajudar a contar detalhes da nossa individualidade aquando da presença num grupo.
Aquela imagem clássica do Don Draper com um blazer de verão a dar de caras com os blazers de verão igualmente pirosos dos seus colegas de trabalho pode relembrar-nos como todos decidiram sinalizar que eram classe profissional de férias. Tem graça.
É claro que a complexidade inerente a esta sinalização vai levar a que muitos comportamentos sejam vítimas de actos predatórios, quer seja porque alguém quer desmontar que está a par das novas tendências, quer seja por receio de dar um passo em falso que ponha o seu próprio estatuto em risco.
Se para um banqueiro um relógio de luxo pode ser essencial para se mostrar digno de estar entre os seus pares e falar a sua linguagem, se calhar essa mesma compra vinda de alguém da classe profissional pode demonstrar uma certa insensatez financeira (dinheiro a fazer cócegas).
Dentro da sinalização, gostava de reparar num detalhe particularmente importante, a nuance entre pistas e sinais:
Pistas e Sinais
Há dicas sobre o nosso estilo que nós mandamos numa onda daquelas de deixar ver se alguém pesca disto, depois há outras que não temos noção nenhuma do que estamos a comunicar. O W. David Marx explica isto e ajuda a esclarecer.
Se alguém estiver a usar o melhor fato no casamento do seu amigo, está a dizer muitas coisas, que se preocupa com ele, que aguenta o standard da sua classe social e que cumpre as regras da etiqueta generalista. Isso são tudo sinais, emitidos pelo nosso indivíduo, a partir da sua escolha activa de vestir fato.
Se alguém estiver no autocarro a cheirar a álcool, é muito provável que esteja apenas bêbado no autocarro. Há certos sinais que não se controlam, mas que não deixam de comunicar qualquer detalhe acerca de nós ao mundo.
Entendermos que existe uma diferença entre comunicar de forma voluntária na grande dança que é o estatuto social e que certas pistas sobre o estatuto podem apenas surgir mesmo que sem intenção, ajuda-nos também a perceber como não só é arbitrário, como também injusto, todo este jogo de atirar areia colorida para os olhos uns dos outros.
Conclusão
Foi preciso enterrar alguns meses da minha vida para conseguir ter a compreensão destes conceitos — o que me levou a mergulhar cada vez mais e a tornar-me algo obcecado com desejos prévios que afinal podiam ser desejos de estatuto social.
Como não desejo esta incerteza a ninguém, achei que escrever este artigo era a melhor forma de partilhar estes tópicos difíceis, mas tão importantes para estarmos equipados para falar destas nuances subtis entre o que somos e aquilo que não queremos que sonhem que somos. Não queria ficar a falar sozinho sobre estes conceitos.
Estar a par destas ciladas trouxe-me sobretudo paz e uma sensação de controlo. Essa sensação é tão rara no limbo do capitalismo tardio, que não deixei de sentir que partilhá-la era o melhor que podia fazer. Espero que vos tenha ajudado a compreender certas suspeitas, ou indicado leituras no sentido de as consolidar.
Os seguintes livros e artigos foram consumidos com o propósito de escrever este artigo:
Fashion, Georg Simmel (1905)
The Coolhunt, do Malcolm Gladwell (NewYorker, 1993)
Status & Culture, David W. Marx (2022)