Fall Guys: frustração e divertimento numa reinvenção do Battle Royale

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Falámos com Ben Nizan, um dos criadores de Fall Guys, sobre o seu sucesso e planos para o futuro.

Fall Guys: frustração e divertimento numa reinvenção do Battle Royale

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Falámos com Ben Nizan, um dos criadores de Fall Guys, sobre o seu sucesso e planos para o futuro.

Se gostas de jogos e não viveste debaixo de uma pedra durante o mês de Agosto provavelmente já ouviste falar de Fall Guys, o jogo do momento que veio revolucionar o conceito de battle royale. O objetivo é só um: ser o last man standing, mas para isso é necessário passar vários níveis, sendo apenas necessárias cinco rondas para vencer, e competir com mais 59 jogadores que também lutam por uma oportunidade de agarrar a coroa e serem campeões.

Saiu no dia 4 de Agosto e desde então tem tido tanto sucesso que nem os próprios criadores puderam adivinhar. “Acho que nunca é possível esperar que as coisas corram tão bem. Por todo o bom trabalho que fizemos, há também muita sorte envolvida.” Quem o diz é Ben Nizan, Game Designer na Mediatonic, a empresa responsável por Fall Guys, em entrevista ao Shifter. O jogo tem uma jogabilidade acessível, e apesar de demorarmos apenas um dia a experimentar todos os desafios, a variedade mantém o entretenimento vivo e divertido. Futebol, acumulação de ovos e correspondência de memória são alguns dos desafios que se podem encontrar no jogo. Os controlos são acessíveis e não têm grande saber. Podemos mergulhar, saltar, correr e agarrar coisas ou outros jogadores. A juntar a isso, as personagens não possuem habilidades especiais ou equipamentos raros – Fall Guys aposta na simplicidade, e a essência recai sobre as milhares de costumizações que podemos fazer no personagem que vamos usar para ultrapassar todos os níveis, contando apenas com a nossa habilidade e uma dose de sorte. Todas estas características apontam para o sucesso do jogo que vicia tanto jogadores casuais como aqueles que levam a competição a sério, garantindo horas e horas de diversão, seja para quem tenha pouco tempo livre ou para aqueles que só largam o jogo quando tiverem a tão desejada coroa do seu lado.

No meio de tudo isto, Fall Guys é também um jogo que pode causar uma certa frustração. A falta de controlo sobre a personagem contribui para isso mesmo – o tal apelo à simplicidade que já mencionei. Por vezes até o nosso fator de progresso pode ser interrompido por ações incontroláveis de outros jogadores na partida, com especial atenção para certos níveis em que as ações dos adversários prejudicam as nossas, o que pode eventualmente ditar a nossa eliminação. A confusão e o caos são o tema central de Fall Guys. Ben Nizan garante que a palavra aborrecimento não entra o seu vocabulário e afirma que serão incluídos mais níveis de jogo no futuro: “É importante que cada jogo do Fall Guys pareça diferente, com certeza. Já temos quatro finais e, à medida que adicionarmos mais e mais níveis, haverá mais finais também no futuro!”. Aliada aos pontos de experiência, está também a moeda “Kudos”, que permite comprar fatos para a personagem, e ainda as coroas que se ganham em cada jogo vencedor, que permitem comprar fatos especiais, os chamados itens mais raros.

Fall Guys: jogo com mais downloads da PlayStation Plus

Com 7 milhões de cópias baixadas no PC através da plataforma Steam, Fall Guys tornou-se no título PlayStation Plus com o maior sucesso de todos os tempos. Já na PlayStation 4, continua a arrecadar milhões de downloads, tendo estado disponível gratuitamente até 31 de Agosto, graças a um acordo de exclusividade com a editora Devolver Digital, a responsável pela sua publicação.

