Desde 2017 que os BROCKHAMPTON, supergrupo de hip-hop criado no estado do Texas, EUA, têm dado que falar e no passado dia 9 de abril voltaram a encher os nossos ouvidos de bons beats e de boas barras.
A aclamada SATURATION TRILOGY, o divisivo iridescence e o caloroso GINGER compõem o percurso do grupo que, apesar dos altos e baixos, demonstra a capacidade e versatilidade de cada membro. Em poucas palavras, ROADRUNNER: NEW LIGHT, NEW MACHINE apresenta-se com um repertório mais maturo do que o que esperaríamos de BROCKHAMPTON. Desde malhas que remetem às boysbands dos anos 2000, a hard-hitting bangers e a músicas carregadas de sentimento, este álbum tem de tudo um pouco e é isso mesmo que pode causar a divisão de opiniões a seu respeito.
O conceito do álbum anda em torno de termos coragem e perseverança para enfrentar os males das nossas vidas, tendo sempre a noção de que “the light is worth the wait” e surgiu no seguimento do suicídio do pai de Joba. O álbum é focado nele (inclusive, é ele quem aparece na capa), dando-lhe a primeira e a última palavra e dando-lhe o maior tempo de antena de todos os membros.
Tendo em conta que Kevin Abstract referiu no Twitter que este era um álbum conceptual e que a temática do projeto só é introduzida na quinta faixa, intitulada “THE LIGHT”, podemos especular que as quatro primeiras faixas foram feitas antes do evento que espoletou o conceito central do trabalho, e que as restantes foram criadas depois. Suportando esta teoria, temos o facto de as primeiras quatro faixas já serem conhecidas antes do dia de lançamento do álbum: “BUZZCUT” e “COUNT ON ME” são os singles principais, sendo que “BUZZCUT”, com a participação fenomenal de Danny Brown, é a definição de confusão controlada. “CHAIN ON” tem um verso de JPEGMAFIA e foi lançada em 2020 em conjunto com o projeto TECHNICAL DIFFICULTIES, e “BANKROLL” é uma faixa aguardada pelos fãs mais atentos desde 2018.
“THE LIGHT” é a 5ª faixa e a que abre o conceito do álbum divulgado pela banda com uma gravação comovente de Joba a falar precisamente do suicídio do seu pai e a refletir sobre o estado da sua saúde mental, acompanhado por um instrumental assombroso e pesado. Para além de Joba, Kevin Abstract é o único que participa nesta faixa e complementa-a com algumas memórias da sua infância. A música assenta solidamente a temática do álbum e numa transição perfeita somos largados em “WINDOWS”, uma faixa de 6 minutos que, perdoem a minha negatividade, tinha tudo para correr mal, mas que corre na perfeição. Com uma sónica reminiscente dos instrumentais de Dr. Dre e do hip-hop da West Coast, a faixa conta com versos espetaculares de todos os membros principais do grupo e ainda com a participação do membro honorário Ryan Beatty e de SoGone SoFlexy, rapper do Texas que assinou contrato com a editora recentemente fundada por Romil Hemnani e Kevin Abstract, VIDEO STORE. A música progride lentamente, oferecendo sempre “ear candy” para os ouvidos mais curiosos e a sua duração não nos deixa aborrecidos um segundo que seja.
De seguida, ouvimos duas faixas muito inspiradas no R&B dos anos 2000, “I’LL TAKE YOU ON” e “OLD NEWS”, que, podem não agradar a todos, mas são muito características da banda, sendo que em todos os álbuns temos sempre malhas deste calibre. Apesar de tudo, a grande crítica que tenho para estas duas faixas é a sua posição na tracklist que invariavelmente interrompe o desenrolar do álbum e, de certa forma, amenizam o tom do trabalho como um todo.
Voltando do novo ao fio principal, temos “WHAT’S THE OCCASION” que, numa palavra, é perfeita. A introdução lenta e suave, mais o refrão angelical de Joba a deixar entrar uma bateria áspera, a voz roca de Matt Champion e a sensação que este instrumental de rock progressivo transparece é de fim, de desespero. No entanto, na porção final, as nuvens da tempestade abrem, com um piano que em muito faz lembrar algo inspirado no aclamado álbum de Kanye West, My Beautiful Dark Twisted Fantasy, e a sensação que permanece é a da completa antítese do início, fechando o ponto alto do projeto e sem dúvida uma das melhores músicas que o grupo já concretizou.
De forma a trazer-nos de volta à Terra, o grupo introduz a faixa mais relaxada do álbum, “WHEN I BALL”, onde Dom McLennon e Matt Champion refletem sobre os seus sonhos de infância, mas rapidamente somos catapultados para “DON’T SHOOT UP THE PARTY”, uma faixa assombrosa e hipnotizante de hip-hop alternativo que partilha muitas semelhanças com o trabalho de Childish Gambino e que nos fala dos problemas inerentes às políticas de armamento nos Estados Unidos.
Já na reta final do álbum, “DEAR LORD”, uma faixa de gospel cantada por bearface, faz um apelo muito sentido para que Deus ajude Joba a ultrapassar a situação em que se encontra e é a transição perfeita para o fecho do projeto. Contrariamente à agressividade encontrada na primeira parte, “THE LIGHT PT. II” é instrumentalmente calma e serena, mas vocalmente revoltada, com a letra a remeter-nos para a ideia de que Joba estará já parcialmente conformado com a sua situação e a caminho de melhorar mentalmente. A faixa emana novamente esperança e serenidade, mostrado que mesmo nos piores momentos é possível ver a luz.
Em última análise, ROADRUNNER: NEW LIGHT, NEW MACHINE é um álbum que tem um pouco de cada um dos álbuns anteriores, o que pode ser visto tanto como uma demonstração da sua versatilidade, como pela falta de um fio condutor. Para além disto, podemos ver como um grande defeito do álbum o facto de ter demasiadas participações externas, não dando espaço para alguns dos membros principais do grupo, como Dom McLennon e bearface.
No entanto, este é capaz de ser o álbum mais refinado da banda, tanto a nível da produção como a nível lírico e o resultado final é extremamente positivo – para um fã assumido, é bom ver o grupo a continuar a ser capaz de criar faixas memoráveis, mesmo depois dos vários percalços ao longo das suas carreiras e vidas pessoais. Para além disto, é louvável a posição que os membros tomaram aquando do evento que espoletou o conceito central. No momento em que Joba necessitou de mais apoio, o grupo canalizou as suas energias para lhe oferecer o espaço que necessitava para exprimir os seus sentimentos e encontrar a sua própria luz.
No Twitter, Kevin Abstract referiu ainda que este é o penúltimo projeto dos BROCKHAMPTON e que o último irá sair antes de 2021 acabar. Apesar de me deixar entusiasmado para ver a direção que o grupo vai seguir este ano, fico triste por vê-los deixar de fazerem música sob este nome. No entanto, o mais provável é os rapazes continuarem a fazer música em conjunto, abrindo uma série de opções para o futuro e mantendo o espírito dos BROCKHAMPTON tão vivo como sempre esteve.
2 brockhampton albums in 2021 – these will be our last
— kevin abstract (@kevinabstract) March 31, 2021