A não ser que vivas numa galáxia distante, é pouco provável que ainda não te tenhas cruzado com uma das várias imagens divulgadas recentemente pela NASA. Foram obtidas através de observações do Telescópio Espacial James Webb, lançado para órbita solar numa iniciativa conjunta da Agência Espacial Norte-Americana (NASA), da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Espacial Canadiana (CSA).
A primeira imagem, fazendo lembrar a capa do livro Cosmos de Carl Sagan, saiu no dia 11 de Julho e deu o mote para as revelações do dia seguinte: um novo conjunto de imagens bastante próximas do nosso imaginário, que acrescentam alguma definição às conhecidas observações, feitas pelo telescópio Hubble – o telescópio espacial da geração anterior. Se perante a pouca diferença entre as imagens há quem duvide da importância das observações levadas a cabo – e da inovação inerente a este novo telescópio espacial –, vale a pena contextualizar e perceber, neste caso, o que significa o menor espaço negro e a maior definição das imagens.
Como referiu uma das cientistas envolvidas neste projecto, Jane Rigby, “para o [telescópio] Webb não há céu vazio, para onde quer que olhe vê galáxias distantes”. E se essa é uma das grandes novidades deste telescópio, a nossa relação com a fotografia convencional pode dificultar a interpretação dos resultados.
Os instrumentos do James Webb Space Telescope
Quando tiramos uma fotografia com uma máquina convencional, o resultado desse processo é, de modo simplificado, um registo da luz visível no instante do disparo – por muito que aumentemos o tempo de exposição, o alcance da fotografia não aumenta de forma determinante. Nos telescópios, equipados com sensores capazes de bloquear parte da luz emitida por corpos mais próximos, os tempos de exposição permitem um maior alcance e o Webb leva este princípio para outro nível.
O telescópio Webb está equipado com quatro instrumentos que, de alguma forma, contribuem para a construção das imagens finais – a NIRCam (Near-Infrared Camera), desenvolvida pela Universidade do Arizona; a NIRSpec (Near-Infrared Spectograph), desenvolvida pela ESA com componentes da NASA/GSFC; o MIRI (Mid-Infrared Instrument), produzido pelo consórcio europeu da ESA e pelo laboratório JPL da NASA; e o FGS/NIRISSS (Fine Guidance Sensor/Near InfraRed Imager and Slitless Spectrograph), da Agência Espacial Canadiana.
É esta multiplicidade de instrumentos de visualização que dá ao telescópio uma capacidade especial de observação, que se traduz em imagens com muito pouco de vazio e em que cada corpo celeste parece ter uma forma única fruto de uma maior definição. Como diz a própria NASA, as câmaras que equipam o telescópio são mais próximas de um sensor de calor do que de um sensor fotográfico como conhecemos, mas é a partir delas que se formam as imagens que vemos.
Focando na NIRCAM (Near Infrared Cam), um dos principais instrumentos de visualização a bordo: esta câmara está preparada para captar luz em com comprimentos de onda entre os 0.6 e os 5 micrómetros, abaixo do espectro do visível, próximo dos infravermelhos como o nome indica. Com sensores extremamente sensíveis a ondas que viajam com frequências baixas – sublinhamos, invisíveis ao olho humano ou a sensores convencionais –, o telescópio consegue detectar (será mais correcto dizer “detectar” do que “observar”) objectos cósmicos com milhares e milhões de anos pela radiação que emitiram ou emitem em determinados momentos do seu ciclo.
Para além dos sensores especiais para as ondas de comprimento de onda maior, a NIRCam conta com coronógrafos, que permitem o foco em radiações muito ténues ao bloquear as radiações emitidas por objectos centrais muito brilhantes, como sistemas estelares (como o sistema solar).
É a maior sensibilidade para detectar luz praticamente inexistente do Webb que lhe permite observar eventos anteriores aos observados pelo Hubble, por exemplo um telescópio espacial convencional e não infravermelhos. Mas, para além disso, também observa mais rapidamente – para se ter uma ideia, a imagem de destaque deste artigo foi capturada em apenas 1 dia, enquanto que o Hubble poderia levar semanas a capturar uma imagem semelhante.