Em apenas três semanas, o jogo alcançou este recorde, tornando-se numa sensação a nível mundial, aproximando-se assim aos calcanhares de outros jogos com o mesmo conceito, como Fortnite, por exemplo. A estratégia de capitalização do buzz de Fall Guys pode mesmo vir a ser idêntica à de Fortnite, com o cruzamento de grandes lançamentos da cultura pop dentro do jogo. É que Fall Guys é, em muitos aspetos, o “sonho” de qualquer departamento de marketing – os avatares carismáticos permitem uma infinidade de comercializações e o facto de podermos personalizá-los com várias máscaras e roupas é a funcionalidade perfeita para vir a ser explorada por patrocinadores. Neste momento já é possível gastar dinheiro real a comprar acessórios para as personagens do jogo, por exemplo, e o jogo dá sinais de poder levar essa monetização da sua estética mais avante. Além disso, Fall Guys é um jogo bastante acessível e não-violento, chegando assim a jogadores de todas as idades, algo que pode também ser apelativo para potenciais pretendentes comerciais.

Toda esta popularidade levou à criação de uma versão mobile do jogo, que ainda não está terminada e que, ao que tudo indica, estará apenas disponível na China. O analista de jogos Daniel Ahmad, escreveu no Twitter que a empresa chinesa de entretenimento Bilibili garantiu os direitos de publicação de “Jelly Bean: Ultimate Knockout”, um nome inspirado nas personagens com forma de feijão de Fall Guys.

 

Inspirações e mistura de géneros

As inspirações para Fall Guys surgem de vários programas e videojogos, umas confirmadas pelos seus criadores e outras que são puras especulações, mas a verdade é que, quer a jogabilidade, quer o design, remetem-nos para várias referências conhecidas. Quando olhamos para o modo de jogo – os vários obstáculos e níveis até à final – é fácil lembrarmo-nos do programa de TV “Jogos sem Fronteiras”, por exemplo. Lá fora, o jogo é comparado com “Intervilles”, programa exibido em França em 1962, a versão britânica “It’s a Knockout”, ou o tão famoso programa norte-americano “Wipeout”. Mas os criadores do Fall Guys garantem que a inspiração mais fiável é “Takeshi’s Castle”, um game show japonês que esteve no ar entre 1986 e 1990. Apresentado pelo comediante japonês Takeshi Kitano, que interpreta um conde que é dono de um castelo e que cria desafios para os jogadores chegarem até ele, o programa tornou-se num sucesso televisivo a nível mundial.

Também acho que superficialmente somos como Battle Royales, com certeza, mas na verdade acho que é mais o caso de Battle Royales serem como programas de jogos!”– Ben Nizan em entrevista ao Shifter.

Uma 2ª temporada

Com o incrível sucesso do jogo, a Mediatonic não perdeu tempo e já tem em mãos o lançamento de uma 2ª temporada. No dia 27 de Agosto durante a Feira Anual de Videojogos Gamescon foi apresentado o trailer daquela que será a nova temporada de Fall Guys.

Nesta 2ª temporada, a Mediatonic resolveu adotar uma temática medieval inspirada na Idade Média. Além de novos mini-jogos, são também esperados castelos dentro dos mapas e fatos de dragões. Por enquanto, ainda não foram revelados muitos detalhes, mas o seu lançamento está marcado para o início de outubro.

O problema dos hackers/cheaters

Com o sucesso, chegam também os problemas. E infelizmente, os jogadores de PC estão a ter a sua experiência manchada por um número incontrolável de hackers que usam cheats e tornam o jogo impossível de jogar. Esta tendência tem acontecido por enquanto apenas no jogo para PC. O hack mais comum é o da funcionalidade que permite ao personagem voar, negando assim todos os obstáculos que possa encontrar, fazendo com que corridas possam ser ganhas num instante e rodadas de sobrevivência passem a ser vitórias automáticas. O hacker consegue assim qualificar-se instantaneamente no início de cada jogo, o que remove a capacidade de realmente jogar qualquer um dos níveis, tornando-o assim num vencedor desde o início, independentemente do que outros jogadores possam estar a fazer. Identificá-los torna-se fácil por vezes, devido ao facto de vestirem a roupa mais cara com as coroas que adquirem, ou pelas razões que já enumerei.

