O regresso (semi) surpresa do artista multifacetado, Childish Gambino

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O regresso (semi) surpresa do artista multifacetado, Childish Gambino

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Os temas são relevantes e atuais, a voz e os versos de Gambino estão melhores do que nunca e os instrumentais, regra geral, são interessantes e muito fora do que é considerado “normal” num projeto musical de 2020. O único grande defeito que encontro no projeto é precisamente a sua duração, que apesar de ser justificável em algumas faixas, noutras acaba por se tornar prejudicial.

Quatro anos após o lançamento do seu último álbum, Donald Glover, mais conhecido pelo seu nome artístico Childish Gambino, volta em força com um novo projeto musical. É, no entanto, de notar que o artista não esteve parado ou desaparecido durante estes últimos anos. O artista esteve focado na sua carreira como actor em filmes como Solo: A Star Wars Story ou Guava Island, ajudou na criação e produção da série altamente conceituada, Atlanta, e lançou uns quantos singles de sucesso pelo caminho como “This is America” e “Feels Like Summer”.

Lançado originalmente em livestream no dia 15 de março no site do artista, 3.15.20 é um álbum que à partida parece difícil de digerir: apesar de ser composto por apenas 12 faixas, tem a duração de 57 minutos. Ainda numa primeira olhadela, é possível ver que apenas duas músicas têm nomes propriamente ditos (“Algorythm” e “Time”). Todas as outras têm nomes que reflectem os timestamps em que a faixa começa. Por exemplo, a primeira chama-se “00.00” porque ao começar a tocar a música, estamos no início do projeto. Se adicionarmos a duração das 4 primeiras faixas, iremos obter o valor/nome da quinta música, “19.10”, que é quando começa.

O álbum começa com uma faixa conceptual introdutória, bastante espaçosa e com pouco a acontecer. Funciona bem como introdução e rapidamente passamos para um dos pontos mais altos do álbum, “Algorythm”. O instrumental é pesado, a voz de Glover é sombria e o crescente até ao refrão é espetacular. O tema anda à volta da nossa realidade atual: uma vida regida por algoritmos, pelo binário e, no final de contas, por danças sem sentido que se tornam virais de um dia para o outro.

Ainda falando em pontos altos, temos “19.10”, uma faixa eletrónica, funky e com uma energia muito semelhante à que Kaytranda consegue captar nos seus projetos, e “24.19”, uma balada de praticamente 8 minutos dedicada à parceira de Gambino. Progressivamente, a música vai crescendo nos nossos ouvidos, culminando primeiramente num agradecimento direto à amada de Gambino e num instrumental exuberante com uma arpa lindíssima a acompanhar. De seguida, após Glover dar a entender que a relação não é tão boa como inicialmente se julgava, todos os instrumentos são interrompidos como se tivéssemos chegado ao fim do namoro. Apesar de ser uma faixa comprida, “24.19” nunca se torna desinteressante ou aborrecida.

No entanto, faixas como “12:38” (que conta com um verso de 21 Savage) e “Time” (com participação de Ariana Grande), ambas bastante longas, acabam por não conseguir o que “24.19” consegue: manter o ouvinte na expectativa e a pensar no que será que vai acontecer a seguir.

“32.22” é uma faixa industrial, completamente “in your face”, ao estilo da sónica do álbum altamente conceituado de Kanye West, Yeezus. A faixa é violenta, energética e prende os nossos ouvidos às colunas com a antecipação formada. Curiosamente, esta é a única faixa cujo nome é um reflexo errado do tempo de começo da mesma. Em vez de se chamar “32:22”, devia chamar-se 32:18.

Finalmente, depois da tempestade vem a bonança e somos recebidos por “35.31” que tem um dos melhores outros do álbum e por “39.28”, que infelizmente não acrescenta muito à dinâmica do mesmo.

“42.26” é, na verdade, “Feels Like Summer”, a faixa que já conhecemos desde 2018, lançada precisamente no verão com uma irmã que não chegou à tracklist final deste projeto. A música, à semelhança de outras presentes no álbum versa sobre o mundo atual, desde a computação até às mudanças climáticas. Ainda sobre este tópico, temos “47.48”, que à semelhança da anterior, apesar de falar de tópicos correntes e complicados, fá-lo sobre melodias animadas e calmas.

É com uma explosão de energia que Glover fecha este longo projeto. Em “53.49”, o músico fala sobre o lado bom da vida e sobre os filhos, o que funciona bem como o final de um projeto cujas faixas tipicamente falaram sobre o lado mau do mundo. A parte final é uma crescente acumulação de energia até que um coro e um sintetizador irrompem pelos nossos ouvidos para fechar este projeto e, consequentemente, este capítulo na vida artística de Gambino.

O álbum está, no geral, bem conseguido. Os tópicos referidos são relevantes e atuais, a voz e os versos de Gambino estão melhores do que nunca e os instrumentais, regra geral, são interessantes e muito fora do que é considerado “normal” num projeto musical de 2020. O único grande defeito que encontro no projeto é precisamente a sua duração, que apesar de ser justificável em algumas faixas, noutras acaba por se tornar prejudicial.

De todas as formas, o balanço é sem dúvida positivo e este álbum é um ponto alto na carreira do artista e um sucessor interessante ao álbum conceptual Awaken! My Love, de 2016. Tendo em conta que para já o artista ainda não fez nenhum anúncio nas suas redes sociais desde o lançamento do projeto, se calhar ainda tem alguma carta na manga, portanto há que esperar e ver o que é que Glover vai tirar da cartola a seguir!

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  • Pedro Caldeira

    Engenheiro Informático de profissão, Pedro Caldeira é um apaixonado por tecnologia e acima de tudo música. Escreve regularmente sobre temas relacionados com tecnologia disruptiva e sobre álbuns e artistas que o inspiram.

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