Posicionado a uma distância de 1,5 milhões de quilómetros da Terra – praticamente o triplo da distância a que estava o Hubble –, o Webb foi capaz de detectar galáxias com 4,6 mil milhões de ano. No entanto, é importante perceber que o novo telescópio não veio para substituir o Hubble mas sim para o suceder.
Uma vez que os telescópios estão equipados com sensores que detectam luz em diferentes comprimentos de onda e estão posicionados em diferentes órbitas – enquanto o Hubble orbita a terra, o James Webb orbita o sol –, podendo a informação obtida por ambos ser complementar em muitos projectos. Como diz à Forbes Lamiya Mowla, da Universidade de Toronto e membro de algumas das equipas envolvidas no projecto do James Webb, “o Webb tem três vezes melhor resolução e é cerca de 10 vezes mais sensível aos infravermelhos, por isso consegue fazer o que o Hubble tem feito mas de forma mais rápida”.
Para se ter uma ideia da complementaridade, o mesmo investigador afirma que muitos dos alvos agora observados pelo Webb foram localizados anteriormente pelo Hubble e que foi essa informação que permitiu os resultados de forma mais rápida.
A importância da sensibilidade a comprimentos de onda maiores (e frequências menores) é fundamental para a detecção de determinados objectos, como estrelas e planetas em formação por de trás de grandes nuvens de poeiras que existem no Universo. Enquanto parte da radiação emitida por estes corpos celestes é absorvida por estas estas nuvens, a luz infravermelha consegue atravessá-las permitindo ver para além delas. Nesse particular, o James Webb servirá para substituir o telescópio espacial Spitzer, encarregado das observações neste espectro entre 2003 e este ano, 2022.
Como se vê na comparação abaixo, disponibilizada pela NASA ainda antes da revelação das imagens, o ganho em definição permite uma maior concretização das observações, não só percebendo o tipo de objecto em observação mas também particularidades da sua forma interna.
Da observação à análise
Com a observação surge a possibilidade de análise, levada a cabo por outros dos instrumentos que equipam o Webb. Como se pode ler no site do projecto, a espectroscopia é a técnica que permite, a partir da espectro de radiação emitida por um objecto, saber sobre as suas propriedades físicas, incluindo a temperatura, a massa e a composição quimíca. É nesse domínio que surge outra grande componente de inovação no Webb, o NIRSpec é equipado com centenas de milhares micro-obturadores que permitem optimizar a captura de radiação provenientes de diversos objectos a grande distância, em simultâneo.
Com cerca de 250 mil obturadores do tamanho de um cabelo humano controláveis individualmente, o Webb pode proceder à análise de 100 objectos ao mesmo tempo, o que lhe permitirá levar a cabo a missão de recolher informação sobre milhares de galáxias nos cinco anos de missão previstos. A minúcia do controlo sobre as diferentes “janelas” que permitem a entrada da radiação permite, tal como no caso do instrumento anterior, o foco da observação em objectos específicos.
Esta análise com maior pormenor do universo envolvente, recorrendo à complementaridade dos instrumentos que equipam o telescópio espacial, permitirá desenvolver diversas investigações, entre elas a busca por sinais de possível existência de vida em planetas noutras galáxias – a chamada bioassinatura. Para além disso e, tal como testemunham algumas das imagens reveladas, esta maior definição permitirá também uma melhor compreensão de fenómenos como o nascimento e a morte das estrelas.
Numa outra dimensão também ela relacionada, desde a divulgação das imagens que se reacendeu a controvérsia em torno do nome do telescópio. James Webb que foi o 2º https://shifter.pt/wp-content/uploads/2023/04/333930326_6734667403227056_1447582654111296349_n-1.jpgistrador da NASA, durante o período de algumas das missões mais conhecidas, e chegou a ser secretário de estado dos Estados Unidos da América, é associado a posições homofóbicas e persecutórias de pessoas LGBTQI+, entre os anos 1950 e 1960, pelo que desde 2021 que existem pedidos para que o telescópio seja renomeado.
Some thoughts on the journey to #RenameJWST, the #JWST_HST_SciVI, and the total coincidence of my TED talk coming out today.
— The Disordered Cosmos by Chanda Prescod-Weinstein (@IBJIYONGI) July 11, 2022
As one of the people who has been leading the push to change the name, today feels bittersweet. I’m so excited for the new images and so angry at NASA HQ. https://t.co/aWyhiuHnvv
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