Longe vai o tempo em que quando se pensa em Braga a primeira coisa que vem à memória é a escadaria infinita do Bom Jesus. O perfil da cidade tem vindo a mudar a olhos vistos. Braga é hoje não só uma das cidades com mais jovens do país, como de toda a Europa, e tira partido dessa frescura demográfica para se projectar para além da tradição, forjando uma nova identidade em todas as suas dimensões.
Se na academia a Universidade do Minho se tornou numa referência em diversas áreas, o Theatro Circo é um ponto de paragem dos principais circuitos culturais — novos pontos de interesse vão surgindo na conjugação destes factores. “É uma cidade que, desde há muitos anos, nas suas dimensões mais académicas, empresariais e sociais, tem em contraste com a sua história — conservadora e religiosa — abraçado a inovação tecnológica, e isso é notório” — testemunha Luís Fernandes, director artístico do projecto Braga Media Arts.
O evento que em 2022 terá a sua 1ª edição em pleno pretende ser um dos momentos altos desta Braga que se vai estabelecendo à boleia da inovação tecnológica, que inspira outros sectores da sociedade. Com uma programação disruptiva e eclética, o INDEX reflecte a inspiração tecnológica na produção artística — celebrada de igual modo noutros espaços como o GNRation — que valeu à cidade o título de Cidade Criativa para as media arts, atribuido pela UNESCO.
Entre exposições, performances, conferências e workshops, passarão por Braga durante 10 dias grandes nomes da vanguarda da arte e do pensamento contemporâneo, somando um total de mais de 50 actividades. Da performance imersiva de Ryoichi Kurokawa, um dos pontos altos do dia de arranque do evento, até à conferência do conceituado filósofo Bruno Latour, acompanhado de Frédérique Aît-Touati, o programa foi desenhado “com tempo para respirar, para ler, para investigar e para pensar como é que os diferentes eixos programáticos se poderiam relacionar entre si.” Preparado pelo próprio Luís Fernandes, músico, programador cultural e curador, responsável pela bienal INDEX Media Arts, Mariana Pestana, curadora independente e co-fundadora do colectivo The Decorators, e Liliana Coutinho conta com referências internacionais, bem como com um conjunto de portugueses. Entre os nomes nacionais estão Jonathan Saldanha, Tiago Patatas ou João Martinho Moura, artistas que mostram como por cá se tem acompanhado o ritmo de inovação.
E se para programar o festival o tempo permitiu leituras e investigações na busca pelo que de mais interessante se faz por todo o mundo, o desafio posterior é fazer com que o público reconheça esse valor e se entusiasme. “Notamos que há uma certa dificuldade do público — e não só. Há uma dificuldade generalizada em entender a área”, partilha Luís Fernandes que garante que, apesar dessa percepção, isso “não significa que seja uma área menos interessante, com menos potencial ou menos menos fácil de ser percebida pelo público.” A perspectiva com que se olha para a intercepção entre tecnologia e a arte pode, no seu entender, ser um dano colateral de uma tecnologia que se impõe nos dias que correm, deixando pouco espaço para uma experiência heterodoxa das suas potencialidades: aqui como vector para a prática artística ou subtexto para reflexões sobre a contemporaniedade.
Para o programador é uma certa visão compartimentada das coisas que perde cada vez mais o seu sentido, e é para aí que o alinhamento do festival aponta. “Hoje em dia, as práticas artísticas utilizam diferentes meios, técnicas de diferentes disciplinas e, portanto, cada vez faz menos sentido falar de segmentações disciplinares”, refere. É isso que acontece num programa dedicado ao tema Superfície, que une design, arquitectura, instalações sonoras, performance — disciplinas do foro artístico — à filosofia e ao pensamento crítico, que aqui se elevam à mesma dimensão. Uma ligação que não é propriamente nova para o programador e que surge com tanta naturalidade como intenção. “Ao apresentar uma bienal ligada à arte e tecnologia, estamos também a promover uma problematização desta área, ou seja, a olhar para esta área a partir de diferentes perspetivas de diferentes ideias” — afirma como que traçando a linha com que se unem todos os pontos de destaque do evento.
Sobre esta questão em concreto — a presença de pensamento ao lado das artes —, Luís Fernandes vai mais longe na sua reflexão e defesa, sublinhando a importância que atribui a esta fusão, e testemunhando uma certa marginalização dos formatos. “Os programas de pensamento crítico e conferências são certamente sub-representados na programação de muitas estruturas culturais, infelizmente. E digo infelizmente porque parece-me fundamental que estruturas, como neste caso o INDEX, que faz parte de uma coletividade maior — que inclui o GNRation e o Theatro Circo com funções programáticas contínuas ao longo do ano — devem cumprir o seu papel enquanto motrizes do pensamento crítico sobre a cultura, sobre a arte, sobre a sua prática que promovem nos diferentes domínios”, diz.
Depois de experiências em tempos de Covid-19, o INDEX espalha-se agora pelas ruas de Braga e, apesar da convicção dos organizadores em torno das actividades escolhidas, há uma consciência latente de que programar algo deste género e com este potencial é um projecto de longo prazo mas com um arranque determinante. “O público não está garantido, portanto nós temos que conquistar um público, temos que o familiarizar com esta prática artística, com a lógica deste programa. Consideramos esta primeira edição muito importante, mas estamos cientes de que faz parte de algo que terá necessariamente de continuar para fazer sentido.” É com esse espírito, de entusiasmo e missão que, mesmo antes do arranque da edição de 2022, o organizador já desenha um futuro, convicto de que só assim faz realmente sentido empreender algo desta natureza. “Não faz sentido fazer uma edição do INDEX e depois deixar de o fazer. É uma bienal que espero que dure muitos anos e que, aos poucos, se vai enraizando naquilo que é a cultura do nosso país, o panorama artístico cultural do nosso país e, obviamente, a nossa cidade.”
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O Festival INDEX Media Arts decorre em Braga entre os dias 12 a 22 de maio, em vários espaços da cidade e na web, a bienal desenvolve-se sob o tema da Superfície. Florian Hecker, People Like Us, Jonathan Uliel Saldanha e Bruno Latour acompanhado de Frédérique Aît-Touati são alguns dos nomes que compõem uma programação de mais de 50 atividades, entre exposições, performances, conversas, workshops e visitas orientadas.