A Mediatonic já fez várias declarações sobre os cheaters, à medida que o problema ia piorando. A equipa de desenvolvimento do jogo quer garantir aos fãs que estes problemas serão corrigidos e já garantiram que na próxima atualização vão implementar o sistema anti-cheat que é usado no Fortnite e noutros cerca de 120 jogos no mercado. No seu Twitter oficial, Fall Guys anunciou esta nova atualização no início do mês:

 

Todas estas vantagens e desvantagens já fazem de Fall Guys um caso sério de sucesso no mercado. Para percebermos o processo para aqui chegar, falámos com Ben Nizan, sobre as perspectivas para o futuro do jogo, numa entrevista que podes ler na íntegra em baixo.

Tens um currículo bastante rico como designer, tendo já trabalhado em vários projetos comerciais envolvendo jogos digitais. Dirias que Fall Guys é a tua maior conquista?

Com certeza, além do facto de Fall Guys ter um sucesso fenomenal, é o primeiro grande jogo em que estive envolvido. O primeiro jogo em que trabalhei foi um jogo do Facebook (lembram-se deles?) chamado Here Be Monsters, no qual era uma alegria trabalhar e do qual estou super orgulhoso, mas infelizmente os servidores fecharam há vários anos e o trabalho está todo perdido. Desde então, tenho trabalhado em jogos para telemóvel – alguns muito populares – mas por alguma razão tu não costumas receber muito crédito por trabalhar neles. Portanto, tem sido ótimo para o Fall Guys partilhar a alegria do jogo com os jogadores e ter um certo orgulho do que conquistámos como equipa.

Concordas que Fall Guys é uma mistura do divertido e colorido Mario Party com o líder de todos os tempos do Battle Royale, Fortnite? Quais foram as inspirações durante o processo criativo do jogo?

Eu acho que é uma avaliação justa – a expressão “Party Royale” já foi usada algumas vezes para descrever o jogo, o que é bastante engraçado. Em última análise, embora a inspiração venha de videojogos externos, foi com programas de TV como Takeshi’s Castle ou It’s a Knockout que a ideia de “jogar uma série de mini-jogos” foi realmente inventada. E nós pegámos nisso e criámos a versão para a geração Twitch. Também acho que superficialmente somos como Battle Royales, claro, mas na verdade acho que os Battle Royales é que são como game shows!

Achas que tu e a tua equipa subestimaram o potencial sucesso de Fall Guys?

Acho que nunca é possível esperar que as coisas corram tão bem. Por todo o bom trabalho que fizemos, há também muita sorte envolvida. Acho que o importante é preparar o azar possível; e isso vale para tudo na vida, não apenas para jogos. Se tu puderes criar um ambiente estável como a Mediatonic fez – resistindo a todo o tipo de contratempos e problemas – e ainda estar lá 14 anos depois, com toda a experiência que aprendeste… bem, então talvez aquele “Fall Guys moment” chegue. Se não, tu continuas a trabalhar nisso até que talvez um dia isso aconteça!

Para não ser excessivamente modesto: acho que esperávamos que Fall Guys tivessem sucesso. Como outros identificaram, é um jogo fácil de explicar, tem um grande apelo, temos um grande parceiro no Devolver e ele é lançado no momento certo por vários motivos. Eu pessoalmente teria ficado surpreso se ele tivesse falhado completamente – mas certamente nunca esperei sucesso no nível que tivemos.

Por agora e devido ao sucesso do jogo, muitas pessoas estão a pedir skins customizadas, além das normais. Estavas ciente que isto poderia acontecer durante a criação das skins originais ou foi algo inesperado?

Os próprios Fall Guys são inspirados em mascotes de equipas desportivas ou nas fantasias que as pessoas usam para maratonas de caridade e corridas divertidas. Portanto, não acho que seja muito surpreendente que as pessoas queiram ver todos os tipos de personagens e fantasias de marca porque encaixam-se muito bem. Já temos alguns fatos Valve e Devolver IP realmente ótimos no jogo, e estou tão animado quanto qualquer pessoa para ver o que vem a seguir!

