Descontentes com decisões tomadas de modo unilateral por parte de organizações superiores, e com o seu direito a contestá-las restringido, um conjunto de atletas de alta competição está a organizar-se para formar associações sindicais que permitam que os seus pares passem a ter uma voz, como conta a revista Tribune.
Em Novembro de 2019, conta aquela publicação, a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF na sigla inglesa), o órgão que gere o atletismo a nível mundial — também conhecido como World Athletics — anunciou que iria cortar algumas das provas de uma das competições de atletismo mais importantes, a Diamond League, nomeadamente os 200 metros, os 3000 metros com obstáculos, o lançamento de disco e o triplo salto.
As alterações não agradaram ao campeão olímpico britânico Adam Gemili, que, depois de ter reagido ao anúncio com um GIF na sua conta de Twitter, começou a falar com outros colegas, que partilhavam da mesma surpresa, revolta e frustração. “A World Athletics disse que fez um estudo mas não nos mostrou quaisquer dados”, disse Adam Gemil à Tribune. “Ninguém foi consultado. Não nos perguntaram o que pensávamos disto ou daquilo. Os atletas sempre estiveram na base da hierarquia, e isso precisa mudar.”
De conversas com o medalhista norte-americano Christian Taylor e também com Emma Coburn, outra atleta em representação dos EUA, nasceu a Athletics Association oficialmente em Julho de 2020. Taylor e Emma voluntariaram-se para presidir à associação, que é a primeira do género liderada e gerida por atletas a nível internacional, com o propósito de se sentar à mesa com os órgãos internacionais de gestão do desporto para que os atletas passem a ter uma palavra a dizer.
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É comum este tipo de uniões através de associações entre desportistas, por exemplo, no futebol e basquetebol, como aponta a Tribune,ou como se verifica entre jogadores de futebol profissionais em Portugal. No atletismo existem outros movimentos, como a Global Athlete, uma estrutura também liderada por atletas que pretende dar mais voz e poder a quem está no terreno a competir. Para Rob Koehler, que lidera a Global Athlete, a ideia (comum e generalizada) de que os atletas que pisam os Jogos Olímpicos são milionários “não poderia estar mais longe da verdade”.
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Tanto na WA como no Comité Olímpico Internacional existem comissões de atletas, que, além de serem escolhidos, acabam por ter pouca voz e são levados a assinar contratos que limitam os seus direitos de se manifestarem, funcionando mais como sindicatos de empresas. “Os atletas precisam de melhor representação. Precisam de apoio legal e institucional porque sem isso enfrentam situações comprometedoras”, aponta Koehler.
Como escreve a Tribune também, apesar de existirem órgãos reguladores nacionais e internacionais a supervisionar muitas das decisões tomadas em relação ao atletismo, os atletas são trabalhadores contratados com acordos com empresas de calçado e vestuário desportivo – ou seja, não são funcionários, por assim dizer, das organizações directamente ligadas às competições. Estes contratos com as marcas são muitas vezes secretos e com cláusulas que protegem mais as empresas que os atletas; no final de contas, em comparação com profissionais do futebol ou basquetebol, acabam por ganhar muito menos e esses valores podem ser ainda mais baixos se o seu desempenho na pista não for o desejado.
Com uma estrutura semelhante à de um sindicato, a Athletics Association está a contar com uma adesão massiva de atletas no início do próximo ano. Os membros terão de pagar taxas “modestas”, e serão incentivados a envolverem-se nas iniciativas da organização, bem como a participar em grupos de trabalho para analisarem e se concentrarem em questões específicas. O conselho é composto por atletas de várias modalidades e de todos os continentes. Para ser verdadeiramente global, a associação faz-se valer dos seus atletas e respectivos idiomas para traduzirem documentos e estudos e chegarem a todo o mundo. Aconteceu com a composição da sua constituição e no estudo sobre a forma como os atletas foram afectados pela pandemia de coronavírus.
Cientes de como são deliberadamente mantidos fora das decisões que impactam as suas vidas, dentro e fora das pistas, os responsáveis pela associação acreditam não haver melhor momento para mudar essa narrativa – no meio de uma pandemia, perante o cancelamento sem precedentes de competições e manifestações globais contra o racismo e a favor do movimento Black Lives Matter.
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