O The Verge diz que Fall Guys é “o  jogo perfeito para um momento horrível”. Qual é a tua opinião sobre esta frase? Concordas?

Sim, ouvimos muito isso e acho que é meio verdade. O mundo não está num bom momento, e é bom que conseguimos criar um burburinho sobre algo colorido e divertido que as pessoas podem jogar juntas, mesmo quando estão separadas.

O que achas que se destaca em Fall Guys para que se tenha tornado um sucesso no mercado de videojogos?

Há muitos fatores, desde os controlos simples até ao estilo de arte acessível, mas acho que o mais importante é que não seja violento, mas que ainda assim seja muito competitivo. Curiosamente, tenho muitos amigos que não jogam videojogos de verdade, simplesmente não é o mundo deles. Eles não querem jogar jogos violentos, mas ao mesmo tempo, jogos mais lentos e pacíficos também não os atraem. Há algo sobre Fall Guys que fez com que todos pegassem nos comandos e aprendessem a jogar porque querem fazer parte da diversão, querem envolver-se. Eu acho que o que é maravilhoso nisso é que agora há todo esse mundo de entretenimento aberto para eles além de Fall Guys.

Em 2015, a Mediatonic tinha quatro grandes jogos em desenvolvimento, mas em 2016 todos foram cancelados. Como vês Fall Guys por essa perspectiva? É o retorno desejado?

Entrei para a Mediatonic em 2018, por isso isso é antes do meu tempo na empresa, mas acho que o sucesso de Fall Guys, apesar desses contratempos, é o que mais gosto no estúdio. Ninguém perdeu o emprego quando aqueles jogos foram cancelados, foi encontrado trabalho para manter as coisas a funcionar – mesmo que não fosse necessariamente naquilo em que as pessoas queriam trabalhar. A empresa levantou-se e levou todos com ela. Obviamente isso é bom para todos os envolvidos – mas, na prática, significa que manténs toda a experiência e boa vontade e podes colocá-la em novas oportunidades. Isso é bastante incomum na indústria de jogos, onde as perdas de empregos devido ao cancelamento de projetos e ao trauma associado a isso são comuns. Portanto, embora eu seja relativamente novo na Mediatonic, vejo o sucesso de Fall Guys como uma prova do trabalho árduo de todos no estúdio – mesmo que não tenham trabalhado diretamente no jogo.

Como é que lidas com cheaters? É algo que tu, ou alguém da tua equipa, tem sob controlo? Achas que Fall Guys pode sofrer com os hackers e cheaters?

Não posso dar muitos detalhes sobre como estamos a lidar com cheaters; em parte porque não estou envolvido diretamente nisso, mas também porque não queremos que os hackers aprendam os nossos segredos! Já temos alguns sistemas de detecção automatizados em execução, porém, temos mais para entrar online numa atualização em breve. Definitivamente, queremos acabar com a batotice porque é importante que todos joguem com justiça. Embora seja uma pena ter que gastar o nosso tempo com algumas pessoas que estragam tudo para todos.

O que podemos esperar no futuro para Ben Nizan e Fall Guys?

Eu e a equipa estamos a olhar para a segunda temporada – a nossa temporada temática medieval – que anunciámos na Gamescom Opening Night Live. Um dos níveis do trailer é o meu design. Eu geralmente trabalho do lado dos recursos, por isso estou ansioso que as pessoas joguem o meu primeiro nível! Também iniciámos projetos para a terceira temporada. Para mim, pessoalmente, estou ansioso para ir ao próximo festival de música, quando essas coisas forem permitidas novamente!

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  • Bernardo Pereira

    Licenciado em Comunicação Social na Universidade Católica Portuguesa e a tirar Mestrado em Internet e Novos Media, o Bernardo Pereira é atento ao mundo da informação. As suas paixões por escrever artigos e pelo mundo das Artes unem-se para nos dar regularmente opiniões e novidades fresquinhas sobre tudo o que se insere na nossa cultura. O seu interesse maior vai para a música, filmes e séries.

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